Nossa atenção é mais curta do que a de um peixinho dourado?
"Irresistível", livro do pesquisador Adam Alter, começa com uma história reveladora: Steve Jobs admitiu certa vez que as crianças da sua casa nunca haviam usado um iPad na vida. O tablet é um dos principais produtos da Apple, a empresa que Jobs trouxe ao mundo. Ou seja.
Ao saber disso, o jornalista Nick Bilton, do New York Times, quis entender se outras lideranças de gigantes da tecnologia faziam o mesmo. E faziam. Nick descobriu que a maioria desses empresários limitavam, e alguns chegavam a proibir, a interação de seus familiares crianças e adolescentes com aparelhos de qualquer natureza. Eram colocadas no lugar atividades ao ar livre e livros. Muitos livros. Ou seja.
Nas páginas que seguem esta história, Adam traça um panorama detalhado do que nomeou como vícios comportamentais estimulados pelo uso excessivo da tecnologia e de qual maneira estes estão transformando nosso jeito de ser e estar no mundo.
De novo, em especial entre as crianças e adolescentes. Para isso, Adam entrevista especialistas de várias partes do mundo, colocando os smartphones, computadores, videogames e até mesmo os nossos relógios de pulso no centro da atenção. E das preocupações. Em um determinado ponto do livro, revela: uma criança que nasce agora deve passar cerca de 24 anos de sua vida olhando para telas. Pense nisso: 24 anos.
A busca por uma interação mais saudável com a tecnologia entrou de vez no meu radar depois de conhecer o trabalho do Kim Loeb e do 1 Minuto da Sua Atenção. A iniciativa se apresenta assim: "Somos um centro de pesquisa e conscientização que visa ampliar a discussão sobre as técnicas que estão roubando nosso tempo, impulsionando mudanças coletivas em direção à tecnologia alinhada ao potencial de uma vida plena". Recomendo conhecer este trabalho muito de perto.
De maneira simplista, o trabalho do grupo é contar para cada vez mais pessoas, em especial adolescentes e jovens adultos, como a tecnologia é pensada e desenhada para reter a nossa atenção à exaustão. E como isso afeta radicalmente a nossa vida, em todas as suas dimensões. Mesmo que a gente não perceba. Ou seja, o grupo busca trazer uma consciência para a nossa interação com a tecnologia com o objetivo de potencializar a vida. Não o contrário.
O 1 Minuto da Sua Atenção propõe dois pontos de partida para a conversa. Aqui, o livro e a iniciativa se encontram. A iniciativa diz que "a Economia Extrativista de Atenção utiliza tecnologias avançadas e conhecimentos neurocientíficos para capturar a atenção dos usuários de forma intensiva e insustentável, visando extrair o máximo deste recurso".
Sobre o Rebaixamento Humano, aponta que a "consequência do extrativismo de atenção são prejuízos individuais na cognição, memória, saúde mental, relacionamentos e coletivos como desinformação, polarização, extremismo, autoritarismo e muito mais". Adam, em seu "Irresistível", dedica páginas e mais páginas para mostrar como grande parte dos aplicativos, que nos parecem inofensivos num primeiro momento, são desenhados de um jeito a conversar com as nossas questões psicológicas profundas, o que pode levar muita gente a simplesmente não conseguir frear o tempo que passa em frente a um site, por exemplo.
Enquanto preparava esta coluna, soube que uma década atrás uma pesquisa da Microsoft apontou que nosso limiar de atenção estava menor do que de um peixe dourado, influenciado já naquela época pelo uso excessivo da tecnologia. Enquanto a maioria de nós sustentava cerca de 8 segundos de foco absoluto, os peixinhos dourados tinham 9 segundos de atenção plena. No começo dos anos 2000, segundo a mesma pesquisa, nosso pico tinha quatro segundos a mais, 12. Ou seja.
Pensando que naquela época não estávamos nem perto de sermos como nos tempos atuais, em termos de hiperestímulo e de oferta de aplicativos, aparelhos e afins, qual será o nosso tempo de foco e atenção hoje em dia? O que Adam Alter e o 1 Minuto da Sua Atenção têm a nos contar é urgente demais para circular.
Ambas, a publicação e a iniciativa, reconhecem o óbvio: a vida neste tempo será assim, não tem muito como fingir que não. O ponto é como lidaremos com este cenário. E, em especial, o que será feito para cuidarmos das gerações que estão vindo aí. Porque, como aparece em um trecho de "Irresistível", ainda estamos na infância de grande parte da tecnologia. Ou seja.
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