E se o horário eleitoral gratuito tivesse debates entre os candidatos?
Dizem que alguns livros merecem ser lidos mais de uma vez. Tomo emprestada esta ideia para dizer que alguns textos merecem ser escritos mais de uma vez, também. É o caso deste, publicado em setembro de 2022. Tomei a liberdade de resgatá-lo, re-contextualizado. Nunca se falou tão pouco sobre as ideias por trás das pessoas que se candidatam. Frustração é pouco, o que boa parte de nós sente ainda não tem nome. Como diz o poeta.
O horário eleitoral gratuito começa nesta sexta-feira (30). Durante pouco mais de um mês, a ideia é que a população conheça melhor com programas e chamadas menores, os planos das candidaturas espalhadas pelo país. 5.568 cidades brasileiras terão eleições municipais em outubro. O primeiro turno acontece no dia 6. Se necessário, o segundo será no dia 27 do mesmo mês.
Se a ideia é qualificar o processo coletivo de escolha de quem irá nos representar, e andamos precisando, por que os debates para cargos eletivos não passam a ser algo que faz parte da entrega do horário eleitoral gratuito? Pergunta sincera. Não sou inocente, imagino ser uma logística complexa em eleições municipais como este ano, por exemplo. Mas existem pessoas bem pagas para pensar isso, meu foco aqui são os interesses públicos.
Hoje em dia os debates são organizados pelos veículos de acordo com a sua programação, agenda e, por que não, interesses. Do outro lado, as candidaturas dizem sim ou não de acordo também com sua programação, agenda e, especialmente, interesses. Não é raro que, estando em primeiro lugar, a pessoa não faça lá muito esforço para debater suas ideias. Ou a falta delas. Resultado: estes espaços têm perdido cada vez mais prestígio e relevância. O período de campanha é curto para o tanto de compromissos e convites. Candidaturas, especialmente das capitais, já sinalizaram isso nas últimas entrevistas.
Tendo que acordar às 4 horas da manhã para pegar o ônibus já cheio para o trabalho, quem é a pessoa que consegue sustentar o corpo e o interesse num debate que, muitas vezes, passa da meia noite? Ou, fora do horário nobre da nossa atenção diária, quantas têm condições de organizar a vida para sentar-se, respirar e escutar o que as candidaturas têm a dizer sobre o preço do arroz que ela irá comprar amanhã? Eu sei, você é suficientemente interessado a ponto de dar um jeito e assistir tudo que aparece pela frente. Mas a nossa mãe já ensinou um dia: você não é todo mundo. Nem eu, que não perco um.
Outro dia me peguei pensando assim: se a campanha tem um mês, seria um debate por semana, como parte do horário eleitoral gratuito. E se estes debates acontecessem em um estádio de futebol, como ação de interesse público? É um exemplo, pra me fazer entender por aqui.
Na primeira semana aconteceria no horário da novela, na segunda no tempo do futebol de domingo. Na terceira do almoço em família e na quarta semana a gente pensa todo mundo junto. Todas as conversas seriam ao vivo, transmitidos estrategicamente nestes momentos, quando existir uma emissora local. Em cidades menores, eventos abertos em espaços públicos estratégicos?
Mais do que a forma, meu convite é para olharmos o conteúdo: se são essas as pessoas que irão construir as oportunidades para termos uma existência melhor que hoje, individual e coletivamente, o embate de seus planos e ideias não precisaria atravessar as nossas vidas? Ser algo mais fácil e prático que ter que dormir quase uma da manhã, quando seu despertador toca às 3 horas?
Imagino que devam existir um milhão de questões para que ideias como essa nunca tenham sido implementadas. Quem sou eu na fila do pão — que infelizmente nem todo mundo tem para comer nesse momento — para descobrir nesse setembro uma ideia que ninguém nunca teve ou tentou. Mas fica aqui a utopia. Eu confio que são as perguntas que movem o mundo, não necessariamente as respostas.
Porque se a sua vida e a minha dependem, em alguma medida, da vida dessas pessoas que iremos eleger em breve, eu quero mais é que elas debatam todos os dias para eu saber onde depositar minha esperança. Você não?
Ficar frente a frente não deveria ser, apenas, uma escolha estratégica delas, mas o feijão com o arroz, o básico que nem todo mundo tem hoje no prato, para quem quer ocupar cargos tão importantes feito estes.
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