Tony Marlon

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Opinião

Será que a TV deveria mostrar crianças em momentos de dor esportiva?

O Flamengo encaminhava o título da Copa do Brasil, no último domingo, 10, diante do Atlético MG, quando a câmera da TV passou a mostrar crianças chorando pela derrota do clube mineiro. Juntando o placar, o rubro negro venceu por 4 a 1. Me perguntei se cabe expor crianças desta maneira em tempo de redes sociais, memes e cyberbullying. Eu não sou um especialista, essa é pergunta verdadeira de quem foi afetado por aquela imagem.

A gente sabe que, uma vez na Internet, para sempre na Internet. E a coisa fica meio sem filtro ou controle. Uma imagem ou trecho de vídeo é transformado em outras 300 coisas, muitas vezes longe do contexto original. Com a Inteligência Artificial, então, as possibilidades são quase infinitas. E bem perigosas. Daí, a minha preocupação: os riscos de uma superposição das infâncias num momento de dor e onde é que isso vai parar. Uma das crianças filmadas virou meme. Para o deboche.

Mas, a luzinha amarela se acendeu mesmo em algo ainda mais prático, antes mesmo de envolver IA e redes sociais na história. Como será que é a segunda-feira na escola para uma alguém que foi parar ali, em frente a milhões de pessoas de todo o Brasil, que depois viralizou, na maior parte das vezes como deboche, em um momento de tanta vulnerabilidade? A gente sabe: a infância e a adolescência não são lá uma fase muito fácil quando o assunto é a exposição das emoções. E como os amigos dos pequenos e pequenas lidam com isso.

Sim, é urgente e saudável estimular o cultivo das emoções. E sim, a gente precisa encorajar que a dor seja elaborada onde dói. No caso de uma criança e o seu clube de futebol, as coisas tomam uma proporção grande demais. É por isso que é comum que apareçam pais e mães abraçadas às crianças quando a câmera as filma. E é aí que as coisas me fazem trazer muitas perguntas por aqui: quem está transmitido, TV ou canais do Youtube, não conseguiriam contar essa tristeza por outros caminhos, sem estampar o rosto das crianças como geralmente fazem?

Eu já até sei o que parte das pessoas irão comentar. Que isso é só mais um mimimi, que estamos construindo uma geração sem força para lidar com a dureza da vida. Que em suas épocas o mundo era como tem que ser, sem tudo isso que está aí. Não tenho dúvidas que alguém vai recuperar a icônica capa do Jornal da Tarde, de 1982, quando um torcedor mirim simbolizou a dor coletiva da derrota brasileira para a Itália. Dirá: viu, aquela criança continua bem e saudável. Inclusive, ficou famosa. Para mim, são coisas diferentes.

As redes sociais e toda a cultura construída ao redor tem nos trazido muitos desafios novos. Com a maioria deles, nós ainda estamos aprendendo a lidar. Foi nesse contexto que eu fiquei pensando em tudo isso, enquanto assistia aquela criança chorar um choro doído que só. Eu acredito que há outras maneiras de ilustrar a dor de quem é derrotado, no esporte e na vida, enquanto se cuida de todas as pessoas envolvidas na história que está sendo contada.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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