Tony Marlon

Tony Marlon

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Brasil perdeu 7 milhões de leitores em 4 anos: como mudar esse jogo?

Lançado em 1965, "A Autobiografia de Malcolm X" foi um dos primeiros livros que Alex Pereira Barbosa leu do começo ao fim. Foi assim que o Brasil começou a ganhar um dos artistas mais importantes da música popular brasileira. Um MV Bill não nasce do nada.

"Este livro me mostrou a importância de conhecer a nossa origem e que tipo de luta assumimos quando passamos a ter consciência de quem somos e o que sofremos", relembra. Quando Bill nasceu ali na Cidade de Deus, uma das favelas cariocas, o assassinato de Malcolm beirava os 9 anos, a 7.700 quilômetros de distância. O que mais, além de um bom livro, faria um encontro de ideias e ideais como este acontecer?

"Quando eu comecei a ler, precisava andar com um dicionário do lado. Não conhecia muitas palavras. Se eu não entendesse alguma, mudava a minha compreensão da página inteira, da história toda". No ar como Lindomar em Volta Por Cima, novela da TV Globo, MV Bill ainda faz shows, palestras, além de compor. Acaba de lançar "Na Visão do Morador", seu décimo quinto álbum de estúdio. E ainda precisa existir - só isso já dá bastante trabalho.

Se antes precisava parar tudo para vencer uma página, como começou contando, hoje, alguns minutos e talvez uma cadeira, já bastam. "Agora eu consigo ler com pessoas falando em volta, com muito barulho. Aos poucos fui pegando meu hábito de me conectar com a história, de me concentrar". O melhor jeito de ler um livro é o seu, o recado é esse.

Os desafios da leitura no Brasil

Em novembro do ano passado, a 6ª edição da "Retratos da Leitura no Brasil" mostrou que 53% das pessoas entrevistadas não leram nem mesmo parte de uma obra nos três meses anteriores à pesquisa. Foi a primeira vez que os dados mostraram que a maioria da população brasileira não lê livros. Por quê? O Bill e a Suzi Soares têm alguns palpites.

Suzi Soares, co-fundadora do Sarau do Binho
Suzi Soares, co-fundadora do Sarau do Binho Imagem: Viviane Lima

A Suzi, que ainda não tinha aparecido nessa história, é cofundadora do Sarau do Binho. E o Sarau do Binho, vale pesquisar mais, é um importante movimento literário brasileiro. Começou num bar, nas noites de segunda, quando as pessoas se encontravam para falar de livros e declamar os poemas que faziam. A partir daí, cresceu. Ônibus cheio, qualquer dia da semana, às seis da tarde, e na saída do Terminal Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, você encontrará a Suzi e todo o time do sarau distribuindo livros de graça. Cuidadosamente organizados num tecido colorido, estendido por todo o chão.

"Penso que muito disso", a diminuição no número de pessoas leitoras, "se deve às novas possibilidades que as tecnologias trouxeram", ela observa, apontando o surgimento das plataformas de streaming e grande oferta de filmes e séries. "E ainda tem as redes sociais, que nos tomam um tempo enorme do dia, a leitura, que precisa mais concentração, requer parar e reservar uma parte do nosso tempo, foi perdendo espaço", analisa Suzi.

Continua após a publicidade

O impacto cultural da tecnologia na leitura

"Coisa rara é encontrarmos alguém dentro de um ônibus ou metrô com um livro na mão. Dificilmente haverá alguém que não esteja vendo algo em seu celular", observa Suzi. Bill concorda com a produtora cultural, a tecnologia anda nos roubando das páginas, jogando nas telas. "Muita gente que eu conheço não está lendo nada neste momento, além das mensagens no celular", diz o rapper. Então, tem isso, o lugar da tecnologia.

"Mas não é só isso", nos lembra Bill. "Muitas pessoas que eu conheço dizem que não conseguem se concentrar na história. Ou se perdem no meio da folha, precisam voltar. Mas eu estou falando de pessoas que estão preocupadas com o tiroteio na sua favela, se vai ter ônibus para voltar para casa, se o salário vai dar conta de pagar tudo que a família precisa", chama a atenção.

A mesma pesquisa mostrou que a leitura motivada por gosto, que é quando você escolhe um livro por conta própria, diminui à medida que a idade aumenta. Na prática, como explicou a Zoara Failla, que coordenou o estudo, o país está perdendo potenciais leitoras pelo caminho. É preciso criar estratégias para manter o interesse. Como fazer isso?

O interesse não morreu, o que falta são políticas públicas

Bill e Suzi sentem falta de uma combinação de campanhas e políticas públicas. Especialmente entre os empobrecidos que, como sempre, vão sendo deixados para trás. Mesmo já tendo começado a vida passos demais para trás.

Continua após a publicidade

"Precisamos tornar o livro acessível", defende Bill. "Não só financeiramente, mas como hábito mesmo. Historicamente eles não estão presentes no dia a dia dos pobres. Eu conheço gente que vê o livro como algo fora de sua realidade". E se eles viessem na cesta básica? Ou existisse uma lei que orientasse a instalação de bibliotecas móveis, em cada ônibus do país? As pessoas poderiam ler em casa, que é o lugar preferido de 85% das pessoas entrevistadas.

Para fechar, eu perguntei à Suzi sobre as escolas. A "Retratos da Leitura no Brasil" mostrou que apenas 4% das pessoas estavam lendo algo indicado por elas. O Sarau do Binho tem o projeto Matéria Poética, que estimula estudantes a abraçarem os livros. Suzi defendeu os professores, já tão sobrecarregados e desvalorizados pelo Estado brasileiro. Pediu uma política séria e integrada, isso sim.

"Há professores fazendo trabalhos maravilhosos nas escolas e suas salas de leitura, mas não há uma política pública e nem uma intenção dos nossos governantes de criarem este espaço para a arte e a criação", explica a Suzi, que deixa uma sugestão.

"Há muitas escolas, principalmente as escolas do Estado de São Paulo, que não têm um profissional responsável pela Biblioteca. Geralmente, são professores readaptados que permanecem ali e as bibliotecas ficam fechadas, sem que a criança possa entrar e pegar um livro". E se os governantes começassem por aí, fazendo as bibliotecas serem realmente bibliotecas e não um depósito de livros?

"Levamos livros de literatura pra distribuirmos para os estudantes e eles ficam felizes. Existe interesse, sim", finaliza Suzi.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

6 comentários

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.


Eduardo Lopes da Silva

Aqui em casa a estante é cheia de livros, o hábito de leitura veio da minha esposa, eu comecei na pandemia (não podia sair de casa e só Netflix não dava conta do tédio). O hábito chegou nas minhas filhas, elas leem com muita frequência. O brasileiro não lê por falta de costume.... existem bilhões de livros, sempre terá um gênero que a pessoa irá gostar de ler ! O problema é que só nos apresentam os clássicos ! Que são bons, mas não é para todo mundo!  Machado de Assis é bom para quem já é adulto! As pessoas precisam descobrir o gênero que gostam. Para jovens um Pedro Bandeira (A droga da obediência) ou Sherlock Homes é muito mais interessante, minha filha adorou ambos! Para os geeks "O Guia do Mochileiro das Galáxias" é ótimo! Para quem gosta de guerras feudais ou medievais (com aspectos históricos reais) trilogia do "O Arqueiro" e "As Crônicas de Artur" são interessantes

Denunciar

Fernando Alex G de o T Pinto

Ler um livro é viver, aprender, lembrar, conhecer e até descobrir, mas também, podem ser estórias que nos faz esquecer um pouco das maldades da vida e viajar um bom sonho.... ler é muito importante, nos ensina a desprender das amarras do momento, quer seja a tecnologia, importante claro, e outras nuances que nos aprisionam, obscurecem; mas ler nos libertará e nos fará compreender a vida como um todo, ou apenas um pedaço holístico, que fará sempre sentido em nossas vidas.

Denunciar

Rafael Vaccari Tavares

Todos perdendo tempo nessa porcaria do celular…

Denunciar