Topo

Trudruá Dorrico

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Um ancestral na posse do Lula

Lula e o cacique Raoni caminham para a cerimônia de posse no Palácio do Planalto - REUTERS/Ricardo Moraes
Lula e o cacique Raoni caminham para a cerimônia de posse no Palácio do Planalto Imagem: REUTERS/Ricardo Moraes

03/01/2023 12h06

O cocar amarelo irrompeu na rampa. O presidente Lula cumprimentou nosso ancestral na Esplanada, o cacique Raoni Metuktire. Do público, nós Makuxi, Tikuna, Guarani Mbyá, Waíkhana e Tukano, parentes - como nos identificamos - de diversos povos e localizações originários, ali reunidos, marejamos, tocamos nosso maracá e aplaudimos. A imensa roda de gente vermelha também vibrou com a presença indígena, fundamental na composição simbólica do povo brasileiro.

Raoni Metuktire pertence ao povo Mebêngôkre, conhecido pelo apelido Kayapó. Mebêngôkre significa "aquele de origem do olho d'água". A língua materna é de origem do tronco linguístico Macro-Jê. O povo vive em um bloco de Terras Indígenas nos estados de Mato Grosso e Pará e se dividem em sete subgrupos, conforme informações do Instituto Raoni: Mekrãgnotí, Gorotire, Kuben-Krân-Krên, Kôkraimôrô, Kararaô, Metyktire e Xikrin. Para mais informações, clique aqui.

1 - Funai/Divulgação - Funai/Divulgação
Cacique Raoni ao lado de Sônia, Joenia e Ricardo: "indígenas" retomam a Funai
Imagem: Funai/Divulgação

O cacique Raoni, porta-voz plurinacional dos povos indígenas, projetou a luta indígena ao protagonizar o documentário que leva seu nome, dirigido por Jean-Pierre Duttileux em 1978, atraindo atenção internacional para o Xingu-Brasil. Vale lembrar que a promulgação da Constituição Federal foi realizada apenas em 1988, dez anos depois. Sua atuação na cultura registrou uma espécie de desobediência histórica, pois, ao recusar-se a aceitar a política estatal que fomentava a exploração do seu território pelos fazendeiros, denunciou a política integracionista que decretava a extinção da identidade indígena no (pluri)país.

No fim da década de 1980, Raoni juntou-se ao cantor britânico Sting, daquela música famosa "Englishman in New York", em turnês para pedir apoio pela preservação das florestas, das terras e povos indígenas. Nesse contexto histórico, a violência recrudescida pela Ditadura Militar (1964-1985) atentou diretamente contra os povos indígenas, uma vez que o agronegócio e a mineração eram justificados como política de progresso. Importante lembrar que a tutela não permitia a liberdade civil de ir e vir, crivando no imaginário mundial a ideia de que os sujeitos e povos indígenas estavam em vias de desaparecimento total (perante a lei). A campanha internacional via música foi uma insurgência indígena, antiga, contra o totalitarismo.

Na década de 1990, foi protagonista na demarcação do seu território, após mobilizações e reuniões com o presidente José Sarney (1985-1990). O processo foi finalizado entre 1991 e 1993, quando as terras indígenas Capoto Jarina, Mekragnotire e Panará, localizadas na bacia hidrográfica do rio Xingu foram homologadas no governo Itamar Franco.

Na década de 2000 lutou contra a construção da Usina de Belo Monte, nomeada inicialmente por Kararaô, cujo nome foi rechaçado pelos Mebêngôkre, que não permitiram o uso do nome cultural ser empregado para validar o projeto de morte contra seu povo. Em 2019, enfrentou Bolsonaro que lhe perseguiu diretamente. Em 2021 foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz.

Não se sabe a idade precisa do cacique Raoni Metuktire, nosso ancestral. Mas essa imprecisão significa muito para nós que mensuramos nossa existência pelo tempo da terra. O nosso vô carregou todas essas lutas políticas em seus passos. Indivíduo de identidade coletiva, representou o enfrentamento indígena contra o esbulho territorial, o racismo cultural, a violência perpetrada pelas instituições, e históricas crises sanitárias que ameaçam nossas populações, ou seja, a luta persistente para lembrar que devemos fazer parte da estrutura desse país. Nós subimos juntos aquela rampa.