Expedição 100% feminina participa de estudo sobre microplásticos no Brasil
Há poucos dias, retornei a Santa Catarina e acabei embarcando em uma viagem pelo tempo. Voltei uns 50 anos, quando ingressamos no mundo da vela. No Iate Clube havia apenas vestiário masculino para atender a esmagadora maioria dos sócios e duas "intrusas": eu e mais uma velejadora, a Isabel. Quando nós duas falamos um pouco mais alto e definimos novas regras para aquele vestiário, rapidamente foi construído um segundo.
Já a bordo, a soberania masculina prevaleceu por mais tempo. Apenas para lembrar: de 1984 a 1944, eu era a única mulher entre quatro homens; na segunda volta ao mundo (1997 - 2000), ganhei a companhia da nossa filha Kat, e, na terceira (2014 - 2016), da minha nora Erika. Nas expedições em família, a gente vinha sendo minoria, mas, com a Voz dos Oceanos, viramos o jogo!
Depois de concluir a primeira etapa da expedição marítima com quatro mulheres e dois homens a bordo, agora, me vejo cercada por uma tripulação exclusivamente feminina. E foi nesse momento que as lembranças das últimas décadas assopraram e me trouxeram para esse feliz momento presente...
No dia 11 de maio de 2024, iniciamos uma nova expedição pela costa brasileira - dessa vez, por terra. Durante 70 dias, nossas quatro tripulantes levarão a Voz dos Oceanos e a Ciência para cerca de 20 cidades litorâneas, entre Itajaí (SC) e Belém, no Pará. Em todos os destinos, elas têm a missão de coletar bivalves que, posteriormente, serão analisados nos laboratórios da USP (Universidade de São Paulo) para estudo inédito, liderado pelo Prof. Dr. Alexander Turra, coordenador da Cátedra Unesco de Sustentabilidade Oceânica, do Instituto Oceanográfico da USP.
A nova expedição é guiada por essa importante pesquisa que, quando concluída, apresentará um diagnóstico de microplásticos em organismos marinhos. E, como ela tem como "matéria-prima" os bivalves comprados nos mercados locais, ela também mergulha na crescente preocupação com a segurança alimentar. Isso porque bivalves, como ostras e mexilhões, são filtradores de microplástico e, na gastronomia, são consumidos por inteiro. Ou seja, nosso estudo indicará índices de poluição na costa litorânea e, consequentemente, na nossa cadeia alimentar.
Além da pesquisa em si, esperamos reaproximar a ciência da sociedade. Escutar, respeitar, valorizar e incentivar a ciência é algo que deveria ser natural, cotidiano. Mas muitos se mantêm distantes, se afastaram ou a desprezam. Há quantas décadas os cientistas vêm alertando para consequências trágicas das mudanças climáticas, incluindo inundações devastadoras como as do Rio Grande do Sul?! São 10, 20, 30... anos de avisos em vão?! Ao construir uma expedição, guiada pela ciência, trazemos elementos de aventura, cultura e entretenimento para que a sociedade embarque amigavelmente nessa jornada.
Assim como na expedição marítima Voz dos Oceanos e outras aventuras da nossa família, aqui também temos ampla produção audiovisual. Para quem navega diariamente com a gente, via redes sociais, compartilhamos o dia a dia da tripulação. Paralelamente, estamos captando imagens e fazendo entrevistas para uma série de três episódios e um documentário. Além de registrar a pesquisa científica em si, os conteúdos trazem projetos socioambientais, cultura regional, turismo e gastronomia sustentável, fazendo desta grande aventura uma ponte amigável e atraente entre a sociedade e a ciência.
Enquanto a bióloga marinha e doutoranda em Oceanografia pelo Instituto Oceanográfico da USP, Marília Nagata, comanda a parte científica da expedição, as outras tripulantes mergulham na produção audiovisual. Por isso, temos o retorno da oceanógrafa e produtora de conteúdo Katharina Grisotti. A Kath foi tripulante do nosso veleiro, cobrindo e compartilhando nossas experiências entre Galápagos e Nova Zelândia. Também a bordo temos ainda a bióloga marinha e produtora de estrada, Jessyca Lopes, e a jornalista, documentarista especializada em Conservação de Natureza e Wildlife Filmmaking e diretora de fotografia da missão, Thamys Trindade. E na base em terra, a jornalista Bárbara Clara Costa completa o time, sendo a roteirista das produções.
Cinco mulheres, unidas pela ciência e um propósito: nosso Oceano, nosso meio ambiente, nosso planeta Água... nossas vidas! E elas já estão em ação entusiasmadíssimas. É emocionante ver essas jovens embarcando nessa jornada, motivadas em conhecer pessoas inspiradoras, protagonistas nacionais da conservação marinha; confiantes da importância da coleta de dados que podem contribuir para o avanço do conhecimento sobre a poluição dos microplásticos no Brasil, e esperançosas de estarem numa missão que seja uma onda de transformação na vida delas e de todos nós.
Em Itajaí, ponto de partida da expedição, a Thamys repetiu uma fala que representa muito da nossa missão: "Para a gente ser a Voz dos Oceanos, a gente vai ter que ser ouvidos também. Então, eu espero que a gente seja boas escutadoras de novas relações ambientais, novas descobertas, pra gente conseguir unir ainda mais o conhecimento científico e o saber popular". Elas já escutaram o chamado da Ciência e dos Oceanos. Que bons ventos as conduzam nessa missão!
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