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Projeto social produz instrumentos musicais a partir de material reciclado

Pouca gente sabe que eu sou carioca da gema e quase ninguém tem ideia de que também sou descendente de um ilustre baiano. Primeiro presidente da Academia de Letras da Bahia, médico, escritor, filólogo e educador, meu bisavô - de quem tenho muito orgulho - Ernesto Carneiro Ribeiro nasceu em Itaparica em 12 de setembro de 1839. Entre seus ilustres alunos estão personalidades como Ruy Barbosa, Euclides da Cunha e Castro Alves. Faleceu aos 81 anos, em 1920, me deixando como "herança" algumas das minhas vocações: educadora e escritora.

Acompanhando de perto a tripulação da expedição científica da Voz dos Oceanos, naveguei por doces lembranças das minhas origens e do meu passado mais distante. Também pude conferir a continuidade de um projeto maravilhoso de Salvador, que traz o ritmo potente da percussão para a educação, a conscientização e a preservação do meio ambiente. A garota que via os grandes nomes da bossa nova reunidos na sala do nosso apartamento em Nova York (quando minha mãe se mudou para a Big Apple comigo e minha irmã Eliane) tocando, ao vivo, aquelas músicas que se tornariam clássicos, "reencontrou" a defensora dos oceanos do presente, que mergulhou na musicalidade baiana.

Em novembro de 2021, durante a primeira etapa da expedição marítima da Voz dos Oceanos, passamos algumas semanas em Salvador. Estivemos no Pelourinho conhecendo mais intimamente o lindo trabalho social do Olodum e recebemos parte do grupo a bordo do veleiro sustentável Kat. Na Praia da Barra, nos juntamos ao Fundo da Folia, que nasceu em 2010, logo após o carnaval, com uma ação de limpeza no fundo do mar para que todos percebessem o lixo que não era "visível" durante a folia. É claro que fizemos um grande mutirão e realizamos uma limpeza de praia, contando com a participação de cegos e pessoas com baixa visão atendidas pelo Instituto de Cegos da Bahia - uma ação inclusiva até então inédita.

Para potencializar ainda mais as emoções vivenciadas em Salvador, eu e a tripulação Voz dos Oceanos fomos ainda até o Nordeste de Amaralina, bairro de Salvador onde fica a sede do Quabales, um projeto socioeducativo cultural maravilhoso! Essa iniciativa foi idealizada por Marivaldo dos Santos, multi-instrumentista, compositor, produtor, performer e integrante do STOMP, famoso mundialmente por seus shows criativos e inovadores de percussão. Mantendo sua conexão com seu bairro de origem, Marivaldo implanta em Salvador um projeto que usa a música como ferramenta transformadora. Lá, vimos como o nosso lixo pode ser ressignificado, tornando-se instrumentos musicais. É claro que não fomos embora sem nos aventurarmos pela arte da percussão.

Quase três anos depois dessa experiência, nossa Voz dos Oceanos retorna ao Quabales com a tripulação da expedição científica, acompanhada de nossos parceiros da Equipe Cafeína. Que alegria ver que o projeto segue firme e comprometido com o meio ambiente e os oceanos. Ariuma Perola, artista e sobrinha do fundador Marivaldo, apresentou o Quabales à nossa equipe, incluindo o histórico dessa ação sociocultural e ambiental. No meio da pandemia, Bira, professor de percussão, e os líderes do projeto decidiram retirar os plásticos das praias e transformar o lixo em música. Assim, entre as diversas aulas oferecidas pelo Quabales para a comunidade está a de percussão com instrumentos feitos de plástico retirado do lixo e das praias. Nossa equipe ficou fascinada com o projeto e em conferir como eles usam o timbre de cada objeto para o som diferente de percussão. Os copos, por exemplo, emitem um som mais agudo, enquanto as garrafas pet, mais grave.

Como sempre, essa segunda visita da Voz dos Oceanos ao Quabales reforçou a importância da conexão entre a arte, a educação, a cidadania e a vida no planeta! Emocionada, Ariuma disse para as nossas tripulantes: "Eu tenho orgulho do que esses meninos escolheram. Eles poderiam escolher qualquer outra coisa. De estar no meio da marginalidade, da violência. Mas eles escolheram outro caminho, que é o caminho da Arte e eu costumo dizer para todo mundo que a Arte sim, ela salva, é educação sim, ela salva!".

A arte é sim uma voz potente, inclusive, para salvar nossos oceanos! Axé, Quabales! Vocês são a Voz dos Oceanos!

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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