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Transição energética vai acabar com a indústria de combustíveis fósseis?

Debate sobre a indústria de combustíveis fósseis é chave para a transição energética Imagem: Calvin Chang/Reuters

Bárbara Therrie

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

25/10/2024 05h30

A indústria fóssil está no centro do debate sobre a transição energética. Por um lado, há a urgência de reduzir drasticamente a queima de combustíveis fósseis para mitigar a principal causa dos eventos climáticos extremos devastadores, como o que atingiu o Rio Grande do Sul este ano, e que devem se tornar cada vez mais intensos e frequentes. Por outro, a matriz energética global ainda é amplamente baseada no uso de petróleo, carvão mineral e gás natural, com muitas indústrias e regiões dependentes deles para suas economias e subsistência.

À medida que o mundo avança em direção a uma economia de baixo carbono, os combustíveis fósseis enfrentam pressões crescentes para se adaptar e evoluir. Durante a transição energética, eles servirão como uma ponte, permitindo que a atual infraestrutura continue a fornecer energia enquanto novas tecnologias renováveis são desenvolvidas e implementadas em larga escala.

Há setores da economia em que essa substituição é mais simples do que em outros. Atualmente é possível gerar eletricidade a partir de fontes renováveis, como a solar e eólica, de forma até mais barata do que com fontes fósseis, algo impensável há algumas décadas. O setor de transportes, por sua vez, enfrenta algumas barreiras de mercado e de infraestrutura para se livrar dos combustíveis fósseis, em especial a aviação, navegação e transporte rodoviário de cargas a longas distâncias.

Assim, haverá um período de coexistência entre fontes de energia tradicionais e renováveis. Mesmo com os esforços para a descarbonização, a humanidade ainda conviverá com algum nível do consumo de combustíveis fósseis ao longo deste século.
A seguir, entenda como a transição energética afeta a indústria de combustíveis fósseis.

Qual o impacto econômico da eletrificação dos transportes?

Imagine uma pessoa que decide trocar seu carro a gasolina por um elétrico. Isso implica em algumas consequências econômicas: o posto deixará de vender combustível para aquele veículo e o dono do carro trocará o gasto com combustível por um aumento na sua conta de luz. Se pensarmos na mudança em uma escala maior, como a substituição da frota de um país, surgem elementos mais complexos. Será que os sistemas que geram eletricidade têm capacidade para suprir a demanda adicional dos veículos elétricos apenas com fontes renováveis? Ou a mudança continuará demandando a queima de combustíveis fósseis para gerar a eletricidade necessária?

Segundo Fábio da Silva, pesquisador do Laboratório Cenergia do PPE/COPPE/UFRJ, a indústria do petróleo possui capacidade tecnológica para reorientar as refinarias para a produção de um mix diferente de derivados. "A refinaria pode ser reajustada para produzir mais insumos para petroquímica, querosene de aviação ou mesmo óleo diesel, que são derivados com os quais a eletricidade compete menos", afirma.

Na avaliação de Rebecca Santiago, pesquisadora do Laboratório de Tecnologia Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a eletrificação dos transportes está transformando o panorama econômico da indústria de combustíveis fósseis. A crescente adoção de veículos elétricos reduz a demanda por gasolina e diesel e isso pode influenciar os preços globais do petróleo.

"Além das consequências diretas na demanda e nos preços, a transição para veículos elétricos está incentivando investimentos em novas tecnologias e infraestrutura de carregamento, com menos foco em refinarias e mais em redes elétricas e tecnologias de mobilidade elétrica. As políticas governamentais desempenham um papel crucial ao moldar o ritmo e a extensão dessa transição através de incentivos fiscais e regulamentações que impulsionam a adoção de veículos elétricos", comenta a pesquisadora.

A transição energética pode contribuir para o desemprego?

Uma das principais consequências negativas da transição energética é a perda de empregos associados à indústria fóssil. Setores como exploração e produção de petróleo, refinarias, transporte de combustíveis e indústrias auxiliares enfrentam uma adaptação complexa conforme a demanda por esses produtos diminui com a ascensão de tecnologias mais limpas e renováveis.

Em geral, as cadeias produtivas associadas às energias renováveis até requerem mais trabalhadores do que as indústrias fósseis. O problema é que os locais onde se geram os empregos verdes nem sempre correspondem aos lugares onde havia indústria fóssil. Por exemplo, no Brasil, o carvão mineral se concentra no Sul, enquanto o potencial de energias renováveis está no Nordeste. Além da questão geográfica, muitas vezes os profissionais empregados no setor fóssil não possuem a qualificação necessária para se recolocarem no mercado de energia renovável, como frequentemente ocorre com trabalhadores de minas de carvão.

O impacto da transição energética sobre o mercado de trabalho nas cadeias fósseis demanda uma transição justa. O termo faz menção a um processo que não deixe ninguém para trás, requerendo um conjunto de ações compensatórias, emancipatórias, além de programas de capacitação, para trabalhadores e comunidades que hoje dependem socioeconomicamente da renda dos recursos fósseis.

Aumentar a eficiência energética afeta a indústria de combustíveis fósseis?

A eficiência energética visa combater o desperdício de energia útil. À medida que os sistemas de energia são eficientes, é possível gerar mais energia útil com menos queima de combustíveis fósseis. É o caso das energias renováveis, como a solar e eólica, que conseguem converter mais dos recursos naturais em eletricidade, tornando-se uma opção preferível em comparação ao uso do petróleo, carvão e gás natural.

O desenvolvimento de veículos mais eficientes, particularmente os elétricos e híbridos, reduz a necessidade de gasolina e diesel, enquanto a eletrificação de processos industriais e sistemas de aquecimento residencial permitem uma substituição do uso de combustíveis fósseis por eletricidade proveniente de fontes renováveis.

Como as novas tecnologias podem ajudar?

As tecnologias para captura e armazenamento de carbono (CCS, da sigla em inglês para Carbon Capture and Storage) são estratégias para evitar que o CO2 gerado na queima de combustíveis chegue à atmosfera e seja transportado e armazenado em formações geológicas subterrâneas seguras. Para ilustrar, seria como virar uma chaminé de cabeça para baixo, fazendo com que o gás carbônico vá para o subsolo em vez de subir para a atmosfera.

"Essas tecnologias permitem que a indústria de combustíveis fósseis mantenha suas operações de maneira mais sustentável e com menor impacto ambiental, apesar da crescente pressão para reduzir a dependência deles", afirma a pesquisadora Rebecca Santiago.

No entanto, vale ressaltar que há desafios como os custos elevados de implementação e operação, e a necessidade de assegurar o armazenamento seguro e permanente do CO2 capturado.

De acordo com o pesquisador Fábio Silva, um dos maiores interesses na tecnologia de CCS está relacionado ao uso de bioenergia. "Quando utilizada em processos com combustíveis de origem vegetal, a captura de carbono proporciona um balanço negativo de emissões de GEE [gases de efeito estufa], removendo carbono da atmosfera. Essa remoção tem sido apontada em estudos recentes como fundamental para os esforços de descarbonização das economias ao redor do mundo, principalmente para compensar as emissões de difícil abatimento nos setores de transportes e industrial".

Fonte: Fábio Teixeira Ferreira da Silva, doutor e pesquisador de pós-doutorado do Laboratório Cenergia do Programa de Planejamento Energético do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPE/COPPE/UFRJ); Rebecca Araújo Barros do Nascimento Santiago, pesquisadora do Laboratório de Tecnologia Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e doutora em ciência e engenharia de materiais com foco em pesquisas na área de energias

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