Por que os alimentos que você consome afetam o ar que você respira
Até chegar à nossa mesa, os alimentos precisam ser cultivados, processados e transportados. Cada uma dessas etapas gera gases do efeito estufa (GEE), que são os principais responsáveis pelas mudanças climáticas.
Dados recentes da ONU (Organização das Nações Unidas) mostram que a agropecuária responde por 23% de todas as emissões globais de GEE - além de usar aproximadamente 70% da água doce captada do planeta e quase 40% da terra.
Os principais gases liberados na atmosfera pela atividade são metano, óxido nitroso e dióxido de carbono, provenientes de:
- Processo digestivo do gado
- Fertilizantes agrícolas nitrogenados
- Transporte e refrigeração
- Produção de embalagens
- Desperdício de alimentos
- Desmatamento para expansão de terras agrícolas
"No Brasil, o desmatamento para a conversão do uso da terra é a principal contribuição do sistema agroalimentar para o aquecimento global", diz Luís Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica. "A queima das florestas joga grandes quantidades de gás carbônico na atmosfera."
De acordo com o MapBiomas, rede colaborativa formada por ONGs, universidades e startups de tecnologia que mapeia a cobertura e o uso da terra, a área ocupada pela agropecuária no território nacional cresceu 50% entre 1985 e 2022.
O aumento de 95,1 milhões de hectares corresponde a uma área maior do que o estado do Mato Grosso, o terceiro maior do país. Quase dois terços dessa expansão são utilizados para pastagem, e 10% para a agricultura.
Quais alimentos têm maior impacto nas mudanças climáticas?
"No nosso modelo de uso da terra no Brasil, a pecuária é, sem dúvida, a maior emissora", responde Giampaolo Queiroz Pellegrino, pesquisador da Embrapa Agricultura Digital.
No mundo, a atividade responde por 14,5% das emissões globais anuais. Para se ter uma ideia, dados recentes do IPCC indicam que o setor de transportes emite 15% dos GEE do mundo.
Na pecuária, o destaque negativo vai para a produção de carne e leite bovinos, que responde por mais de 60% dos gases de efeito estufa emitidos pelo setor, especialmente por conta do desmatamento e dos gases envolvidos no processo de digestão feito pelos animais. Em seguida, vam a produção de suínos, de frangos, de búfalos e de pequenos ruminantes.
Por que consumir vegetais é mais saudável para o planeta?
As emissões de gases do efeito de estufa provenientes de alimentos de origem vegetal são, em média, de 10 a 50 vezes menores do que as de produtos de origem animal, segundo estudo publicado na revista Science. O cultivo de frutas, vegetais e cereais também utiliza menos energia, terra e água.
Como as emissões dos alimentos podem ser reduzidas?
"Costumamos dizer que a agricultura é vilã e vítima das mudanças climáticas", diz Pellegrino, da Embrapa Agricultura Digital. "Isso porque ela tanto contribui para a emissão de gases de efeito estufa como sofre o impacto do aquecimento global."
Nesse caso, é possível virar o jogo. "Se realizada de forma consciente, [a produção de alimentos] pode se tornar aliada na redução das emissões globais também, sequestrando carbono da atmosfera e armazenando-o no solo", diz Guedes Pinto, da SOS Mata Atlântica.
O Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), política pública criada em 2011, é um exemplo de iniciativa nesse sentido. Ele estabeleceu ações para ampliar práticas agropecuárias sustentáveis, como recuperação de pastagens degradadas, integração entre lavoura, pecuária e floresta, fixação biológica de nitrogênio e tratamento de dejetos animais, entre outras.
Qual é o impacto do desperdício de alimentos?
Segundo a ONU, quase 1 bilhão de toneladas de comida - o equivalente a 17% de toda produção - vai para o lixo todos os anos. Ou seja, uma quantidade considerável de GEE foi emitida na produção, e recursos como água e energia foram desperdiçados.
Apenas nos Estados Unidos, o desperdício anual de alimentos representa 170 milhões de toneladas métricas de emissões de gases de efeito estufa, de acordo com a Agência de Proteção Ambiental americana (EPA). Isso equivale às emissões anuais de GEE de mais de 40 usinas alimentadas a carvão.
Cortar produção, transporte e apodrecimento desse excedente de comida pode reduzir as emissões globais em até 8%, diz a ONU.
Iniciativas individuais ajudam?
De acordo com os especialistas consultados por Ecoa, considerando os atuais efeitos das mudanças climáticas, o mundo precisa de ações amplas e urgentes. Mas cada um pode contribuir um pouco mudando seus hábitos.
"Podemos reduzir nossas emissões com um consumo mais sustentável, mais focado em produtos in natura, de preferência orgânicos, e menos em industrializados", acredita Pellegrino, da Embrapa Agricultura Digital.
Outras sugestões da ONU são:
- Aposte em uma alimentação balanceada e rica em vegetais: uma dieta vegetariana pode reduzir a pegada de carbono em até 500 quilogramas de CO2 por ano
- Não desperdice comida: planeje melhor as compras e o preparo e fique atento ao descarte - compostagem é uma alternativa mais verde
- Use sacolas retornáveis nas compras
Fonte: Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica; Giampaolo Queiroz Pellegrino, pesquisador da Embrapa Agricultura Digital; Harvard T.H. Chan School of Public Health; ONU, Resources for the Future; revista Science; e USDA.
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