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O que aconteceria se todo mundo se tornasse vegetariano?

Evitar o consumo de proteína animal pode fazer bem para a saúde pessoal e do planeta - iStock
Evitar o consumo de proteína animal pode fazer bem para a saúde pessoal e do planeta Imagem: iStock

Julia Moióli

Colaboração para Ecoa, em São Paulo

02/11/2024 05h30

Queda nas emissões de gases de efeito estufa (GEE), redução no desmatamento e melhorias na saúde da população mundial seriam, em tese, os principais benefícios da adoção em massa do vegetarianismo.

Não é difícil entender por que: para começar, a agropecuária é responsável por 12% das emissões globais de GEE resultantes de atividades humanas, além de causar desmatamento, perda de biodiversidade e contaminação do solo e da água.

Além disso, há praticamente um consenso científico de que, embora seja uma importante fonte de proteína animal, a carne, quando consumida em excesso, traz prejuízos à saúde, como doenças cardiovasculares, obesidade diabetes tipo 2 e câncer.

Na prática, no entanto, haveria sérias complicações econômicas e sociais, especialmente para os países em desenvolvimento, onde a pecuária é, muitas vezes, uma fonte fundamental de subsistência para muita gente.

Emissões de gases de efeito estufa

É inevitável: as emissões de gases de efeito estufa diminuiriam consideravelmente com a eliminação da pecuária, que representa a maior parte da contribuição da produção de alimentos (entre 25% a 30% das emissões globais). De acordo com um estudo da Universidade de Oxford (Inglaterra), se todas as pessoas se tornassem vegetarianas até 2050, a queda seria de até 60%. Se aderissem ao veganismo, ou seja, se além das proteínas eliminassem de sua rotina todos os produtos de origem animal, 70%.

Menos desmatamento

"O aumento do consumo de produtos de origem animal gera uma pressão por desmatamento, não apenas para pastagens, mas também para a produção de ração animal, que demanda uma área de cultivo considerável", diz Albert Luiz Suhett, professor do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

De acordo com o MapBiomas, rede colaborativa formada por ONGs, universidades e startups de tecnologia que mapeia a cobertura e o uso da terra, nas últimas duas décadas, a área de florestas desmatadas no Brasil equivaleu a quatro vezes o território de Portugal. E boa parte foi para o avanço da agropecuária - nos últimos cinco anos, 97% do desmatamento do Brasil, praticamente a totalidade, esteve ligado à atividade.

Solo melhor, mais biodiversidade

A conversão de áreas de pastagens em florestas ajudaria a recuperar a biodiversidade perdida, aumentando as espécies de plantas, insetos, aves, mamíferos e outros organismos. Também melhoraria a estrutura e a qualidade do solo pela adição de matéria orgânica, aumentando a biodiversidade microbiana. Vale lembrar ainda outras vantagens das florestas: elas permitem polinização, a regeneração de nutrientes, o controle de pragas e clima e a estabilização do solo, controlando a erosão.

Saúde pública

A adoção de uma dieta vegetariana poderia resultar em uma redução de 6% a 10% na mortalidade global, de acordo com um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Oxford (Inglaterra). Isso porque o consumo de carne está cientificamente ligado a uma série de doenças, enquanto uma dieta rica em vegetais é a associada a benefícios, como melhora da saúde cardiovascular, da saúde mental e da pele, redução do risco de doenças crônicas e controle do peso, entre outros.

"Embora não haja um consenso de padrão alimentar que seja absolutamente adequado para todas as pessoas, a necessidade de se aumentar o consumo de alimentos de origem vegetal parece ser uma recomendação em uníssono", afirma Hamilton Roschel, diretor executivo científico do Centro de Medicina do Estilo de Vida da USP. "Dietas tradicionais, como a do Mediterrâneo, por exemplo, ou o Guia Alimentar da População Brasileira, estão, inclusive, alinhadas com essa recomendação."

Mas o especialista alerta: seria necessário um trabalho eficaz de saúde pública para que a população realizasse substituições nutricionalmente adequadas (especialmente no caso da vitamina B12), algo não necessariamente viável em países em desenvolvimento.

"Para quem já não tem segurança alimentar, como podemos falar em diversidade?", questiona Roschel.

Impactos na economia

Mais de 1,3 bilhão de pessoas em todo o mundo dependem da pecuária para a subsistência, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Em países em desenvolvimento, a eliminação abrupta da atividade teria grandes chances de levar à perda significativa de empregos e à necessidade de requalificação, aumentando a pobreza e a insegurança alimentar.

Mudanças culturais

Diversos povos pelo mundo colocam o consumo de carne no centro de suas tradições, em rituais e celebrações. Uma mudança em massa para o vegetarianismo poderia causar a perda de práticas culturais e, consequentemente, tensões.

Fonte: Albert Luiz Suhett, professor do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ); Embrapa [embrapa.br]; Hamilton Roschel, diretor executivo científico do Centro de Medicina do Estilo de Vida da USP; Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO); artigo "Analysis and valuation of the health and climate change cobenefits of dietary change", publicado na revista científica PNAS; estudo "Estimated effects of reductions in processed meat consumption and unprocessed red meat consumption on occurrences of type 2 diabetes, cardiovascular disease, colorectal cancer, and mortality in the USA: a microsimulation study", publicado pela revista científica The Lancet; e o artigo "Health Risks Associated with Meat Consumption: A Review of Epidemiological Studies", publicado pela National Library of Medicine.