O que é transição energética e por que se fala tanto sobre isso?
Atualmente o mundo se encontra na condição de emergência climática. A transição energética é a única forma de frear a emissão as emissões de gases do efeito estufa, principalmente o gás carbônico, para mantermos a temperatura do planeta nos limites estabelecidos pelo Acordo de Paris (1,5 °C a 2 ºC acima dos níveis pré-industriais) e manter a Terra em condições viáveis para a existência humana.
A humanidade já passou por duas grandes transições energéticas durante o século 20. A primeira ocorreu no início do século com a substituição da lenha pelo carvão mineral, impulsionada pela Revolução Industrial. A segunda aconteceu na metade do século com a substituição do carvão mineral pelo petróleo, influenciada pelo período pós-Segunda Guerra Mundial.
Ambas mudanças foram associadas a um período de crescimento econômico, mas, por outro lado, impactaram os equilíbrios ecológicos, principalmente no ciclo do carbono com a queima de combustíveis fósseis - sendo o principal agente causador do aquecimento global, precursor da mudança climática.
Com isso, a transição energética do século 21 busca conter o desequilíbrio dos sistemas de energia sobre o ciclo do carbono, controlando o impacto das atividades humanas sobre o clima.
Qual é o objetivo da transição energética?
O objetivo da transição energética é a descarbonização, ou seja, substituir as fontes de energia provenientes de carbono, por fontes de energias renováveis, como solar (sol), eólica (vento) e hídrica (água).
A transição energética diz respeito a todo tipo de energia, não apenas a elétrica. Por exemplo, numa siderúrgica, a troca do carvão mineral pelo hidrogênio verde promove a descarbonização do seu processo industrial.
Quais são as fontes de energia renovável mais importantes?
A fonte de energia mais importante para viabilizar a transição energética depende do local onde o processo será realizado. Mas, de maneira geral, aponta-se a energia eólica (tanto em terra quanto no mar) e a energia solar como promissoras devido ao vasto potencial energético que elas possuem no mundo.
Outras fontes de energia renovável, como hidrelétrica, geotérmica (obtida de fontes termais no interior da terra) e maremotriz (obtida do movimento das marés) apresentam um potencial de expansão mais limitado em nível global, mas podem ser relevantes em determinados contextos nacionais.
A bioenergia tende a ser uma opção viável para substituir derivados de petróleo na área de transportes, particularmente em setores em que a eletrificação é desafiadora, como a aviação e a navegação de longa distância.
Além disso, a relação direta das plantas com o ciclo do carbono, dada pela fotossíntese, permite que sistemas de bioenergia possam ser adaptados para remover carbono da atmosfera, essencial para neutralizar o impacto dos sistemas de energia sobre o clima. No entanto, é fundamental que o plantio da biomassa usada como matéria-prima dos biocombustíveis não resulte em desmatamento, tampouco substituam a produção de alimentos.
Vale destacar que uma transição energética efetiva não requer apenas o uso de fontes de energia alternativa, mas planejamento para o desenvolvimento de sistemas alternativos de energia.
Quais os impactos da transição energética para a economia e a sociedade?
Na economia, a transição cria novas cadeias de produtos e serviços ligados às energias renováveis, o que pode impulsionar a geração de renda e empregos verdes, gerando um impacto positivo no mercado de trabalho.
Na sociedade, a eficiência energética é um dos pilares para o sucesso da transição e influencia os padrões de consumo, promovendo uma conscientização sobre a importância da sustentabilidade energética para o bem-estar coletivo.
Quais são os principais desafios?
Um dos principais desafios é estabelecer consensos sobre o diagnóstico e as medidas necessárias para conter a crise climática. Isso envolve combater a desinformação, o negacionismo climático e pressionar os tomadores de decisão para implementar ações com ambição compatível à urgência e à gravidade da crise.
Outro desafio está relacionado com a própria inserção das fontes renováveis de geração elétrica no sistema elétrico. Isso acontece porque, no caso das fontes convencionais, como a geração hidráulica, é possível controlar sua produção (pense que uma turbina de uma usina hidrelétrica pode ser ligada e desligada conforme a necessidade).
Já no caso das fontes renováveis não-despacháveis, elas produzem energia em função das condições ambientais. Por exemplo, a geração fotovoltaica só funciona quando há sol, e a eólica, quando há vento. Os horários de maior produção de energia dessas fontes nem sempre coincidem com a demanda de consumo. Sendo assim, é necessária a inclusão de sistemas de armazenamento para guardar o excedente de energia nos horários de alta geração para ser utilizado nos momentos de alto consumo e baixa geração.
Quais são os benefícios?
A transição energética oferece uma série de benefícios, sendo o principal conter o aquecimento global, que se configura como a maior ameaça existencial para a vida na Terra.
Conter o aquecimento pode diminuir a ocorrência de extremos climáticos, como as secas prolongadas e as chuvas de grande volume. Na agricultura, pode aumentar a produção de insumos agrícolas, diminuindo o preço dos alimentos e desinflacionando os mercados. Além disso, ajuda a reduzir a emissão de outros poluentes prejudiciais ao meio ambiente e à saúde da população.
Outros benefícios incluem valorizar recursos energéticos renováveis que estão disponíveis no próprio território dos países, reduzindo a dependência de cadeias globais fósseis, além de impulsionar a inovação tecnológica, criando oportunidades de emprego e estimulando o crescimento econômico sustentável.
O que o Brasil tem feito em relação a transição energética?
Historicamente, o Brasil tem sido protagonista no cenário global no que se refere ao uso de fontes renováveis hídrica, eólica, solar e bioenergia em sua matriz energética. Em termos de comparação, em 2020 a participação de fontes renováveis no Brasil somou 47% contra uma média de 17% no mundo - só no setor elétrico, Brasil contabilizou 88% contra uma média global de 27%. Com isso, a cada MWh de energia elétrica gerada no Brasil, o país apresentou uma pegada de carbono média de 62 kg de CO2, contra 358kg dos EUA e 692 kg da China.
Tal posição resulta de um investimento histórico no aproveitamento dos recursos energéticos renováveis do país, iniciado quando a questão climática ainda estava longe da agenda política, com a construção de um sistema interligado nacional para integrar e aproveitar as complementariedades das usinas hidrelétricas no país.
Com o tempo, o sistema elétrico foi aperfeiçoado em sua capacidade de transmissão de energia e novas fontes renováveis foram integradas, com destaque para a bioeletricidade gerada nas usinas de cana-de-açúcar e, mais recentemente, os parques eólicos.
Outro marco está no uso dos biocombustíveis no transporte veicular, particularmente do etanol e do biodiesel. O país possui condições de ter uma frota 100% sustentável, seja pelo transporte de cargas e massas por veículos movidos a hidrogênio ou por meio de carros a combustão movidos a combustíveis sintéticos, produzidos a partir do hidrogênio verde e da captura de carbono.
O país segue internacionalmente comprometido em reduzir as emissões de gases do efeito estufa no seu sistema energético, em sua NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) proposta no escopo do Acordo de Paris. Atualmente, a agenda de transição energética no Brasil está concentrada nas discussões do Plante (Plano Nacional de Transição Energética), iniciativa liderada pelo Ministério de Minas e Energia.
Quais são as metas e prazos para ocorrer a transição energética?
O Acordo de Paris, atualmente o principal instrumento de governança internacional sobre clima, propõe que os países busquem a neutralidade climática, ou seja, o equilíbrio entre emissões e remoções de carbono até em torno de 2050. O texto, no entanto, não prescreve o caminho para os países chegarem a esse equilíbrio, mas a ciência aponta a necessidade em realizar uma transição das energias que provocam o aquecimento do planeta.
No entanto, as metas e prazos para a transição energética variam de acordo com os objetivos de cada país, dos tomadores de decisão, dos líderes políticos mundiais, das condições específicas de cada matriz energética e da percepção sobre qual é a sua justa parte no esforço global de descarbonização da economia.
Quais são os efeitos colaterais?
A substituição de fontes de energia fósseis por renováveis pode impactar negativamente as indústrias e regiões dependentes socioeconomicamente dessas cadeias produtivas, gerando desemprego em setores tradicionais e a necessidade de adaptação a novos modelos de negócios.
Além disso, grandes projetos de energia renovável, como parques eólicos, podem afetar ecossistemas sensíveis e comunidades locais, como tem acontecido no Nordeste do Brasil.
Um outro exemplo é a produção de baterias de carros elétricos, que, em cerca de 5 a 8 anos, terão de ser descartadas, mas não existe um planejamento sobre como isso será feito, o que pode acarretar danos ambientais.
Fonte: Fábio Teixeira Ferreira da Silva, doutor e pesquisador de pós-doutorado no Laboratório Cenergia do PPE/COPPE/UFRJ (Programa de Planejamento Energético do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro); Ricardo Lúcio de Araujo Ribeiro, doutor em engenharia elétrica na área de conversão de energia, professor titular do Departamento de Engenharia Elétrica e lider do Grupo de Transição Energética da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
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