Em seu discurso de abertura da COP29, realizada nas duas últimas semanas em Baku, Azerbaijão, Ilham Aliyev, presidente do país sede, disse que o petróleo é um "presente de Deus". Mas os mais de dois séculos de uso de combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás natural, têm demonstrado ser, simbolicamente, um "presente de Satanás", dado o risco que o aquecimento global coloca para a existência humana e o planeta. O "presente de Deus" foi manter esses produtos do carbono armazenados profundamente no solo por centenas de milhões de anos e o surgimento da fotossíntese, bilhões de anos atrás, que retira o excesso de gás carbônico da atmosfera devido às emissões das erupções vulcânicas e outras formas geológicas. Essa foi uma das evoluções naturais para manter a temperatura em níveis adequados para os seres vivos. Contudo, a exploração desenfreada de combustíveis fósseis desequilibrou esse sistema, colocando o planeta em rota de aquecimento acelerado. Para atingir as metas do Acordo de Paris e conter o aquecimento global, são necessários fluxos financeiros mais robustos para os países colocarem em prática os compromissos de suas NDCs (sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada). A COP29 foi chamada de "COP financeira". O que esteve em jogo foi a necessidade de os países concordarem sobre uma Nova Meta Quantificada Global de Finanças (NCQG, New Collective Quantified Goal, na sigla em inglês). A NCQG é considerada crucial para que os países em desenvolvimento consigam investir em adaptação, mitigação e transição energética, ações essenciais para que ainda consigamos alcançar o desafiador limite de aquecimento em 1,5°C para um planeta saudável. A ciência já mostrou os impactos de ultrapassarmos 1,5°C, e o financiamento necessário para não ultrapassarmos esse limite de aquecimento global. A meta defendida era de US$ 1,3 trilhão ao ano para combater todos os aspectos da emergência climática, especialmente pelos países em desenvolvimento: acelerar a transição energética para energias renováveis, aumentar a resiliência de bilhões de habitantes frente ao acelerado aumento dos eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas, incêndios florestais, chuvas excessivas, aumento do nível do mar e ressacas, entre outros. Mas os países desenvolvidos comprometeram-se com apenas US$ 300 bilhões por ano, a partir de 2026 até 2035, valor totalmente insuficiente para o justo, eficaz e urgente combate à emergência climática ambiental que coloca o planeta à beira do ecocídio. Um aspecto pouco debatido em Baku foi o aumento acelerado da temperatura global nos últimos 16 meses. Em 2023 e 2024, a média global já ultrapassou o marco simbólico de 1,5°C acima do período pré-industrial (1850-1900) em alguns momentos. Grande parte desse aumento ocorreu nos oceanos, o que vem induzindo uma grande aceleração dos eventos climáticos extremos. Até 2022, a temperatura global havia aumentado 1,2ºC e aumentou 0,3ºC em um ano, aquecimento superacelerado que nunca havia sido observado desde o início da revolução industrial. O fato de o limite de aquecimento 1,5ºC não ter sido tratado com a devida importância em Baku é definitivamente preocupante. Não perceberam que já estamos atingindo 1,5ºC. Todas as discussões da COP29 estavam alinhadas aos compromissos do Acordo de Paris, firmado na COP21, em 2015, e reforçados na COP26, realizada em Glasgow, Escócia, em 2021. Esses compromissos incluem a redução de 43% das emissões globais de gases de efeito estufa até 2030 e a meta de zerar as emissões líquidas até 2050, tomando como base os níveis de 2019. Essas ações são fundamentais para evitar que o aquecimento global ultrapasse o limite crítico de 1,5°C. Mas, se a temperatura continuar 1,5ºC mais quente em 2025, é muito provável que a ciência conclua que já teremos atingido este nível de aquecimento global. Se isso ocorrer, zerar as emissões líquidas somente em 2050 poderá levar um aquecimento de 2,5ºC ou até mais, o que ativará muitos pontos de não retorno, como perda de mais de 50% da floresta Amazônia, colapso do manto de gelo da Groenlândia, morte dos recifes de corais e extinção de muitas espécies. Por isso, a COP30, marcada para ocorrer em Belém no próximo ano, promete ser a mais desafiadora e importante de todas as conferências climáticas já realizadas.. A reunião terá como prioridade garantir um crescimento exponencial dos fundos destinados à mitigação e adaptação frente à emergência climática. Entre os principais objetivos, estará a aprovação de metas mais ambiciosas para a redução das emissões de gases de efeito estufa, possivelmente antecipando a meta de emissões líquidas zero para 2040. Além disso, será essencial intensificar a remoção de gás carbônico da atmosfera por meio de soluções baseadas na natureza, como a restauração em larga escala de biomas, medida crucial tanto para mitigar os impactos climáticos quanto para preservar a biodiversidade global. Alcançar essas metas exigirá um compromisso financeiro significativamente maior, com fundos, principalmente de doações, bastante superiores ao US$ 1,3 trilhão defendido na COP29 em Baku. No encerramento da cúpula do G20 no Rio, o presidente Lula colocou o desafio de zerar as emissões líquidas até 2040 ou, no máximo, 2045. Sem dúvida, o Brasil tem todas as condições de tornar-se o primeiro país de grandes emissões a zerar suas emissões, considerando que mais de 70% de nossas emissões vêm dos usos da terra via desmatamentos e agropecuária. Políticas públicas que visam zerar o desmatamento de todos os biomas brasileiros até 2030 já poderiam reduzir emissões em 50%, mas ainda há o desafio de combater incêndios florestais, que atingiram recordes em 2023 e 2024. A COP30 não será apenas mais uma conferência climática; será um divisor de águas na luta contra o colapso ambiental global. |