O artigo publicado na revista Nature no início do ano, que tratou do ponto de não retorno na Amazônia, traz evidências de como a complexa rede de relações entre organismos é um elemento crítico na resiliência das florestas. Essa riqueza e complexidade de relações naturais de uma floresta primária dificilmente poderão ser completamente reproduzidas por uma iniciativa de restauração florestal, porém devem guiá-la. Assim, é crucial que iniciativas de restauração florestal tenham objetivos para além do carbono e vislumbrem a resiliência das florestas a longo prazo e a própria manutenção das áreas restauradas em diferentes contextos climáticos. Na prática, isso significa que iniciativas de restauração florestal precisam se pautar em biodiversidade, adotar modelos que se diferenciam das monoculturas e restaurar com espécies nativas, em vez de exóticas, permitindo que ecossistemas locais se restabeleçam com base na sua própria biodiversidade. A restauração florestal precisa ser integrada a um novo paradigma no qual as atividades econômicas estejam embasadas na floresta em pé, na biodiversidade regional e nos meios de vida tradicionais. A adoção de espécies exóticas na restauração é geralmente justificada pela necessidade de ganho econômico, pois espécies de rápido crescimento podem ser comercializadas para compensar os custos de implantação e manutenção. No entanto, além desse modelo não representar ganhos significativos em biodiversidade, também demonstra a grande lacuna de incentivo a pesquisas sobre potencial econômico das espécies nativas que podem ser adotadas na restauração florestal e que podem contribuir para estratégias de sociobioeconomia baseada na imensa biodiversidade dos biomas brasileiros. Os efeitos das mudanças climáticas podem representar desafios adicionais para as práticas de restauração florestal, devido à ocorrência de secas, ondas de calor e maior risco de inflamabilidade. O setor de restauração precisa avançar junto com outras áreas do conhecimento focadas na compreensão do funcionamento ecossistêmico das florestas em cenários de mudanças climáticas e perda de biodiversidade. As formas como as mudanças climáticas se manifestam nos obrigam a observar o sistema terrestre como uma grande teia de elementos e funções interconectados. Essa visão em rede precisa ser ampliada para os setores de políticas e financiamento de restauração florestal para que promovam paisagens restauradas mais resilientes, focadas na biodiversidade e na adoção de espécies nativas. Isso é fundamental para que o grande incentivo político e financeiro para a restauração florestal não se transforme em mecanismos de incentivo a um novo modelo de commodity baseada em carbono e, consequentemente, de grande impacto para as florestas primárias remanescentes e suas espécies já tão ameaçadas. Para que a restauração florestal realmente contribua para a mitigação das mudanças climáticas, aumente a resiliência e serviços ambientais dos ecossistemas florestais e proteja a biodiversidade, é fundamental considerar um aspecto crucial: a biodiversidade. A interação entre a rica diversidade de organismos da fauna e flora é essencial para a manutenção das florestas. Essas interações permitem que as florestas se recuperem de distúrbios como incêndios e secas, garantindo serviços ecossistêmicos vitais para a vida humana, especialmente em contextos de extremos climáticos. Esses serviços incluem a produção de chuvas, redução da temperatura e purificação do ar, infiltração da água no solo, além de benefícios intangíveis para o bem-estar humano. Restauração florestal na Amazônia enfrenta desafios complexos e urgentesUm dos maiores desafios à restauração florestal na Amazônia é a continuidade do desmatamento e da degradação florestal. Apesar da diminuição das taxas de desmatamento observadas no último ano, o desmatamento e a degradação contínuos tornam o processo de restauração florestal mais desafiador devido ao comprometimento da capacidade da vegetação se regenerar naturalmente. Consequentemente, quanto maior a necessidade de intervenção humana na prática de restauração, maior é o seu custo. O custo de implantação e manutenção do restauro florestal na Amazônia pode variar em função do modelo escolhido e das condições logísticas locais. Isso significa que, além da criação de linhas de crédito e financiamento, é crucial o incentivo à criação de viveiros e movimentos de redes de sementes. Sem isso, a falta de sementes pode ser potencialmente limitante para modelos de restauração pautados no plantio diversificado de espécies nativas. As mudanças climáticas representam outro desafio significativo para a restauração florestal na Amazônia. A região, embora crucial para a regulação climática e o ciclo hidrológico, não é imune aos impactos das mudanças climáticas. Secas e incêndios florestais intensificados podem prejudicar as iniciativas de restauração, comprometendo tanto os projetos em andamento quanto as áreas potencialmente disponíveis para novos esforços de restauração. * Colaborou Nathália Nascimento, geógrafa, doutora em Ciência do Sistema Terrestre pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), professora da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo), onde coordenada o Laboratório de Educação e Política Ambiental. |