Em algum lugar oscilante entre a mais nítida evidência e o mais obscuro dos mistérios é que se encontra a razão por que escrevemos. Está ali o sujeito de expressão neutra, nem eufórico nem agônico, contemplativo apenas, debruçado sobre a página onde alinha suas palavras com ímpeto ou delicadeza. Por que o faz, o que pretende, que força move seus dedos, que longínqua voz lhe dita o que dizer? Nada sabe a não ser a necessidade de seguir, nada sabe a não ser obedecer àquela ordem indiscernível de razão e desrazão, de sofrimento e prazer. George Orwell foi dos poucos que se atreveram a elencar hipóteses, a explicar esse impulso que toma tanta gente há séculos, milênios. Por que eu escrevo, por que alguém escreve, ele se dispôs a responder com precisão em umas poucas páginas que se perpetuaram no tempo. Aventou quatro razões primordiais, presentes em todo escritor, embora em proporções variáveis, mutáveis a cada momento. Puro egoísmo: a vaidade de parecer inteligente e perdurar na memória alheia. Entusiasmo estético: uma percepção da beleza do mundo e das palavras para dizê-lo. Impulso histórico: a pretensão de ver as coisas como são, de expor fatos verdadeiros. E propósito político: um desejo de mover o mundo em certa direção, de transformar uma época. |