Crise climática derruba safra de cacau e deixa chocolate mais caro
A tradicional constatação sobre os altos preços dos ovos de Páscoa neste ano ganhou ainda mais forças. A razão vem dos principais produtores do mundo, países na África Ocidental, onde uma tempestade perfeita entre clima e baixos investimentos na produção levou a um recorde na cotação internacional do cacau. E, para os brasileiros, o chocolate deve seguir ainda mais caro depois do feriado.
O cacau vem renovando suas máximas históricas nas últimas semanas devido à escassez de oferta, o que se deve a colheitas mais fracas nos dois países produtores mais importantes, Costa do Marfim e Gana. Em Nova York, a tonelada da commodity atingiu ontem (26) pela primeira vez a marca de US$ 10 mil. Em um ano, os preços triplicaram, enquanto a alta somente em 2023 é maior que 130%.
"O mercado do cacau deverá registrar um déficit de oferta recorde neste ano-safra, com os estoques caindo para o seu nível mais baixo em décadas. Não se espera qualquer alívio no curto prazo, o que significa que é perfeitamente possível um novo aumento dos preços", descreve o analista de commodities do Commerzbank Carsten Fritsch. Ele destaca que, no último ano, o cacau já havia sido a matéria-prima com maior alta dentre as monitoradas pelo banco.
"Ainda poderá haver revisões em baixa na oferta nos próximos meses se as colheitas intercalares na Costa do Marfim e em Gana, que começam em abril, também se revelarem fracas devido à seca e aos fortes ventos do Harmattan", aponta, mencionando o fenômeno climático proveniente do deserto do Saara notório por carregar nuvens de areia na África Ocidental.
Além disso, a região lida com uma falta de recursos para novas colheitas. "O aumento dos preços não chega aos produtores africanos, ficando em grande parte com intermediários, o que causa desinvestimento", pontua Leonardo Rossetti, analista de inteligência de mercado da StoneX. Uma reversão no cenário não é simples, ele lembra, já que não se trata de uma cultura anual, com os cacaueiros demorando entre quatro e cinco anos para gerarem frutos.
Este cenário está refletido nas últimas previsões da ICCO (Organização Internacional do Cacau), que prevê que a oferta global da commodity deverá cair mais de 10% no atual período 2023/24, e que projeta um déficit recorde de 374 mil toneladas neste ano. Neste caso, será o terceiro ano consecutivo do mercado registrando maior consumo do que oferta, algo que não ocorria desde 1969.
Cenário no Brasil é de déficit
Apesar de ser o sétimo maior produtor do mundo, o cenário para o Brasil também é de déficit, com grande necessidade de importação, principalmente dos exportadores africanos. No último ano, o país teve um consumo de 253 mil toneladas, enquanto produziu 220 mil toneladas de cacau bruto.
Sobre as exportações nacionais, Rossetti aponta que um destaque do país é o envio de manteiga de cacau para a América Latina e os Estados Unidos. Quanto aos chocolates em si, os envios nacionais não contam com grande repercussão.
Com o cenário da alta de preços, o analista acredita que há estímulos para avanço. "No Brasil o produtor é mais bem remunerado que nos países africanos, então deve investir mais, como na compra de fertilizantes. As perspectivas são positivas", avalia.
Rossetti aponta projetos para o país ser autossuficiente, e crê que o mundo olha "com bons olhos" para o Brasil, especialmente quando em comparação com a produção de algumas nações africanas, que se notabilizaram pelas más condições de trabalho.
A produção brasileira é dominada por pequenos produtores. Segundo o Censo Agropecuário do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), existem 93 mil produtores de cacau no Brasil, sendo a maioria de agricultura familiar, com tamanhos médios de propriedades que variam entre cinco e dez hectares.
Os principais cultivos hoje no país estão localizados no sul da Bahia e no Pará. Rossetti avalia que há espaço para maiores investimentos, e que há condições de expandir as áreas de plantação atuais. No caso paraense, ele lembra que o cacau costuma ser beneficiado como um produto de reflorestamento na Amazônia.
No ano passado, a produção voltou a ser afetada por pragas, um problema que assola o cacau brasileiro há décadas. Com os avanços do agronegócio do país, Rossetti reconhece que a cadeia do cacau sofre uma defasagem quando comparada a outros produtos com maior relevância para as exportações nacionais, como a soja. Por sua vez, ele avalia que a alta dos preços possa chamar mais atenção para a matéria-prima, o que poderia reverter este cenário.
O Brasil chegou a estar no topo da produção mundial nos anos 1980. No entanto, a diminuição de investimentos aliada a uma praga conhecida como vassoura-de-bruxa impactou duramente a cadeia do cacau no país. Causada por um fungo, o problema afetou por anos os cultivos no sul da Bahia, fazendo com que boa parte das colheitas da região fosse perdida, chegando a 80% de perda em alguns casos.
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Quero receberA praga prejudicou outros países da América do Sul. Um destaque foi o Equador, que hoje está à frente do Brasil no ranking mundial de produção, ocupando o quinto lugar. Peru e Colômbia são outras nações com produções de destaque. Para Rossetti, com o mercado seguindo aquecido, "estes outros produtores também se beneficiam, já que estão sendo muito bem remunerados". Desta forma, a expectativa é de que os cultivos também possam se expandir pela região.
Efeitos para o consumidor ficam no bolso
Uma estimativa da Abras (Associação Brasileira de Supermercados) apontou que os ovos de Páscoa podem sofrer uma variação de até 15% na média dos preços. No entanto, a expectativa é de alta no consumo entre 13% e 15% em comparação com o ano passado.
Rossetti lembra que o chocolate para este feriado não foi produzido com os preços atuais, e, sim, com os dos últimos trimestres do ano passado, quando havia uma alta nas cotações, mas não tão forte quanto agora. Ele destaca, no entanto, que a tendência é de que as altas nos preços da commodity sigam sendo repassadas ao consumidor, com os valores atuais provavelmente se refletindo entre maio e junho.
(Por Matheus Gouvea de Andrade)
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