Desastre, calote, desconfiança: as reações à COP29 de Baku

Um pouco antes das três horas da manhã de domingo (24), a batida do martelo anunciou o fim da COP29, no Azerbaijão. Uma plateia cansada aplaudiu o documento final anunciado por Mukhtar Babayev, ministro do país que teve uma presidência atribulada à frente das negociações.

As palmas não significavam exatamente uma comemoração do resultado. A sessão, que havia começado às 20h e teve seguidas interrupções, adotou um acordo em que países desenvolvidos se comprometem a disponibilizar US$ 300 bilhões por ano até 2035 para os mais pobres lidarem com as mudanças climáticas. O mínimo necessário, segundo estimativas, é de US$ 1,3 trilhão por ano.

Horas antes, a ministra Marina Silva, chefe da delegação brasileira, afirmou que, diante do impasse, uma quantia aceitável nesta etapa seria de US$ 300 bilhões, recomendando que o total precisa chegar na casa do trilhão o quanto antes.

O representante de Vanuatu, um país insular no Pacífico, demonstrou descrença e disse que os dólares prometidos em Baku não são suficientes. "Com base em nossa experiência com tais promessas no passado, sabemos que elas não serão cumpridas", afirmou o enviado Ralph Regenvanu.

Por causa das mudanças climáticas, Vanuatu está ficando debaixo d 'água por conta da elevação do nível do mar. A nação faz parte da Aliança dos Pequenos Países-Ilhas (Aosis, na sigla em inglês), cujo presidente havia abandonado a sala de negociações durante as horas finais da COP29 em oposição à linha que o documento estava tomando.

"Calote"

A edição de Baku teve todos os elementos das últimas COPs: atraso na negociação, prorrogação, reações fortes a propostas consideradas fracas - além de comida cara e diárias caríssimas em hotéis em condições ruins.

A sociedade civil acompanhou o desenrolar do debate até o fim e protestou. Claudio Angelo, diretor de Política Internacional do Observatório do Clima, considera o acordo um "desastre", que se absteve de definir questões importantes como o prazo para o fim dos combustíveis fósseis, os maiores vilões da crise climática.

"Os países ricos fugiram mais uma vez da responsabilidade, empurraram a conta. Isso pode piorar a situação dos países em desenvolvimento que, já endividados, vão ficar sem o financiamento climático justo. É um calote das nações ricas", disse Angelo à DW.

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O dinheiro é pouco e o tempo dado para que o valor aumente (2035) é longo demais, avalia Liane Schalatek, da Heinrich-Böll-Stiftung, em entrevista à DW. "O Acordo de Paris diz que os países desenvolvidos providenciariam para os mais pobres dinheiro suficiente, incluindo recursos públicos, para que eles tivessem condição de diminuir suas emissões. Não é o que está acontecendo", argumenta.

"Estas foram as negociações climáticas mais horrendas dos últimos anos devido à má fé dos países desenvolvidos", criticou Tasneem Essop, diretora executiva da Climate Action Network. A rede de ONGs classifica como "horrível" o desempenho da presidência, e diz que as nações ricas "traíram" as mais pobres.

A definição no documento do financiamento climático, chamado de Nova Meta Coletiva Quantificada (NCQG, na sigla em inglês), despertou críticas. Segundo o Observatório do Clima, o texto não determina a parcela de financiamento público, o que pode levar a uma diluição das fontes e responsabilidades. Outro receio é que parte desse financiamento seja feito através de mecanismos de empréstimo, o que é um empecilho para quem é mais pobre e está endividado.

Geopolítica anticlímax

O documento chega num contexto político difícil. A eleição de Donald Trump, negacionista à frente do maior emissor de gases estufa historicamente, abalou os ânimos. A expectativa é que ele retire novamente os Estados Unidos do Acordo de Paris assim que assumir o mandato, em janeiro.

"Mesmo lá atrás, quando ele levou três anos para retirar o país do acordo, as emissões aumentaram em três dos quatro anos do governo dele. Ele também está dizendo que vai autorizar todos os pedidos de exploração de petróleo e gás natural e reduzir os subsídios para a transição energética. Se isso acontecer, as emissões dele vão aumentar muito", comenta Carlos Nobre, climatologista basileiro, na COP29.

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Segundo Nobre, faz 17 meses que a temperatura média do planeta está 1,5°C acima da média, em comparação com a era pré-industrial. "Nunca os eventos climáticos extremos foram tão extremos. Puxa vida, nós da ciência climática estamos dizendo que isso aconteceria há décadas. As ações estão muito lentas", acrescenta.

No apagar das luzes do governo de Joe Biden, a delegação americana se esforçou para parecer colaborativa. Menos vocal que o de costume, o time relutou em debater os valores da NCQG justamente por não poder garantir que o dinheiro virá sob o governo Trump.

De Baku a Belém

Para o chefe da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas (Unfccc), os países deixam Baku com uma montanha de trabalho a fazer. "As muitas outras questões que precisamos progredir podem não ser manchetes, mas significam vida ou morte para bilhões de pessoas. Então, este não é o momento para comemorar vitória, precisamos definir nossas metas e redobrar nossos esforços na estrada para Belém", declarou Simon Stiell, referindo-se à próxima COP, que será no Brasil.

Ao longo dos dias da conferência, delegações diziam esperar ansiosamente pela próxima edição da COP, em Belém, sob presidência do Brasil. Depois de três anos de edições em países com governos autoritários, será a vez de um regime democrático abrigar novamente as negociações. Ao contrário de Baku, Dubai e Sharm el-Sheikh, a sociedade civil não deve ter restrição para protestar contra os vilões do clima de fora e dentro das fronteiras nacionais.

"A rota para Belém será difícil, mas temos confiança na liderança brasileira para entregar um resultado que contribua para a justiça climática global", avalia Raíssa Ferreira, do Greenpeace Brasil, após o fim da COP29.