Como o Reino Unido conseguiu se livrar da energia a carvão

A poucos dias do fechamento da última usina de carvão da Inglaterra, o engenheiro ferroviário Ray State recorda que o sonho de qualquer um na região de Nottingham era ter uma oportunidade de trabalhar no local. A central de Ratcliffe-on-Soar fornecia energia para os britânicos havia quase 60 anos.

"Era chamado de 'rei carvão'. A nossa revolução industrial foi baseada no carvão", contou ele à reportagem da RFI. "A nossa luz, as nossas indústrias, tudo funcionava a carvão."

A primeira termelétrica do mundo foi aberta em Londres por Thomas Edison em 1882. Agora, o país inova mais uma vez ao ser pioneiro no fim da energia mais poluente.

State, hoje aposentado, era um dos responsáveis pelo transporte do carvão até Ratcliffe, inaugurada em 1967. Ele atua como representante dos moradores para garantir que as instalações darão lugar a outro tipo de empreendimento próspero para a comunidade.

A companhia alemã Uniper, proprietária da central, afirma que ela será desmantelada antes do fim da década, para dar lugar a um "centro de energia e tecnologia livre de carbono" - cujos detalhes não foram esclarecidos.

"Não sabemos direito quem vai vir, que tipo de negócio será. E se não for uma empresa interessante, que traga valor para a região, como um centro de distribuição, por exemplo?", questiona State.

Virada para as renováveis

Apesar das preocupações locais, o fechamento é um passo fundamental para o cumprimento da promessa britânica de chegar em 2030 com 100% da energia neutra em emissões de CO2 e equivalentes, responsáveis pelo aumento anormal da temperatura na Terra. Até os anos 1980, o carvão representava 70% do aporte de eletricidade do país, mas caiu drasticamente a partir dos anos 2010, graças, em um primeiro momento, à substituição pelo gás natural do Mar do Norte e, depois, por centrais eólicas e solares.

Essa virada foi resultado da Lei de Energia do governo do então primeiro-ministro conservador David Cameron, que limitou a atratividade dos investimentos em fontes fósseis, em especial o carvão, ao mesmo tempo em que estimulou a produção de energias limpas.

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Hoje, o gás - das fontes fósseis, a menos poluente - representa cerca de um terço da matriz energética britânica. Outro terço vem do petróleo e o restante é dividido entre nuclear e renováveis (17%).

"Mostramos para o resto do mundo que nós realmente podemos fazer isso. Falavam de apagão, de cortes de luz. Hoje, estamos vendo que é possível trocar por renováveis, já que a solar e a eólica estão mais baratas e as baterias para estocar a energia começam a aparecer", disse Jess Ralston, analista do think tank Energy and Climate Intelligence Unit, à correspondente da RFI na Inglaterra, Emeline Vin.

Colocar um fim do carvão no Reino Unido marca uma virada no mundo. Jess Ralston, analista do think tank Energy and Climate Intelligence Unit

Sair do carvão é desafio para o mundo

O governo britânico assegura que o fechamento "marca o fim de uma era", mas também inicia "uma nova", com a criação de milhares de empregos nas energias solar e eólica e o desenvolvimento de outras, como o hidrogênio.

"Vamos ter que fazer muito: investir mais em renováveis, em eólicas offshore, garantir que a infraestrutura de transmissão de energia vai suportar esse novo volume na rede. É desafiador, mas muita gente acha que é possível se políticas adequadas forem adotadas", salienta a analista.

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Segundo a AIE (Agência Internacional de Energia), ainda restam 9.000 centrais a carvão no mundo, que emitem um terço do total de gases de efeito estufa despejados por ano na atmosfera. Na cúpula do G7 deste ano, as sete economias mais desenvolvidas do globo se comprometeram a eliminar estas usinas até 2035.

A Itália promete atingir o objetivo no ano que vem, a França, em 2027, e o Canadá, em 2030. Para a Alemanha, entretanto, a meta ainda parece "irrealista", conforme definiu o ministro das Finanças do país. Berlim, avessa à energia nuclear, visava o fim do carvão apenas em 2038.

"O uso do carvão é problemático na maior parte dos países do mundo, principalmente nos do G20. A Índia e a China ainda dependem muito dele. Os Estados Unidos o substituíram por gás natural, mas eles tinham 40% de matriz de carvão, que por sinal é a média mundial", observa Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente), de São Paulo.

"O carvão ainda é muito presente, é uma fonte barata de energia e vai ser uma dificuldade grande continuar tirá-lo de vários desses países", antecipa o doutor em planejamento energético e pesquisador da USP (Universidade de São Paulo).

E no Brasil?

O desafio é menor no Brasil, cuja matriz energética é majoritariamente renovável, graças à rede hidrelétrica. Mas conforme as necessidades e as condições meteorológicas, o país recorre a mais carvão e, junto com a Argentina, é o único da América Latina que ainda tem planos de construção de novas usinas. O projeto que regulamenta as eólicas offshore chegou a incluir subsídios às centrais a carvão até 2050.

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"O Brasil vem fazendo uma boa lição de casa na parte das renováveis, crescendo de uma forma bastante intensa em energia eólica e principalmente solar. Dos países do G20, é o que está mais alinhado com a meta de triplicar as renováveis até 2030", frisa Baitelo. "Por outro lado, a descontinuidade das fontes não está acontecendo. A gente poderia abrir mão do carvão, mas o que está acontecendo é o contrário: o carvão tem um lobby forte no Congresso e conseguiu manter os seus subsídios."

A recente promulgação da Política Nacional de Transição Energética pelo governo federal visa atrair R$ 2 bilhões em 10 anos para investimentos na diversificação energética do país. Entretanto, o cronograma e o plano de ação do projeto permanecem vagos quanto à substituição das fontes fósseis, salienta Baitelo.

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