A casa da árvore

A saga de Adão para manter um improvável pinheiro de Natal gigante dentro de sua casa, na região menos arborizada de São Paulo

Marcos Candido

De Ecoa, em São Paulo (SP)

Em 1983, Adão Borges levou uma árvore para casa. A planta era tão pequena que cabia em uma lata, carregada no banco traseiro da Variant. Ela havia sido a árvore de Natal no clube onde Adão era garçom. "Quer para você?", ofereceu um chefe. O funcionário aceitou levá-la na hora.

Na época, Adão construía a casa onde mora em Cidade Líder, zona leste de São Paulo, e plantou o presente natalino na porta do banheiro. "Ela cresceu tão bonita ali", diz. Ele prometeu mantê-la o máximo que pudesse.

Com o tempo, o destino da árvore era cada vez mais incerto. A família aumentava ano a ano e mais um andar precisou ser construído. Para onde mais aquele pinheirinho cresceria? Adão, então, teve uma ideia.

Ele decidiu construir "ao redor" da árvore. Os novos andares de sua casa ganharam um buraco para a passagem do tronco por lavanderias e um quintal. "Um engenheiro estudado não faria o que eu fiz", brinca.

O topo reteve a chuva para impedir que a água escorra pelos vãos. A árvore é uma espécie de araucária da Austrália, não possui pinhas e poucos ramos caem do alto. A informação é nova. Durante quase 40 anos de convivência, a família a conhece somente como Pinheiro (com P maiúsculo).

"Virou uma sensação", diz Sofia Borges, esposa de Adão. A árvore também fica em uma rua chamada Bavária. O nome é o mesmo da região sul da Alemanha, país onde acredita-se ter popularizado o hábito de decorar pinheiros durante o Natal. Hoje, Pinheiro chega a 19 metros e quatro andares.

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"Uma vez, quando chovia forte, meu pai me telefonou e perguntou se estava tudo bem. Eu disse que sim. Foi quando ele me corrigiu: 'eu quis dizer se está tudo bem com o Pinheiro'", lembra Carol Borges, 28, a filha mais nova.

A árvore acompanhou as transformações na vida e no bairro de Adão. Ele e Sofia tiveram seis filhos. Um casal de gêmeos nasceu justamente no Natal, quando o Pinheiro era colorido por até 5.000 luzes pisca-piscas. Há mais de 25 anos, Adão também abriu um bar e saiu do trabalho como gerente no restaurante, onde começou a carreira como garçom.

Dos 10 distritos com menos árvores na cidade de São Paulo, a zona leste da cidade ocupa as sete primeiras posições. A árvore, então, virou uma referência entre os sobrados, favelas, ocupações, o shopping Aricanduva e uma rede de alta tensão que, em um espetáculo de improvisação, parecem conviver em harmonia na região

O Pinheiro ficou tão alto que Adão tem medo de enfeitá-lo com 5.000 lâmpadas e atrair raios. Hoje, é iluminada só com holofote. Uma vez por ano, diz que passarinhos fazem ninho no alto.

Adão já não é tão moço: tem 75 anos de idade. Os lances de escada até o topo da árvore, porém, parecem ter fortalecido seus joelhos. Ele transformou uma fotografia do pinheiro em chaveiro para dar aos clientes do seu bar e os vizinhos começaram a visitá-lo só para ver a árvore, sua paixão. Às vezes, diz conversar com ela. "Por mim, eu compraria uma fazenda só para deixar cheia de árvores".

Ele também começou um novo projeto: erguer mais um andar na casa. Segundo ele, haverá uma passagem para a árvore. "Se deixar ela como está, ela vai embora pro céu", diz.

Publicado em 20 de dezembro de 2022

Reportagem Marcos Candido

Edição Fred Di Giacomo

Fotos Fernando Moraes

Ilustrações Carol Borges

Design Carol Malavolta