Trabalhando com o inimigo

Do Apartheid à guerra civil na Colômbia, Adam Kahane usa a colaboração para solucionar situações complexas

Juliana Domingos de Lima De Ecoa, em São Paulo Arquivo pessoal

Ao longo de três décadas, o canadense Adam Kahane tem trabalhado em várias partes do mundo ajudando grupos diversos a encontrarem soluções para questões que podem parecer insolúveis.

Como pavimentar o caminho da transição democrática em um país que viveu meio século em um regime de segregação racial, como foi o caso da África do Sul? Como criar um diálogo entre setores que estão em guerra, como aconteceu na Colômbia?

Essas foram algumas situações enfrentadas por Adam com colegas da Reos Partners, empresa B que ajudou a fundar e atua internacionalmente junto a governos, empresas e organizações da sociedade civil com o objetivo de fazê-los progredirem em seus maiores desafios. A palavra-chave é colaboração.

A Ecoa, ele falou sobre como colaborar com pessoas de quem discordamos e a importância desse exercício para lidar com os grandes desafios que temos pela frente.

Ecoa - Como pessoas com opiniões e experiências diferentes podem dialogar, cooperar e construir um futuro melhor juntas?

Adam Kahane - Com frequência cada vez maior, não podemos alcançar o que desejamos agindo sozinhos, ou apenas com nossos amigos, colegas, nosso próprio partido ou nossa própria organização. Muitas vezes precisamos trabalhar com outras pessoas — incluindo pessoas com quem não concordamos, de quem não gostamos ou em quem não confiamos.

Vou dar um exemplo de como podemos fazer isso. Trabalho na Colômbia desde 1996. Durante a guerra civil, fizemos workshops envolvendo todas as partes, incluindo o governo, a igreja, as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), o ELN (Exército de Libertação Nacional) e as forças de autodefesa — o grupo mais difícil do planeta, pessoas que literalmente estavam em guerra. Foi um processo interessante, chamado "Destino Colômbia". Usamos o planejamento de cenários transformadores e ele se tornou bastante conhecido na Colômbia.

O iniciador do projeto foi Juan Manuel Santos, que depois assumiu a presidência da Colômbia, fez o acordo de paz com as FARC e recebeu o Prêmio Nobel da Paz. No dia em que recebeu o prêmio, seu gabinete publicou um comunicado dizendo que o "Destino Colômbia" foi um dos eventos significativos no caminho para a paz. Alguns meses depois, em Bogotá, perguntei por que ele o havia mencionado. Ele disse que foi essa a experiência que lhe ensinou que, ao contrário de toda a sua formação política e familiar, é possível trabalhar com pessoas com quem não concordamos nem nunca concordaremos.

Às vezes, as pessoas que se envolvem no trabalho de diálogo pensam que, trabalhando juntas, vão descobrir que as diferenças eram um terrível mal-entendido e que, na verdade, todos concordam. Mas as pessoas vão concordar em algumas coisas e discordar em outras.

Para mim esta é uma conclusão crucial: é possível trabalhar com pessoas com as quais não concordamos, nos entendendo e tentando descobrir o que podemos fazer juntos, sem deixar que as outras coisas destruam tudo.

Adam Kahane, especialista em colaboração

Nas próximas décadas, provavelmente enfrentaremos desafios crescentes relacionados às mudanças climáticas, às desigualdades, aos direitos de minorias, à democracia. Como você acha que esses processos podem ser úteis?

Meu trabalho e a maior parte do trabalho do Reos é em torno dessas questões — desigualdade, educação, saúde, mudança climática, Amazônia, paz etc. Os mesmos princípios se aplicam em qualquer escala, seja uma família, uma organização ou uma comunidade.

Entrevistei Christiana Figueres, costa-riquenha que apoiou o processo que levou ao Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas. Essa é provavelmente a colaboração de maior sucesso na história do planeta.

[O acordo] não é perfeito e há muito a ser feito, mas é um exemplo muito interessante: ela conseguiu um acordo unânime entre 192 países, além de petrolíferas, ambientalistas, sindicatos e povos indígenas. Ela fez isso usando exatamente nossa mesma abordagem ou filosofia: temos que conhecer os fatos e a ciência, mas, em última análise, precisamos nos apoiar na construção de relações com outros atores, pela simples razão de que não temos escolha.

Ela disse querer excluir a palavra especialista dessas conversas e falou principalmente sobre abordar as pessoas com o peito aberto e encontrar uma maneira de avançar.

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

Nesse trabalho, você já enfrentou alguma situação particularmente desafiadora? O que aconteceu e o que fizeram para chegar a um resultado favorável?

Nós não sabemos o que vai funcionar quando começamos, não controlamos o que outras pessoas farão. Sempre há diferenças, discordâncias e conflitos. É isso que o torna empolgante e interessante. Mas a resposta é sim, todos os dias. O pior erro que você pode cometer — que eu cometo com frequência — é pensar que sabe qual é a solução certa.

Vou dar só um exemplo que considero interessante e relevante. Sou do Canadá e venho trabalhando ao redor do mundo há 30 anos. Há alguns anos, me envolvi em um projeto sobre saúde na província de Manitoba, no Canadá, e os participantes eram indígenas.

A situação dos povos indígenas no Canadá, como em todos os lugares, é uma história terrível de colonialismo, genocídio, desempoderamento e desrespeito em todos os aspectos. É um desafio muito sério, o mais difícil que temos no Canadá. Então fiquei muito feliz de ser convidado para trabalhar com esse grupo e orgulhoso de ter tido essa experiência global na África do Sul, Colômbia e Brasil, porque agora eu poderia voltar e compartilhar com meus compatriotas. E foi um desastre, desde o primeiro minuto, por várias razões.

Adentrar uma situação nova pensando saber o que precisa ser feito já é um desastre. Mas houve um desastre específico, que foi chegar se imaginando como alguém de fora. Eles não me viam assim, mas como um canadense branco que não estava à parte do problema, mas era parte dele.

Tivemos uma explosão no grupo na primeira hora e entendemos que não estávamos abordando a situação da maneira correta. Meus colegas do Reos e nossos colegas facilitadores indígenas observaram o que estava acontecendo e decidimos mudar rapidamente o que estávamos fazendo, o que funcionou muito bem.

Sempre haverá eventos ou conflitos inesperados, difíceis e surpreendentes e a essência do trabalho é como você lida com isso sem desistir ou ser solicitado a se retirar, encontrando uma maneira de avançar. Preste atenção na particularidade da situação. Esteja aberto, admita quando cometer erros e se adapte.

Adam Kahane, da Reos Partners, compartilha dicas para lidar com conflitos

Arquivo pessoal

Qual é o papel da diversidade neste processo? Grupos diversos são mais propensos a encontrar soluções para situações complexas?

Pode-se dizer que o que precisamos é a diversidade requerida pela situação. Se estou tentando descobrir como consertar meu laptop, preciso de um técnico em informática. Mas, se estou trabalhando na situação de saúde dos povos indígenas em Manitoba, a diversidade requerida nesse caso são idosos, trabalhadores de saúde, médicos, acadêmicos, líderes comunitários, líderes políticos de nações indígenas de Manitoba, autoridades locais e federais, porque esta é uma situação que só pode ser compreendida e enfrentada por essa diversidade de atores.

Então, por um lado, a diversidade é necessária para avançar em toda e qualquer questão complexa e, ao mesmo tempo, é desafiadora. Sempre que houver um grupo diverso, em que há divergências, haverá discordância e conflito. É inevitável. Não é uma circunstância especial, ocasional. Acontece 100% das vezes e em todos os grupos, nos casamentos, nas redações. A capacidade de trabalhar com a diversidade ou com o conflito é absolutamente central para este trabalho.

Como podemos levar essas idéias para o nosso dia a dia? Você poderia compartilhar dicas que possam ser aplicadas por pessoas comuns?

Eu tenho uma, que é uma boa dica. É a coisa mais simples e básica: a forma como falamos e ouvimos. Muito frequentemente, abordamos uma situação — seja com nosso cônjuge, com um colega ou alguém da comunidade — querendo dizer "a verdade" sobre como as coisas são. Mas esse modo de falar, em que começo todas as frases com "a verdade é", não é muito produtivo. O tipo de escuta associada a ele é não escutar. Estou apenas esperando sua boca parar de se mover para que eu possa voltar a dizer "a verdade sobre como as coisas são".

Esse modo é muito comum e resulta em polarização, divisão ou demonização. E há uma maneira muito simples de sair disso, que chamamos de suspensão. Eu pego minhas ideias e suspendo-as como se estivessem em um cordão. Em vez de dizer "a verdade é", digo "na minha opinião", e isso cria uma distância entre a ideia e eu. Eu posso olhar para ela e você também. Você pode questioná-la, atacá-la e não estará me atacando. Talvez no final da conversa eu ainda tenha a mesma ideia, mas talvez tenha mudado.

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