Algumas das imagens mais reproduzidas no Brasil durante a pandemia mostram geladeiras vazias e entregas de cestas básicas. Da saída do país do Mapa da Fome em 2013 aos dias atuais, em que mais da metade dos brasileiros conviveu com alguma insegurança alimentar no fim de 2020, a impressão é a de que se passaram décadas, tamanho o salto. Os dados alarmantes apontam para a urgência de se retomar políticas públicas que priorizem o sustento da população.
Para Tereza Campello, pesquisadora, professora e ex-ministra de Desenvolvimento Nacional e Combate à Fome, o fenômeno que vemos não é isolado, mas alavanca um cenário progressivo de desassistência e desmonte de políticas sociais.
Exemplo de como as decisões políticas são determinantes é a indústria de alimentos. "O país continua sendo um dos maiores produtores do mundo, mesmo na pandemia. Aliás, produzir muito entrou na contramão da própria segurança alimentar da população: a gente exportou nosso arroz aproveitando os preços internacionais (o que encareceu internamente o grão). A falta de alimento saudável para a população brasileira não é resultado da falta da produção, muito menos de condições naturais", pontua Campello, economista e doutora em Saúde Pública que hoje leciona na Escola Fiocruz de Governo e é professora visitante da Universidade de São Paulo, atuando no Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens). A palavra-chave, então, é acesso.
Para Campello, que integrou a equipe que criou o Bolsa Família e coordenou o Plano Brasil Sem Miséria, a solidariedade e a filantropia que vemos agora são um movimento importante e bem-vindo, mas que deveria ser complementar. "Ninguém vai conseguir dar conta de milhões de famintos com doações e trabalho voluntário. O central deve ser a política pública, que pode dar escala", diz. Sua atuação na universidade hoje é justamente produzindo conhecimento sobre essas bases.