Na infância, dona Maria Gonçalves, 60, comia abacaxi, mamão e frutas trazidas pelos pais seringueiros. Na mesa, havia peixes dos extensos rios da Amazônia, tinha tatu, macaco, galinha, beiju, macaxeira. Hoje, custa caro comer e nada do mercado se parece com o que vinha da natureza quando criança.
"A gente tinha muitas coisas boas, mas na cidade é tudo comprado, e não vai ter todo dia mamão na mesa", diz. "Meu pai sempre me dizia: você vive em um mundo de paz, não jogue nada fora nunca, pois o mundo da tristeza vai chegar'. Eu acredito que esse mundo chegou".
A fome nunca passou para milhões de brasileiros, mas nos últimos cinco anos a situação está cada vez pior. Mais brasileiros não têm o que comer ou precisam racionar comida, diminuir o número de refeições ou comprar alimentos mais baratos e menos saudáveis - situação agravada com a crise provocada pela pandemia.
É o caso de Maria. Ela trabalha como roçadora em Rio Branco, capital do Acre, faz bicos aqui e ali, e se orgulha da família de "14 irmãos, seis já mortos, oito vivos, quatro filhos crentes e nenhum preso". A vida, porém, parece não retribuir seus méritos familiares. Neste ano, ela quase não trabalhou e recebeu só três cestas básicas de uma ONG da região, que foram divididas com uma neta. "Quando entrou o real, eu lembro de pagar um moço de bicicleta na minha feira com 20 reais. Hoje, não compro nada [com esse valor]", diz.