Um homem do campo

Ator e fazendeiro, Marcos Palmeira fala sobre sua plantação de orgânicos e a importância da novela Pantanal

Camilla Freitas De Ecoa, em São Paulo Arquivo Pessoal
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Marcos Palmeira é um homem do campo. Mas é um homem da cidade também. Ele circula tranquilamente de Copacabana a Teresópolis, onde fica sua fazenda Vale das Palmeiras. Seguindo os passos de muitos de seus personagens, como João Pedro Inocêncio da novela Renascer, o ator pegou o gosto pela plantação. Hoje, dedica-se ao cultivo e venda de alimentos orgânicos.

Mas o amor pela mata e pela agricultura vem de antes. Aos 16 anos, Marcos Palmeira viveu por dois meses com o povo indígena xavante. Depois da experiência, trabalhou no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, e não parou mais.

Nos anos 1980, passou um tempo com o povo Arara, no Pará, junto ao fotógrafo Luiz Carlos Saldanha. "Foram os xavantes e os araras que me trouxeram para o teatro, porque foi com eles que eu descobri como a gente, mesmo não falando a mesma língua, pode se comunicar."

O ator, então, prepara-se mais uma vez para uma reestreia. Na novela Pantanal, 30 anos depois do primeiro episódio chegar à extinta TV Manchete. Bruno Luperi, neto do autor da trama Benedito Ruy Barbosa, convidou Marcos Palmeira não para reviver Tadeu, mas sim para o papel de protagonista e fazendeiro José Leôncio. Enquanto as gravações não começam devido à pandemia, ele aproveita para tocar seu pedaço de terra na vida real.

Foi entre planilhas e plantações que o ator conversou com Ecoa sobre as expectativas para a novela e a sua relação com o campo e com os alimentos orgânicos.

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Ecoa - Você estará mais uma vez na novela Pantanal. Qual é a importância dessa regravação no Brasil de hoje?

Marcos Palmeira - Ainda estamos no projeto, mas está difícil tocar no meio dessa pandemia, tá tudo um pouco no ar. A gente poder tratar 30 anos depois do mesmo bioma, só que enfrentando essa crise ambiental que a gente está vendo e trazendo isso pros dias de hoje, inserir esse José Leôncio em 2021. O que que ele estaria produzindo, o que que ele estaria consumindo, o que que ele estaria degradando ou não. A novela não é uma novela panfletária, é uma história de amor. E o amor é o Pantanal, este bioma tão incrível.

Pantanal se tornou uma novela histórica. Por que você acredita que isso aconteceu? Como era para você participar da trama na época?

Pantanal foi uma novela que tirou as novelas de dentro do estúdio, nós ficamos cinco meses direto no Pantanal e ao todo foram 12 meses lá gravando. Nesse sentido, acho que trouxe um frescor na televisão a pessoa poder ver aquelas horas de voo sobre o bioma. E é uma história belíssima. Foi uma experiência que tive com 27 anos e foi incrível poder vivenciar aquilo.

Na adolescência você viveu um período com o povo xavante. De que maneira essa experiência influenciou em quem você é hoje? Quais foram os maiores aprendizados dessa época?

Minha experiência com os indígenas talvez seja a minha grande universidade, minha grande formação. Eu ainda tenho muita coisa pra aprender na vida, para amadurecer, mas acho que de alguma maneira eles me trazem um pouco esse olhar para o outro, uma certa humildade diante das coisas. E minha relação com os xavantes é grande até hoje. Tenho um padrinho xavante, falo com eles, estamos até fazendo um trabalho juntos de agroecologia.

O olhar mais cego que existe é o olhar de quem olha para a preservação ambiental e não enxerga os indígenas como os guardiões da floresta.

Marcos Palmeira

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Muita gente não sabe que você tem uma fazenda para a produção de orgânicos. Poderia contar como isso aconteceu na sua vida?

Eu fui criado na fazenda do meu avô no sul da Bahia, na região de Itororó, e sempre mexi com fazenda, mas minha vida era como ator. Quando meu avô morreu, fui visitar minha família na Bahia e me vi mais preocupado em resgatar a fazenda como ela era na minha infância, porque percebi o desmatamento, percebi que estava faltando as nascentes de água que tinham por lá. Mas meus familiares estavam mais focados em manter a produção como estava, então eu comprei um sítio no Rio de Janeiro e comecei a produzir.

Quando eu comprei esse sítio, ele já produzia hortaliças e eu não quis mexer nisso. E eu, como não entendia nada de hortaliça, ia na loja e o vendedor falava "compra esse adubinho aqui pra fortalecer o solo, esse remedinho aqui pra pulverizar" e eu comprava e levava as hortaliças para minha avó comer falando "olha, vó, salada natural". E um dia eu vi que os caras que produziam na fazenda não comiam o que eles estavam plantando. E eu fui perguntar o porquê e eles me falaram "como a gente vai comer se estamos botando veneno todo dia". Aí acendeu essa luz em mim e comecei a procurar umas soluções e achei um curso de agricultura orgânica. E aí você começa a entender que não existe solo degradado, existe só o solo mal manejado, não existe praga, existe desequilíbrio. Tudo isso foi fazendo sentido pra mim. Hoje, inclusive, faço parte do conselho do Instituto Brasil Orgânico.

O consumo de orgânicos ainda é tido como algo elitizado por aqui. Por que isso acontece?

Eu acho que o orgânico jamais terá o preço do alimento convencional porque quando você consome o produto orgânico você valoriza o produtor, zela a qualidade das águas e a preservação das florestas e isso tem um preço. E tem outra coisa, faltam políticas públicas mais objetivas que ajudem o produtor de orgânicos. A isenção de imposto do agronegócio ainda é muito grande e o pequeno produtor não tem tanta facilidade. Você poderia fazer uma política voltada para as escolas públicas, por exemplo, onde todas as escolas comprariam orgânicos, fazendo, junto com isso, com que as próprias crianças vejam como a comida chega na mesa delas. Colocar a comida nesse lugar importante que ela tem, não só uma horinha para você comer, mas entender que a hora que você se alimenta é a hora você se nutre, é a hora que você coloca medicamentos no seu corpo e esses medicamentos são o brócolis, alface, arroz, feijão.

Como você vê a relação do Brasil com os agrotóxicos?

O que eu quero que as pessoas entendam é o seguinte: quando se começou a usar agrotóxicos na plantação o discurso era de que a gente só conseguiria alimentar todo mundo se a gente pudesse plantar em grande escala e que isso só seria possível com os agrotóxicos. Quando apareceram os transgênicos, o discurso foi o mesmo. Estamos em 2021, e o mundo continua passando fome. A gente está falando de transgenia e agrotóxicos para commodities, a soja, o milho, o algodão. Quem bota comida na nossa mesa é a agricultura familiar. Então, a solução é estimular o pequeno produtor.

Acabar com a fome não é só botar comida na mesa, é olhar para a qualidade da comida também para trazer saúde para essas pessoas.

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Uma das especialidades da fazenda Vale das Palmeiras é a produção de laticínios orgânicos. Como esse processo funciona?

Eu faço parte do projeto Balde Cheio da Embrapa que visa eficiência na produção do leite, trazendo mais qualidade de vida para a vaca. A vaca é o animal mais importante nesse processo. Então, a gente dá condições de assegurar uma boa qualidade de vida para ela, com sombra, bom alimento, com homeopatia. O meu produto mais nobre é o queijo minas fresco que é orgânico. É muito legal você ver o gado respondendo, sabe? As vacas felizes, de verdade, e um leite de extrema qualidade sem nenhum resíduo. Porque se você pulveriza a vaca com carrapaticida, aquele veneno vai para o leite, se dá antibiótico, vai para o leite, se dá hormônio, vai para o leite. O orgânico não tem disso.

Para onde os produtos são distribuídos?

Meu laticínio eu só posso vender no Rio porque eu tenho um selo de inspeção estadual, não tenho o federal. O que eu vendo para fora, hoje, é o café, que é uma parceria com um produtor que eu pus na fazenda, mas tem também uma parceria com o produtor de café do Espírito Santo, tem o mel, que é uma parceria com uma cooperativa de vários pequenos produtores. E eu tenho chocolate, que é o cacau que vem da minha família na Bahia. Vendo para duas redes de supermercado, para algumas feiras, e tem a entrega a domicílio, venda online.

Como podemos manter a esperança no Brasil atual? O que você tem feito para continuar esperançoso?

A primeira coisa é acreditar que o Brasil saiu de uma ditadura há muito pouco tempo e também levantamos vários esquemas de corrupção recentemente e ainda precisamos digerir tudo isso. Mas eu acho que é cada um começar a tentar trabalhar suas pequenas corrupções no dia a dia. São as pequenas ações que vão trazer grandes transformações. E eu acho que a agricultura orgânica traz esse olhar de que vamos mudar aos poucos, de que não existe praga, existe desequilíbrio e nós precisamos do equilíbrio.

Ciclo de Alimentação

A alimentação é um direito previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e também na Constituição Federal brasileira. Isso significa o Estado tem a obrigação de garantir que a população tenha acesso a alimentos saudáveis e nutritivos em todas as suas refeições.

Com o agravamento da pandemia, mais do que nunca, precisamos falar sobre alimentação e combate à fome, investigar maneiras sustentáveis de produção, olhar para quem garante produtos in natura a preços acessíveis e, claro, cobrar políticas públicas efetivas.

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