"Eu sou uma ponte"

Aline Matulja cria tecnologias para melhorar a vida de agricultores e mulheres sem acesso a saneamento básico

Camilla Freitas De Ecoa, em São Paulo (SP) Curso Online Yam de Sustentabilidade

Estamos vivendo um período de trevas. Mas isso vai passar. Enquanto não passa, vamos resistindo. A gente precisa se preparar para a reconstrução do que foi destruído. E isso traz esperanças.

Tem uma frase do Mahatma Gandhi que eu gosto muito e que diz assim: "Qualquer coisa que você faça será insignificante, mas é muito importante que você a faça. Pois ninguém o fará por você".

A indignação é sempre uma fagulha para começar um processo de consciência. É importante que cada um olhe para sua indignação para, a partir daí, poder fazer pequenas transformações" (Aline Matulja)

Uma médica para o meio ambiente

Dá para ser mãe, empreendedora, blogueira, professora, engenheira ambiental, articuladora de uma plataforma online de agricultura e construtora de banheiros? Para Aline Matulja Ixti, que durante uma hora de entrevista para Ecoa não deixou o sorriso e a aparente tranquilidade de lado, dá.

Nascida em 1984, em São Paulo, ela, que gosta de falar sobre "ecologia profunda e sustentabilidade sem neura", como define em sua biografia no Instagram, não tinha tido muito contato com o tema até ter que decidir por uma profissão.

"Com 17 anos, eu era uma típica menina paulistana de classe média que via o consumo guiando muito a própria vida", lembra. Mas esse estilo de vida tinha prazo de validade. Uma viagem de acampamento em parques nacionais a colocaria em contato com a educação ambiental.

O próximo passo foi atrelar o amor pelo meio ambiente que nela germinava à profissão. Depois de algumas pesquisas, Aline conheceu a engenharia ambiental. "Era como se eu fosse uma médica do meio ambiente".

Depois de trabalhar por anos em uma empresa privada de consultoria ambiental, Aline decidiu empreender e fazer sua jornada de trabalho ainda mais íntima. "Nessa consultoria, eu trabalhava com implementação de políticas públicas ambientais e esse é um mercado extremamente complicado. Existe muita corrupção nessa relação entre os empreendedores, o poder público e essas empresas de consultoria", explica.

No final de 2015, então, Aline deixou esse mercado e criou a própria empresa de consultoria, a Roda Ambiental. Com ela, passou a trabalhar com projetos e empresas menores. "As empresas pequenas têm muito mais vontade de transformar seus negócios e torná-los melhores para o mundo".

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Sonhando em ter um banheiro

"Foi incrível." É assim que Dorotéia Quinto Santos, do povoado quilombola dos Patos, no Maranhão, define a experiência com o "projeto dos banheiros" coordenado por Aline.

Em 2016, o projeto que constrói "banheiros na casa de mulheres que não têm" chegou ao Maranhão com o nome de Banheiros Mudam Vidas. E, para Dorotéia, mudaram mesmo: "É difícil, principalmente para nós mulheres, quando não temos acesso ao banheiro. Queremos um lugar de privacidade, sem medo de sermos constrangidas", conta. A ideia colocada em prática por Aline, pela arquiteta Elena Caldini e pela bióloga Marina Donnini, é construir banheiros para mulheres que não possuem acesso a eles.

O recorte feminino do projeto, que hoje chama-se Sana, não veio ao acaso. Segundo o relatório "Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos", lançado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), no Brasil, cerca de 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio. "Uma mulher não ter banheiro é uma das coisas mais violentas que existe", comenta Aline. A construção dos banheiros é feita em comunidades mapeadas pelo projeto com o auxílio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios feita pelo IBGE.

Durante a pandemia, contudo, as construções, que acontecem por meio de mutirões comunitários com Sana, teve que ser interrompida. Por outro lado, o projeto deu andamento a uma melhora na tecnologia usada nos banheiros que, segundo Aline, passam a ser mais fáceis de serem construídos e muito mais baratos. O projeto Sana conta com ajuda filantrópica de algumas instituições e com campanhas no catarse. Você pode ajudar clicando aqui!

Quando a gente fala de sustentabilidade, eu acho que tem uma tendência muito grande de elitizar essa discussão e a gente fica importando causas da Alemanha, dos Estados Unidos. A gente importa a causa do canudo e do copo de plástico, que também são causas minhas. Mas, no Brasil, o ativista de sustentabilidade que não começa pelas questões básicas está descolado da realidade

Aline Matulja, engenheira ambiental e professora

Reprodução/Instagram @alinematulja

Para comprar comida de verdade

O hábito de "fazer a feira", tão comum aos nossos pais e avós, parece, muitas vezes, não se encaixar na loucura do nosso dia a dia. Com a pandemia, isso se intensificou. Quem pôde ficar em casa, preferiu usar os aplicativos de delivery até para fazer a compra do mês.

Pelo menos foi isso que Aline identificou conversando com produtores e feirantes. Para que esse afastamento entre quem produz o alimento e quem o consome não ficasse ainda maior no período pandêmico, ela decidiu criar uma plataforma que unisse essas duas pontas. Assim nasceu de forma 100% gratuita o Faz a Feira.

A plataforma conta hoje com cerca de 80 lojas de produtores orgânicos e agroecológicos como a Mistura Artesanal, loja de granolas, pasta de castanhas e ghee da Juliana Barga.

"Desde 2016, quando criei a Mistura Artesanal, eu tinha uma enorme dificuldade em pensar nessa logística de e-commerce e eles trouxeram tudo pronto. Ter conhecido o projeto foi uma alegria enorme", contou Juliana para Ecoa.

No Faz a Feira, o consumidor pode colocar sua localização e encontrar os estabelecimentos mais próximos. Se você for do Rio de Janeiro, na plataforma, vai se deparar com as cestas agroecológicas do Coletivo Terra.

O coletivo fica em um assentamento de reforma agrária chamado Assentamento Terra Prometida localizado em Duque de Caxias (RJ) e Nova Iguaçu (RJ). Há 11 anos, eles comercializam produtos com a rede ecológica do Rio de Janeiro e com o Raízes do Brasil, além de vender direto na feira. Durante a pandemia, algumas pessoas continuaram comprando do coletivo só que as encomendas eram feitas pelo WhatsApp.

Bia Carvalho, integrante do coletivo, contou para Ecoa que isso dificultava a organização do grupo que nunca tinha trabalhado com delivery. "A gente sentiu que precisava de um site, algo que fizesse essa organização para a gente", conta. Foi através de um amigo que o Coletivo Terra conheceu o Faz a Feira. A plataforma, que ainda não contava com nenhum grupo como o deles, precisou se adaptar a essa modalidade. "Fomos muito bem atendidos. Era o que a gente precisava, caiu como uma luva para fortalecer o nosso trabalho", conta Bia.

Vida longa ao Faz a Feira e vida longa a quem produz alimentos agroecológicos porque é fundamental a gente pensar em uma sociedade onde a soberania alimentar e nutricional chegue a toda a população, não só a quem tem condições de pagar.

Bia Carvalho, integrante do Coletivo Terra

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Meio ambiente sem neura

Aline não deixa de divulgar cada novo passo dado em Sana e no Faz a Feira nas redes sociais. Sua formação acadêmica fez dela um dicionário de sustentabilidade. Sempre que um amigo ou amiga tinha alguma dúvida sobre o tema era a ela a quem recorriam. Foi para explicar conceitos complexos que a engenheira decidiu mudar seu jeito de se comunicar e entrar nas redes.

Hoje, ela faz uso de uma linguagem mais simples e até memes para falar sobre biodiversidade, compostagem, agrofloresta e mais. E isso tem levado para a sua conta no Instagam mais e mais seguidores. Danielly Brandão é uma delas.

"Sigo a Aline há alguns anos e não só gosto do conteúdo dela como acredito ser essencial", contou para Ecoa. "Ela sabe falar sobre um assunto sério e urgente de uma maneira leve e descontraída, mas que desperta o nosso senso de responsabilidade com o meio ambiente. Aline é utilidade pública!", enfatiza.

Apesar da influência que exerce em quem a acompanha nas redes e até fora dela, como no curso que ministra desde 2019 na YAM, plataforma de cursos online sobre sustentabilidade, Aline afirma que não curte muito esse rótulo de influenciadora. "Eu até acho esse nome estranho, eu não quero influenciar, eu quero aprender com aquelas pessoas também e a troca é muito boa", comenta.

Mas, para Danielly, não tem como, Aline é inspiração. "Ela me inspira a viver de forma gentil comigo e com o todo e desperta nosso olhar de que todos somos capazes de fazer pequenas e simples mudanças que impactam grandemente o coletivo e saúde do nosso planeta Terra".

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