Lágrimas do Palhaço

Após suicídio do irmão, Franco, do Hermes & Renato, faz alerta sobre depressão: 'Felipinho (Boça) me salvou'

Giacomo Vicenzo (texto), Keiny Andrade (fotos) de Ecoa, em São Paulo (SP) Keiny Andrade/UOL

Em uma manhã bonita de sol, o humorista Franco Fanti começa o dia gravando um vídeo. "Mais um dia lindo e está tudo uma merda, mas mesmo assim a gente vai", ele diz para a câmera, se preparando para ir à academia. Diferente do padrão das redes sociais, que o artista descreve como "um lugar onde todos só fazem gol de bicicleta no Maracanã lotado", Franco decidiu compartilhar sua rotina de "derrotas".

A iniciativa de abrir suas perdas e feridas veio depois da morte do irmão, Fausto Fanti, líder e um dos protagonistas do grupo Hermes & Renato, que revolucionou a forma de fazer humor no final da década de noventa e início dos anos 2000 com piadas ácidas e despojadas.

Depois de seis anos morando nos Estados Unidos, Franco retornou ao Brasil em 2014 e se reaproximou do irmão. Os dois viviam e trabalhavam juntos novamente quando, em julho daquele ano, Fausto foi encontrado morto em seu apartamento em São Paulo, após cometer suicídio.

Não me sinto culpado pela morte dele. É um fato: meu irmão se matou. E o que posso trazer para mim e para o mundo sobre uma coisa tão ruim? Bom, sinto que é falar sobre saúde mental e continuar levando alegria e o seu legado. E hoje muitas pessoas que vivem questões relacionadas com saúde mental vêm me procurar.

Lente da tristeza

Mesmo cruzando o país em turnê com a banda de heavy metal Massacration, que começou como uma brincadeira do Hermes & Renato e se tornou um grupo musical na vida real, Franco conta que não era possível sentir-se feliz ou realizado.

No Instagram, entre os vídeos com o humor característico do antigo programa, o humorista também fala abertamente sobre o seu próprio quadro depressivo e a morte do irmão, relatando experiências pessoais enquanto compartilha o que tem funcionado para ele lidar com a depressão e o transtorno afetivo bipolar, com o qual foi diagnosticado em 2019.

Com variações de humor que ora levavam ao céu e outras ao fundo do poço, Franco conta que "pensou em fazer besteira" pela primeira vez um ano após a morte de seu irmão - e depois em 2019, quando teve seu quadro de saúde identificado. "O pensamento suicida é um ensaio, você vai imaginando, ensaiando até acabar cometendo o ato de fato", diz o humorista.

Atualmente, é comum que o humorista receba mensagens de pessoas procurando pela sua atuação para falar sobre o tema. "Outro dia um deputado veio me procurar, dizendo que estava passando por um momento difícil, são pessoas que não acompanhavam Hermes & Renato", conta Franco.

Compartilhar para curar

Ler sobre o assunto, procurar ajuda médica especializada e escutar quem o procura nas redes socias foram as primeiras iniciativas do humorista para tentar cuidar da saúde mental.

E há pouco mais de um ano ele tem ganhado mais alcance com os conteúdos que produz compartilhando essas "dicas". Em um deles, de maio deste ano, Franco aparece caminhando no meio do mato e falando com os seguidores sobre a importância de estar na natureza e como isso tem funcionado para ele.

Mas o humorista é claro e direto ao avisar que não é médico, psicologo, psiquiatra ou qualquer tipo de especialista em saúde mental.

Fala apenas da perspectiva de uma pessoa que sofre com esses problemas, que já perdeu um familiar por causa disso e hoje quer ajudar o maior número de pessoas possível a encontrar caminhos para viver melhor.

"Sempre ressalto que foi algo que deu certo para mim, fazer exercícios, fazer piada às vezes com uma situação difícil e procurar ajuda especializada", diz.

'O Boça salvou minha vida'

Para o humorista Felipe Fagundes Torres, 43, responsável por dar vida ao icônico personagem "Boça", que satiriza o paulistano de classe média, o Hermes & Renato nasceu de uma amizade genuína entre as famílias dos integrantes, que começou ainda na infância, e de um sentimento de acolhimento sempre presente em todos que entravam na casa dos Fanti.

"Como imaginar um quadro de depressão de quem recebe um monte de gente em casa? O Fausto não era aquela pessoa que precisava de conselho, ele era um cara coerente, um líder, né? Além disso, era uma pessoa mais fechada, diferente do Franco", diz Torres em entrevista a Ecoa.

Foi esse laço de amizade entre os humoristas do Hermes & Renato que salvou a vida de Franco: "Eu liguei para o Felipinho [Boça], disse o que estava pensando e ele veio até onde eu estava morando na época imediatamente. Na hora, saímos para correr. Ele me ajudou duas vezes, em 2015 e em 2019. Na segunda ele ligou por um acaso, como um instinto", conta Franco.

Torres, no entanto, considera que fez o que "todo amigo poderia fazer", mas passar pelo trauma da perda de Fausto, que nunca foi diagnosticado de fato com um quadro depressivo, e conviver com a depressão em sua própria família o fizeram ficar ainda mais atento desde então, com todos à sua volta e com os integrantes do grupo humorístico.

Desmistificando a prevenção do suicídio

Para Ana Paula Diek, psicóloga clínica que atende Franco há 12 anos, esse comportamento de usar as redes sociais para comunicar sobre o problema, mas também as alternativas que funcionaram para ele aprender a lidar da melhor forma, ajuda a conectá-lo com pessoas que também vivem isso e que muitas vezes acreditam estar sozinhas, com medo de não serem compreendidas ou desacreditadas.

"Acaba com a ideia de 'ninguém mais tem isso, sou diferente'. Esse olhar para fora já diminui o impacto e a própria experiência do que está acontecendo com você", afirma a psicóloga.

Para Carlos Correia, voluntário há 31 anos do CVV (Centro de Valorização da Vida), instituição filantrópica que realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, ter uma pessoa como Franco ouvindo e falando sobre o tema mostra a fragilidade humana, que pode atingir a todos nós, até mesmo aquela pessoa que é famosa ou que tem dinheiro.

"Às vezes a pessoa vai se fechando tanto, que ela se desconecta com o mundo real, e a conversa pode ser um alívio de algo prestes a explodir. É preciso desmistificar a prevenção ao suicídio, temos que procurar ajuda, assim como quem sofre de dor de dente procura um dentista", diz Correia.

Explicando que existem muitas formas de ajudar quem está em sofrimento, o CVV lista algumas opções:

- Se você acredita que alguém está em sofrimento, tente conversar com a pessoa, de preferência em um lugar tranquilo, sem pressa, perguntando como ela está se sentindo e tendo em mente que o foco da conversa é o outro;

- Evite falar muito sobre si mesmo, oferecer soluções simples e desmerecer o que ela sente;

- Tenha uma escuta ativa, que consiste em realmente ouvir e compreender o que a outra pessoa diz;

- Ofereça suporte emocional e informar sobre a necessidade de buscar um profissional.

Procure ajuda

Caso você tenha pensamentos suicidas ou conheça alguém que precisa de auxílio, o CVV (www.cvv.org.br) e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade oferecem ajuda especializada. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

+ Especiais

KeibyAndrade/UOL

Fogaça

Astro do MasterChef e vocalista punk, chef virou ativista do canabidiol para salvar a filha

Ler mais
Fernando Moraes

Temer

Duas vezes vítima, Luciana Temer lidera luta contra abuso sexual infantil: 'única vergonha foi não denunciar'

Ler mais
Marcus Steinmeyer/UOL

Kisser

Existe boa morte? Após perder esposa, líder do Sepultura sentiu na alma que debate sobre o fim deve mudar

Ler mais
Topo