Por aqui, especialistas temem que milhares de pessoas retornem a condições de pobreza extrema com o fim do auxílio emergencial, especialmente com o desemprego em alta e fechamento de postos de trabalho no país.
Ystefani Lima, 29 anos, não sabe bem muito o que vai fazer. Desempregada pela pandemia, ela tem um filho de seis meses e é mãe solo. Mora em Farias Brito, município com cerca de 20 mil habitantes no Ceará. "Eu tentei três vezes ter o auxílio [emergencial] pelo aplicativo, mas sempre foi negado", explica. Segundo ela, só pôde obtê-lo após dar entrada na Justiça Federal e teve acesso ao valor de forma retroativa. Recebeu o valor de R$ 3 mil e irá receber R$ 300, que poderão ser dobrados, até o final do ano. "Mas não dá para nada", diz.
Quem pega o auxílio emergencial costuma buscar ajuda de outros beneficiários em grupos de Facebook e WhatsApp. A reportagem passou uma semana frequentando dois deles, um em cada plataforma. A comunicação costuma ser caótica. Há uma avalanche de burocracias, números, datas, regras para o recebimento, tentativas de golpes e centenas de dúvidas com o aplicativo da Caixa.
Alguns beneficiários reclamam de dinheiro que some da conta — e é estornado dias depois — e de pedidos que demoram para serem aprovados, enquanto outros são negados sem justificativa. "A digitalização das políticas públicas pode ampliar a cidadania por meio da digitalização", explica a socióloga Letícia Bartholo, especialista em programas de transferência de renda. "Mas temos uma população muito vulnerável para manusear produtos tecnológicos devido a motivos como baixa escolaridade. É uma boa ferramenta se complementa outras vias de acesso, mas ruim se for a única", diz.
Como tudo na internet, memes e piadas circulam à vontade nos grupos de auxílio emergencial. Em um deles, um homem brinca. "Aqui na cidade era ostentação quando era R$ 600. Agora que é R$ 300, acabou", seguido por risadas. Ele é Mário Alves, 32, morador do município de Cristino Castro, no interior do Piauí.
Antes do auxílio, Mario fazia a venda de sandálias e outros itens pelas ruas da cidade onde vivem cerca de 9 mil moradores. Nunca esteve "fichado", como se refere à carteira de trabalho, e conseguiu o benefício com facilidade. O valor do auxílio era o mesmo que ele fazia em um mês de trabalho. "Muitas pessoas estavam ostentando, mas quando digo ostentação era questão da necessidade: comprar comida, ajudar no aluguel, na gasolina", explica.
Mario não sabe o que vai fazer após o fim do auxílio. Não tem medo do porvir, mas também não tem planos. A filha está matriculada na escola municipal e esposa tem emprego fixo, o que alivia o sufoco. "Depois que acabar o auxílio, a gente vai ficar na mão de Deus, vivendo a lei do brasileiro", explica.
"Para a sociedade, o futuro deve garantir uma renda mínima o mais universal possível para superar entraves do capitalismo", pontua o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica Leandro Ferreira. A rede coletou assinaturas de cerca de 300 instituições pedindo a extensão do auxílio emergencial, abrindo as portas para uma renda permanente.
Uma das bandeiras é que, além da pandemia, o futuro reserva o desaparecimento de centenas de milhares de empregos para a automação. Os efeitos podem ser catastróficos. "Será preciso manter o ritmo de consumo e a mão de obra, que eventualmente vai desaparecer", diz.