Quase quatro décadas depois, Carlos Império Hamburger, 58, ainda se lembra de um certo domingo de páscoa em que almoçou com a família da mãe, formada por italianos católicos, passou a tarde com os tios, alemães judeus do lado do pai, e à noite foi ensaiar na bateria de uma escola de samba em São Paulo.
"Essa mistura toda é a riqueza do Brasil. A sua grande riqueza é a sua diversidade cultural e a gente tem que valorizar muito isso", diz o autor, produtor e diretor de cinema e TV, por telefone, à Ecoa.
A palavra diversidade não tinha o alcance que tem hoje quando, sob o impacto do sistema operacional Windows, criado pela Microsoft, Cao Hamburger idealizou um programa infantil para a TV construído a partir de janelas em um mundo que se abria. "Castelo Rá-Tim-Bum", que se tornaria um clássico da TV Cultura e formaria uma geração, foi o resultado de uma escolha consciente: a de fazer um retrato da diversidade do Brasil, com protagonismo feminino, personagens negros e representantes das culturas indígenas.
"Acho que a gente representou bem, foram personagens importantes", relembra o diretor paulistano, para quem "a nossa consciência foi ficando mais forte" de lá pra cá. Tanto que, se pudesse, hoje escolheria mais dois personagens negros para levar mais equilíbrio ao Castelo do Tio Vitor e da bruxa Morgana.
As marcas desse Brasil diverso estão presentes também em outros trabalhos do diretor, como a série "Filhos do Carnaval" e a produção recém-lançada pela GloboPlay "As Five", um spin-off de "Malhação, Viva a Diferença", também dirigida por Cao.
A nova série, que Hamburger finalizou remotamente por causa da pandemia, traz à dramaturgia os dilemas da geração centennial, que ele chamava de "geração ressaca" e que acaba de entrar na vida adulta com as expectativas frustradas diante de um mundo em crise e que agora se fecha. "Isso para a dramaturgia é muito interessante. É uma coisa que o mundo está vivendo", diz.
Filho de cientistas, Cao Hamburger tem acompanhado com apreensão o que chama de "obscurantismo" do contexto político. Ele lamenta também a ausência de programas de qualidade voltados para o público infantil na TV aberta. "É muito ruim. É uma pena."
Para ele, que diz não acompanhar a produção de youtubers que viraram hit entre as crianças, a TV aberta deveria ter a responsabilidade social em um contexto em que o acesso à internet e à TV a cabo é ainda limitado.
"A justificativa das televisões para terem tirado a programação infantil é o endurecimento das leis. Eu não sei se é verdade ou não é", diz.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista: