Da escassez à abundância

Com o futebol, Diane Pereira Sousa rodou o mundo e passou a transformar a realidade de jovens do Maranhão

Camilla Freitas De Ecoa, em São Paulo Paulo Soares/UOL

"Eu fui criada pela minha avó e ela passava muito tempo transformando a escassez em abundância. Sem brinquedos, sem roupa para poder estudar, enfim, numa realidade como a nossa, a gente precisa se reinventar o tempo inteiro. Aprendi muito com ela.

Fui criada e formada para pensar estratégias de mudança na vida das pessoas e sobretudo na minha. E é muito importante pensar nessas transformações a partir das comunidades e a partir das pessoas que estão envolvidas dentro delas. E é aí que entra o esporte.

Eu sempre gostei de futebol e sempre encontrei uma dificuldade para entender o esporte só por ele mesmo. Ao longo dos anos, comecei a integrar esporte e cidadania, esporte e educação, esporte e direitos humanos. São onze pessoas jogando em cada time e quinhentas mil pessoas assistindo. Aí você vê o poder mobilizador que o esporte tem.

E, indo um pouco mais para trás, antes de a gente aprender a jogar, a gente aprende a brincar, e brincar traz princípios básicos que vão nortear a vida para sempre, como solidariedade, coletividade e respeito. O esporte é uma ferramenta de transformação. Foi toda essa base que me permitiu fazer tudo o que fiz até hoje dentro do Instituto Formação"

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A Formação de Diane

Diane Sousa nasceu em São Bento, cidade com pouco mais de 45 mil habitantes localizada na Baixada Maranhense. Foi ali, no interior do Maranhão, que ela deu seus primeiros passos para mudar não só a própria história, como a de muitos ao seu redor.

Ela conseguiu ingressar no concorrido CEMP, centro de ensino médio profissionalizante criado pela ONG Formação. Diane fez técnico em informática e protagonizou uma pequena greve entre os estudantes do curso. Eles queriam, mais do que aprender a teoria, usar mais os computadores da escola. "A gente fechou o acesso da nossa sala, botou cadeira na porta, fez um auê danado. Só que a diretora acabou com tudo e nossa punição foi limpar o centro cultural da cidade. Lá, o instituto Formação estava organizando uma feira cultural", lembra.

Esse foi seu primeiro contato com a organização que transformaria sua vida. A Formação atua em nove municípios da região da Baixada Campos e Lagos Maranhenses por meio de ações centradas "no desenvolvimento sustentável do território por meio do protagonismo juvenil".

Mas foi só por meio do convite de um amigo que ela conheceu os projetos sociais da ONG e se tornou uma beneficiária. "Passei a participar das ações de formação cidadã da organização. Existiam várias áreas de formação, mas como eu sempre gostei de futebol, fui pra área de esporte", conta ela, que integrou o time de curadoras de Ecoa nos últimos meses.

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Do futebol ao empreendedorismo social

Com o futebol, a corintiana Diane foi convidada a viajar para o Chile para jogar um campeonato em 2008. "Nosso time era de seis pessoas, três meninos e três meninas", explica.

O esporte a levou, também, para outros dois continentes. Ela foi indicada pela ONG para fazer um intercâmbio na Alemanha e depois para um festival na área de responsabilidade social da FIFA na Copa do Mundo da África do Sul, em 2010.

"Na Alemanha eu já estava fazendo uma travessia de beneficiária para monitora do projeto, replicando o que tinha aprendido para outros jovens. Então, assim que voltei da África do Sul, a Formação me ligou para saber se eu queria começar a trabalhar com eles", lembra.

Quando passou a integrar profissionalmente a ONG, Diane tinha apenas 17 anos. Apesar da experiência internacional, ainda era uma criança do interior se mudando para uma cidade grande como São Luís, local da sede da organização. Foi nesse período, como ela gosta de pontuar, que começou sua atuação dentro do universo do empreendedorismo social.

"Quando cheguei na Formação para ser monitora todo mundo era formado, e eu nem estava na universidade ainda. Eu tinha muitos sonhos, muitas perspectivas legais, mas estava tentando me encaixar". Hoje, Diane é formada em direito e mestre em direitos humanos pela Universidade Pablo de Olavide, na Espanha. Foi, inclusive, durante o mestrado, em 2018, que ela foi reconhecida como empreendedora social pela organização Ashoka.

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Esporte e educação a longo prazo

Para tirar seus projetos do papel e colocá-los em prática, a ONG Formação trabalha com grupos de estudo para mapear quais são as necessidades da comunidade onde vão atuar e, então, elaborar políticas de inclusão de longo prazo. Esses grupos são chamados de incubadoras. A ideia é que os projetos sejam feitos em contato direto com as comunidades para que atendam, verdadeiramente, suas demandas.

Assim, quando passou a trabalhar pela ONG, Diane identificou a falta de um grupo como esse voltado ao esporte e decidiu criá-lo. Um dos resultados da criação da incubadora foi o desenvolvimento das quadras móveis. "Aqui no Maranhão as escolas não são um espaço completo e tudo o que a gente escutava era que não tinha espaço próprio para as crianças brincarem, jogarem e aprenderem. Com base nisso, fiz uma proposta de criar uma quadra móvel", explica.

Como o próprio nome já diz, as quadras móveis são quadras que podem ser levadas de um lugar para o outro. Um carro da própria ONG foi usado no início para que o projeto chegasse a diversas escolas. Chamada Quadra Bolação, a iniciativa foi inaugurada em 2013 com o apoio do Unicef, entidade parceira da Formação, e conseguiu percorrer de São Bento, no Maranhão, até o Maracanã, no Rio de Janeiro.

A ideia deu tão certo que a empresa de tecnologia Sony, patrocinadora da Copa do Mundo FIFA de 2014, ganhou o direito de produção das quadras com a autorização da Formação. "Tudo que surge das incubadoras é dentro dessa perspectiva estruturante que não é só a curto prazo, mas é também para causar um impacto a longo prazo", explica Diane.

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Investindo em pessoas e transformando realidades

Depois que criou a incubadora, Diane foi convidada pelo Unicef para conceber mais um projeto. "A partir daí, tudo começa a mudar", conta. Assim, nasceu a Escola de Mediação que, como explica a empreendedora social, trata-se de um programa que tem uma metodologia de formação de jovens para se tornarem líderes.

Após ver de perto o impacto que o instituto teve na vida de Diane, sua prima Helen Byanca Sousa Carvalho se inscreveu para participar do projeto em 2019 e se tornou uma de suas beneficiárias. "Eu vejo a Escola como uma etapa muito importante para o meu desenvolvimento", conta.

Durante o período em que fez parte do projeto, Helen participou de atividades que abordaram desde temas ligados aos direitos humanos até oficinas de comunicação educativa. "Eles experimentam como é organizar eventos, dão oficinas para as escolas, participam de reuniões, criam exposições. Realmente vivenciam como é uma vida no terceiro setor enquanto organização da sociedade civil", explica Diane.

Entre as atividades e formações oferecidas pela Escola de Mediação está a aplicação da metodologia educativa conhecida como Futebol 3. O regulamento, que já faz parte da ONG Formação, aborda o futebol, disputado entre meninos e meninas, em três etapas: a criação de regras, o jogo e a discussão sobre a partida.

"A gente levou essa metodologia para uma escola pública no bairro do Coroadinho, na periferia de São Luís, e ali a gente acabou tendo a possibilidade de passar aquele conhecimento que a gente adquiriu na Escola para outros adolescentes. Eles, provavelmente, vão passar para outros e isso é muito interessante", comenta Helen.

Na Escola a gente teve informações sobre diversos assuntos de cunho social. Acho que todos esses temas são muito importantes para a gente ter conhecimento e refletir, ter um olhar um pouco mais crítico nessa sociedade que a gente vive e ali a gente acaba tendo a oportunidade de discutir de forma, inclusive, harmoniosa

Helen Byanca Sousa Carvalho, beneficiária da ONG Formação

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Além de disseminar a metodologia do Futebol 3, a turma da Escola de Mediação de 2019 teve a oportunidade de espalhar, também, sua própria história. Intitulado Você Pode Escutar Minha Voz, o livro foi escrito pelos próprios participantes do projeto e lançado no fim de 2020.

"Não foi fácil escrever o livro porque eu não me sentia capaz e porque precisei acessar alguns sentimentos que eu tinha guardado em mim por um bom tempo", comenta Helen sobre a experiência. Uma oficina de escrita e o incentivo de Diane foram fundamentais para que as palavras viessem mais fácil. "Ela sempre falou que eu era capaz. De fato, eu sou. E ver isso em mim é incrível", comenta.

Antes de participar da Escola de Mediação, Helen não tinha qualquer relação com o ativismo. Após o projeto, contudo, se engajou com outros jovens em uma iniciativa voltada à educação e saúde com foco na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e, durante a pandemia, com a doação de cestas básicas e máscaras para a população em situação de vulnerabilidade.

"Todos os programas que criamos tem como eixo de trabalho o desenvolvimento local e territorial, porque a gente está o tempo inteiro dizendo que a gente está investindo em pessoas e transformando realidades", comenta Diane.

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