"Que tal deixarmos para uma próxima oportunidade?", foi mais uma das negativas que Enderson Araújo recebeu ao longo dos seus 28 anos de vida. Na ocasião, ele era um dos candidatos a uma vaga de vendedor de uma operadora de celular. Ao saber que o rapaz era morador da comunidade de Sussuarana, em Salvador (BA), o recrutador fechava mais uma porta para um jovem negro de periferia. "Eu assisti nos noticiários que o pessoal de lá anda 'tocando o terror'", justificou o sujeito, referindo-se a episódios de violência frequentemente noticiados na televisão.
"Nas periferias, muito antes de sermos violentos, somos violentados, como fui aquela vez", diz Enderson, em entrevista a Ecoa, durante rápida passagem por São Paulo, em setembro último. "E os programas sensacionalistas ajudam a disseminar essa versão distorcida e irresponsável das favelas em todo o Brasil."
A vida também negou a Enderson a convivência com o pai, que deixou a mulher e os três filhos quando o garoto mal completara seis anos. A nova realidade piorou ainda mais a situação financeira da família. A urgência por ter o que comer ao final do dia fez com que ele se virasse desde muito cedo. Já trabalhou como ajudante de pedreiro, pintor, marceneiro, mecânico... Também vendeu picolés e botijões de gás nos becos e vielas, lavou carros e motos, varreu as ruas da comunidade e foi cabeleireiro.
Até que, depois perder a vaga na empresa de telefonia, criou algo que não apenas o sustenta, mas é o que chama de "minha ideologia". Daquele "não", nascia o Mídia Periférica, veículo de comunicação alternativo que busca revelar um lado de Sussuarana e favelas vizinhas "que a imprensa tradicional se nega a mostrar".
Fundado em 2010, o projeto ganhou visibilidade nacional. Enderson já recebeu prêmios como o Laureate Brasil, para jovens empreendedores sociais, e hoje viaja por todo o país realizando atividades em outras comunidades. Também integra a Rede Nacional de Jovens Comunicadores (Renajoc), além de participar de debates e seminários sobre comunicação e desigualdade.