Com uma presença vigorosa, o olhar atento e um sorriso fácil dado a quem tem carinho, Gilmara Cunha está sempre na atividade, cumprimenta quem passa pelo seu escritório para saber como está. Dá atenção a quem precisa ter a voz ouvida. Cumpre demandas no computador e segue o dia, que nunca é maçante.
"Eu sou só uma, mas eu gosto. É 'aniquilar' a vida, mas me traz muita alegria sentir que faço alguma coisa. É gratificante ver que uma pessoa está bem, mesmo com todas as dificuldades. E não são só as pessoas LGBTQIA+s que me procuram, não. As pessoas me procuram pra tudo (risos), é questão de matrimônio, questão espiritual e por aí vai", diz ela que começou na militância no final dos anos 90.
No fim de 2015, recebeu a maior honraria concedida pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) — a Medalha Tiradentes. Apesar de ter ganhado distinção na casa, ela queria mais. Concorreu ao cargo de vereadora do Rio de Janeiro pelo Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições de 2020, mas não foi eleita.
Aos 36 anos, Gilmara é uma sobrevivente num país em que a expectativa média de vida da população trans é de apenas 35. Ela tece uma trajetória como líder comunitária desde os 15 anos, quando ingressou no movimento LGBTQIA+ em busca de políticas públicas mais inclusivas. "Quem vê close não vê corre. Eu tive que aniquilar a minha vida em diversos momentos, ouvir muito não e ser rechaçada. Mesmo não vendo os frutos, as minhas outras que estarão aí depois de mim, verão. Eu fico feliz em deixar esse legado, não só para a Maré, mas para outras favelas e mostrar que o Brasil é capaz de mudar através das mãos de uma mulher trans."
Gilmara é chamada por quem a conhece intimamente de Miranda, em referência à chefe brava do filme "O Diabo Veste Prata", inspirada em Anna Wintour, da revista "Vogue". O apelido surgiu por sua visão sobre o que significa cuidar. Zela pela família, pelos amigos, filhos espirituais e pelos companheiros e companheiras de luta.
"Mesmo que eu seja dura, é porque às vezes a gente precisa ser. Para mim isso faz parte do processo educativo. Não tem como dizer 'sim', 'sim', 'sim', o tempo todo. Eu gosto de ver as pessoas bem. Isso tem muito a ver com a minha infância que não foi muito fácil. Não fui querida, não fui cuidada. Quando cheguei à minha 'adultez' decidi fazer o que não fizeram por mim. Esse cuidado que tenho com o outro sempre existiu na minha vida e sempre vai existir. Sou mãe."