O plantador de árvores

Senhor Hélio plantou 25 mil árvores e deu início ao Parque Tiquatira, 1º linear da cidade de São Paulo

Vanessa Fajardo Colaboração para Ecoa, de São Paulo Keiny Andrade/UOL

Moro nessa região [na Penha, Zona Leste de SP] há 58 anos, por isso acho que esse lugar precisa de mim tanto quanto eu preciso dele. Aqui [no local do parque Tiquatira] era uma área pobre, degradada, com muito lixo, era um lugar usado para consumo de drogas, um motel a céu aberto. Eu andava por aqui e via que estava ficando cada vez pior. Um dia pensei: vou transformar tudo isso, mas não sabia como.

Comecei a pesquisar e descobri que no passado existiam árvores, pois o trecho era uma extensão da Mata Atlântica. Entendi, então, que se eu plantasse espécies da Mata Atlântica, o solo reconheceria e vice-versa, como algo antológico. É como ver um parente que você não via há muito tempo, mas quando o encontra vê nele traços e semelhanças. Decidi que ia começar a plantar árvores. Fui atrás dos grandes viveiros de árvores em Limeira [no interior de SP].

Comprei 200 arvores, na época, há 17 anos [foi em 23 de novembro de 2003], paguei R$ 800 reais. Árvore é como uma criança, você precisa vacinar, cortar o cabelo na hora certa, reparar se dorme direito. É um filho, tem de fazer todos os tratamentos. Arrumo o cercadinho das mudas, planto grama ao lado para proteger de insolação, as pequenas têm de aguar.

Então, plantei as 200 primeiras mudas com todo esse cuidado, mas 15 dias depois tinham destruído, jogaram tudo dentro do rio [Tiquatira]. Pensei: agora vou plantar 400, sendo 200 no mesmo lugar. Fiz isso. No primeiro fim de semana depois do plantio, elas ainda estavam lá, mas depois de um mês tinham destruído tudo de novo. Mas como não me canso decidi que iria plantar 5 mil árvores. Queria cansar as mãos das pessoas que estavam fazendo isso de tanto arrancar as mudas.

Passei a espalhar a notícia de que iria plantar mais mudas, mas queria saber quem estava destruindo. Descobri que era um comerciante que usava o local como estacionamento e não queria que as árvores tirassem a visão da loja dele. Sei que até os 'noias' do bairro foram falar com ele para garantir que nenhuma muda mais fosse retirada. Aí em janeiro de 2004 comecei a plantar as 5 mil mudas.

Primeiro parque linear de SP, Tiquatira é espécie de "showroom"

As 5 mil mudas iniciais foram plantadas por Hélio da Silva, 69, em cinco anos. Ao longo desse percurso, em alguns momentos ele contou com ajuda de voluntários. Seu trabalho foi fundamental para que no ano de 2008, o local se tornasse oficialmente o Parque Linear Tiquatira Engenheiro Werner Eugênio Zulauf, o primeiro linear da cidade de São Paulo, segundo a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente.

Os parques lineares são chamados assim porque têm uma extensão mais comprida, do que larga, dentro de áreas urbanas. O parque está localizado às margens do Rio Tiquatira, ao longo da Avenida Governador Carvalho Pinto, na Penha, Zona Leste de SP. Possui quadras esportivas, banheiros e academia de ginástica ao ar livre e pista de skate.

Ao longo de 320 mil metros quadrados distribuídos em 3,5 quilômetros de extensão, há uma vegetação composta por cerca de 25 mil árvores, em sua maioria, plantadas por Hélio durante 17 anos. Ele conta que plantou 6.300 mudas no entorno do parque e no piscinão da Penha.

"São Paulo possui 23 parques lineares, mas esse é o primeiro, o maior e mais bonito. Virou uma espécie de showroom. Também em termos de biodiversidade é o maior de todos, possui 164 espécies de árvores, sendo 99% de Mata Atlântica", orgulha-se Hélio, ao caminhar pelo parque. Ele mostra os Jequitibás e conta que podem viver até 2 mil anos, fala sobre as espécies de nome diferentes como o Pau Mulato, as mudas recém-plantadas e a árvore que, segundo ele, faz um um barulho de água circular pelo tronco, se encostar a orelha nela. "Dá para ouvir melhor à noite, quando a rua está silenciosa." E tem árvore preferida, senhor Hélio? "Não tem, é como filho, não tem um mais especial que o outro."

Na caminhada pelo parque em que exibe as árvores, como um pai orgulhoso, se atenta ao acúmulo de folhas secas ao chão. Lembra que fica de olho para que elas não sejam 100% removidas, já que funcionam como uma espécie de protetor solar para as plantas.

"Uma arvore é boa em tudo, ela é generosa, retêm 40% da chuva e depois goteja aos poucos. Ela dá ar puro, dá flores, atrai pássaros, é a maior máquina de ar condicionado do universo. E fazem tudo isso de graça. Vocês podem não acreditar, mas elas se ajudam umas as outras, jogam um antibiótico uma para outra quando precisam."

Keiny Andrade/UOL Keiny Andrade/UOL

Só no ano passado, ele investiu R$ 29 mil reais

Formado em administração de empresas e pós-graduado em propaganda e marketing, Hélio trabalhou 25 anos em uma grande empresa exportadora de açúcar. Atuou em oito áreas diferentes, foi de promotor de vendas a assessor de diretoria, até que em 1999, depois de "conquistar a casa própria e formar os três filhos" [nos cursos de economia, farmácia, e engenharia, todos na USP], resolveu deixar o trabalho.

"Sempre quis investir em educação, porque a educação ninguém te toma, o restante as pessoas podem até te roubar. Eu quis que meus filhos fossem gente, antes de serem executivos de empresa. O mundo precisa de gente", diz.

Aposentado aos 50 anos, Hélio ficou pouco tempo sem trabalhar. Logo em seguida ao pedido de demissão da empresa anterior, recebeu o convite de criar a Native, uma empresa líder mundial na produção e comercialização de açúcar e álcool orgânicos, no Brasil. É lá que Hélio trabalha até hoje. Viaja, participa de reuniões, mas não deixa conciliar a agenda para estar no Tiquatira quase diariamente.

"Tem açúcar, café, cereais, somos o maior do mundo, exportamos para o mundo inteiro. Mas sempre digo que na Native eu estou, aqui [no Parque Tiquatira] eu sou. Tenho o cartão de visitas do executivo para ganhar dinheiro e tenho o outro para gastar. Aqui eu gasto. Ser plantador de arvore é a paixão, a missão."

E não gasta pouco: só no ano passado foram R$ 29 mil reais com mudas, calcário, adubo e outros insumos necessários para o plantio. As mudas, que custam em torno de R$ 4 a R$ 8 reais a unidade, ele traz dos viveiros localizados no interior de São Paulo e ainda arca com custo do transporte. Ao longo desses 17 anos, nunca calculou quanto investiu e "nem quer saber." "Está vendo aquele rapaz carregando terra na carriola? Eu que estou pagando."

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Meta é chegar a 50 mil árvores

Para Hélio, o dinheiro é um investimento, não necessariamente um gasto, e o pagamento vem dos benefícios que as árvores trazem para ele e para todos os frequentadores do Tiquatira.

"Aqui estão meus médicos, meu psicólogo. Mas para funcionar você precisa estar com a antena virada para as árvores. Não adianta estar aqui e estar pensando em outra coisa. Minha mulher fala que eu venho aqui fazer a ronda, mas eu venho cumprimentá-las, dar bom dia, boa tarde", afirma Hélio.

O plantador conta que se emociona ao ouvir histórias de moradores que dizem ter se livrado de doenças como depressão, depois que deixaram de ficar enclausurados em casa e passaram a fazer caminhadas diárias pelo parque. "Esse é o meu pagamento, ver as pessoas andando aqui. No fim de semana, chegam a passar 2 mil pessoas."

"O parque é um agradecimento à cidade de São Paulo e a tudo que ela me deu. Não sou daqui, sou de Promissão, no interior de São Paulo, vim com 8 anos, e tive todas as oportunidades. Quero deixar um legado. Já me falaram que querem mudar o nome do parque para Hélio da Silva. Nada disso, aqui as árvores são as estrelas, e além disso, Tiquatira é um nome lindo."

Não só a história pessoal de Hélio se confunde com o do Tiquatira. Alguns acontecimentos marcantes de sua vida, foram celebrados fincando raízes no parque, como o nascimento dos netos. Há 13 anos, quando nasceu o mais velho, João Pedro, Hélio plantou um pé de jatobá. Já quando nasceu a neta Catarina, foram 71 palmeiras imperais - todas as que estavam em "estoque."

Agora, Hélio quer chegar a 50 mil mudas, se tiver mais ajuda de voluntários, além de Carlos Cassim e Valdemar Kendi com quem conta desde 2015. "Espaço nós temos. É um só fazer buracos de 60 por 40 centímetros, contar dez passos e ir fazendo os outros."
Hélio planta, em média, 3 mil mudas por ano. Neste ano, por conta da pandemia e as temporadas de altas temperaturas, o número baixou e estava em 1.800 até o mês de março. Mais 700 árvores serão plantadas ainda neste ano no parque e arredores.

Outro plano é retomar as palestras nas escolas, e passar a levar as crianças até o local. Quem sabe até para que elas ajudem nos plantios. Hélio também sonha em criar uma biblioteca horizontal em uma espécie de contêiner, dividida em boxes por temática dentro do parque. E é claro seguir plantando. Até quando? "Vou plantar até o último olhar. Quero morrer embaixo de uma árvore."

Keiny Andrade/UOL

"O mundo precisaria de vários senhores Hélios"

O jornalista Edwaldo Aud de Lima, 60, é assíduo frequentador do Parque Linear Tiquatira. Ele conta que morou por mais de uma década ao lado do local e acompanhou toda sua transformação.

"Isso aqui já foi uma favela, um lixão. Às vezes quando cava ainda dá para ver o resto de construção. Cada vez que ele cava é uma história. Vejo o trabalho do senhor Hélio há mais de dez anos. A gente pensa: como ele tem coragem? Mas trabalho voluntário não explica. Todo fim de semana a gente cruza com ele aqui. Falo que ele é o pai da criança. O mundo precisaria de vários senhores Hélios", diz.

Lima conta que para os moradores da região, ter um parque é um presente porque é um ambiente muito agradável e cheio de sombra para fazer uma caminhada. "Venho todo dia, até porque tenho 60 anos e o coração precisa trabalhar direitinho."

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Foi pedir ajuda para plantar muda, virou voluntária

Andreia Guarlotti, 49, mora na região do Parque Tiquatira há 20 anos e conhecia o trabalho de Hélio pelas redes sociais. Em 2015, ela ganhou uma muda de jabuticaba e fez contato com ele porque gostaria de plantar a árvore no parque.

"Ele foi supersolícito e marcamos um dia. Sempre gostei da natureza e acho que o seo Hélio é inspiração. Quando você conversa com ele, ele explica tudo, a logística do plantio, de como plantar para as mudas não ficarem agrupadas e não darem problemas nas raízes", lembra.

Andreia gostou tanto da experiência que se tornou voluntária e se dispôs a ajudar a plantar novas mudas, além de cuidar das já existentes. "No sábado passado [anterior à entrevista no fim de setembro] plantamos três mudas de 'cheflera', conforme a temperatura precisamos molhá-las, principalmente as mais novas, para que possam evoluir."

Keiny Andrade/UOL Keiny Andrade/UOL

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