Educação financeira

Ei, você, pessoa de baixa renda: Nath Finanças quer mudar sua vida e sua relação com o dinheiro

Camilla Freitas De Ecoa, de São Paulo (SP) Leo Aversa

No meio do mercado financeiro as coisas são muito romantizadas. É romantizado você sofrer, você passar dificuldades para estar onde você está. Eles apontam o dedo dizendo "eu consegui e você não consegue porque não se esforça o suficiente". Mas cada um tem a sua realidade.

Quem mora na favela passa mais dificuldades do que eu passava quando morava na periferia. Eu não posso falar "se eu fiz, você pode também e se você não conseguir é porque você não se esforçou". E é isso que eu vejo sendo dito: culpabilizar o pobre por ele estar na situação em que está. Mas ninguém problematiza o fato do governo não aumentar o salário mínimo para um salário digno. Ninguém problematiza a falta de muitos direitos trabalhistas. Quando você vai problematizar isso, dizem que você é esquerdista.

Sei que boa parte dos brasileiros passa fome, mas sei também que tem pessoas que estagiam, que são jovens aprendizes, que pagam as contas com os pais, os avós. E a gente não vai falar com essas pessoas? Vamos deixar elas se endividarem? Pessoas que estão passando fome não conseguem pensar em educação financeira. Não posso romantizar isso; elas precisam comer. Mas sei que tem gente que pode estudar, consumir conteúdo gratuito na internet e economizar.

Eu tenho um público formado por pessoas que não aprenderam educação financeira antes porque não tiveram acesso. Sei que a educação financeira não resolve todos os problemas do Brasil. Mas ela ajuda. (Nath Finanças)

Leo Aversa

"Você não precisa de mais um cartão"

"Oi, bom dia. Você gostaria de fazer o cartão da loja?". Diz a vendedora de cartão de crédito de quem você tanto tentou fugir se enfiando em meio às prateleiras de sapatos. Se você é do Rio de Janeiro, contudo, talvez essa seja uma vendedora ilustre.

Entre 2017 e 2018, Nathalia Rodrigues de Oliveira fazia cartão de crédito para uma dessas lojas de calçados e, enquanto tentava bater suas metas de venda, ajudava a clientela a não se endividar. "Tinha pessoas que iam fazer o cartão e não conseguiam porque estavam com o nome sujo e não sabiam, isso porque tinham emprestado o nome para outra pessoa. Nesses casos, eu falava para elas entrarem no Serasa para negociar a dívida e já perguntava, também, se precisavam de mais um cartão, se não conseguiam aumentar o limite do cartão do banco para não pagar juros de mais um cartão de crédito", lembra.

Essa postura sincerona da menina de Nova Iguaçu (RJ), que deixava o gerente com bastante raiva, não só ajudava os clientes de baixa renda ("quem ganhava três, quatro, cinco salários mínimos tinha trauma de cartão de crédito!"), mas também não a impedia de bater as metas. Nath era um sucesso de vendas!

A facilidade para educação financeira ganhou mais força quando, na faculdade de administração de empresas, Nath cursou a disciplina de matemática financeira. A explicação do professor foi tão didática que a encantou. "Gente, por que não estamos falando sobre isso?".

Tudo na nossa vida é movido a sentimentos. Se você está triste você vai poder fazer uma loucura financeira e o mesmo acontece se você está feliz. Finanças não se tratam só de números, mas também de comportamentos.

Nathalia Rodrigues de Oliveira, Nath Finanças

Fora da loja de calçados, falar sobre finanças não era algo comum para Nath. Em casa, os pais não conversavam com ela sobre as contas. "Acho que isso é comum. Quando você começa a crescer, seus pais não te chamam para sentar e ver os gastos. A gente só aprende quando entra no mercado de trabalho", diz.

Depois da aula que abriu sua mente para o assunto, Nath correu para a internet e foi buscar conteúdos para aprender ainda mais. O resultado, no entanto, foi um pouco decepcionante. "Guarde 30% da sua renda". "Como investir no Tesouro Direto". "Como economizar mil reais". Ora, esse conteúdo não era para Nath. Durante 21 anos, a jovem fluminense viveu em uma rua na periferia de Nova Iguaçu que alagava. Em seu primeiro emprego, ainda no ensino médio, ganhava 500 reais. Como ia economizar mil?

"Eu ficava me sentindo mal porque não conseguia me organizar, não conseguia fazer essas coisas que pediam para serem feitas. Cada um que vê um vídeo sobre finanças que está longe de sua realidade sente uma frustração. Porque sempre no final a culpa é do indivíduo sendo que a gente sabe que o salário mínimo não dá para pagar todas as contas possíveis, principalmente se você mora com a família e ninguém nos vídeos coloca isso em perspectiva", comenta Nath.

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"Oi, bebê, vamos fazer uma revolução?"

Para cerca de 200 contas que a seguiam no Twitter no começo de 2019, Nath perguntou: "O que vocês acham de eu criar um canal no YouTube sobre educação financeira para pessoas de baixa renda?". Em meio a parentes e amigos, uma galera desconhecida foi aparecendo e se mostrando interessada. Aquela era a hora. "Eu estava cansada de ouvir gente rica me dizendo que eu tinha que guardar dinheiro", lembra. Dessa revolta, nasceu o Nath Finanças.

Mesmo sem equipamento para gravar, Nath não desanimou. Num calor daqueles que só faz no Rio de Janeiro, ela pegou o celular da mãe, ligou o ventilador e gravou. Em meio ao barulho da hélice do aparelho que o pai esqueceu de consertar, ela falou sobre a diferença entre tesouro direto e poupança. Em 1º de fevereiro de 2019, seu primeiro vídeo foi ao ar.

Daí, começou sua rotina para o canal. "Eu gravava no sábado e editava durante a semana", conta. Em casa, Nath só chegava às 23h depois do trabalho e da faculdade e das horas diversas que passava entre trens e ônibus. "Cara, confesso pra ti que foi muito difícil. Tinha hora que eu até chorava".

Mas a virada de chave não tardou a chegar. Nathalia ia de conta em conta no Twitter respondendo comentários e divulgando seu canal. "Oii bb vamos fazer uma revolução. Conheça meu canal de educação financeira para baixa renda", escrevia. O esforço foi reconhecido e ela foi parar em um programa de TV para falar de seu trabalho.

O resultado? 10 mil inscritos no canal. "Me inscrevi também em um concurso do YouTube para ganhar câmera e eu fui selecionada", conta. Desse momento para frente, tudo passou a acontecer muito rápido. Nath fechou a primeira "publi" em 2019 e, em 2020, virou meme. Algo que para muitos seria visto como algo ruim, mas para ela foi o contrário. O meme "Nath Finanças, eu falhei com você" fez com que ela saísse de 30 mil seguidores no Twitter para 300 mil. "Eu fico muito orgulhosa do meu processo, mas também não romantizo dizendo que é fácil porque porque não é", diz.

As pessoas pensam que educação financeira é demonizar as compras que as pessoas fazem, não é isso. Educação financeira não é você ser pão duro. É você conseguir fazer as coisas da forma que você quiser. É ter independência financeira.

Nathalia Rodrigues de Oliveira, Nath Finanças

Esses números todos representam pessoas que tiveram a vida financeira mudada pelos vídeos de Nath. Uma delas é a manauara Marcela Ladislau. Marcela foi direto no vídeo que ensina a sair das dívidas mesmo ganhando pouco dinheiro. "Na época, eu ganhava um pouco mais que um salário mínimo e tinha o nome sujo por conta de algumas dívidas de familiares que usavam meu nome", conta.

Era a história das pessoas que se descobriam endividadas quando iam fazer o cartão da loja de sapato com a Nath. "Isso é muito comum", ela explica. As dicas da Nath surtiram efeito para Marcela que foi conseguindo, aos poucos, quitar uma a uma. "Limpei meu nome e acho que foi uma das minhas maiores conquistas. Fiquei muito, muito feliz", conta.

"A Nath me deu, também, muito conhecimento de classe. Minha mãe sempre teve o nome sujo e acabou passando isso para mim por precisar ter o nome limpo pra ter muitas coisas na vida. A pessoa de baixa renda acaba tendo uma certa desorganização às vezes por não compreender muitas coisas. E eu acho que todo mundo merece ter qualidade de vida, ter conhecimento sobre como cuidar das finanças, saca?", diz Marcela.

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"Nós por nós, sempre"

"Mãe, pega sua carteira de trabalho que eu irei assinar". Em outubro de 2020, Nath realizou um sonho e conseguiu dar um emprego para a mãe com "todos os benefícios, inclusive o plano de saúde". Em pouco mais de um ano, Nath Finanças deixou de ser apenas um canal no YouTube e se tornou, também, uma empresa.

Mas não qualquer empresa. Enquanto muitos empresários buscam formas de não registrar seus funcionários, Nath vai no sentido contrário. "Dar o mínimo para as pessoas se sentirem bem não é ruim para a empresa. Eu nunca vi funcionário como uma despesa, eu vejo como uma forma de investir na minha empresa para ela crescer", explica.

E sempre que registra uma nova carteira de trabalho, Nath não deixa de comentar o assunto. "Eu falo isso nas redes sociais porque é um orgulho pra mim ter pessoas que trabalham comigo que se sentem bem e motivadas. É importante a gente ter essa conversa", diz

E foi em uma dessas postagens, em 2020, que Lana Coelho comentou. "Ela postou no Twitter que tinha contratado o primeiro funcionário dela e eu, despretensiosamente, falei que se ela precisasse de um economista eu estava disponível". Dito e feito.

Lana, que tinha acabado de se formar em economia, recebeu uma resposta de Nath pedindo seu contato e foi convidada para uma entrevista de emprego.

A conversa correu bem até a economista ser surpreendida. "Ela perguntou quanto o meu trabalho valia e eu não fazia ideia. Só que ela foi me dando vários toques, dizendo que eu tinha que pensar que eu era formada, que tinha um intercâmbio e eu fiquei 'meu Deus, minha patroa está falando quanto que eu eu deveria cobrar e me dizendo para valorizar meu trabalho' ", lembra Lana.

Lana mantinha outro trabalho, esse CLT, enquanto trabalhava com Nath. Mas, lidar com os dois foi ficando cada vez mais difícil, até que Nath propôs que Lana trabalhasse apenas com ela e a registrou. Hoje, Lana faz parte dos dez funcionários da Nath Finanças. "Cara, a melhor coisa que eu fiz foi trabalhar só com ela. O time é muito bom, com pessoas que gostam do trabalho, acreditam no propósito dele que é levar informação de forma simples para pessoas de baixa renda, todo mundo é fã".

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