A mais disruptiva do mundo

Nina Silva fez carreira na tecnologia e encontrou a força do coletivo ao fundar o Movimento Black Money

Thaís Regina Colaboração para Ecoa, de São Paulo Divulgação

"Somos um único povo e não vamos sair da base da pirâmide se não agirmos em coletivo e atuarmos intencionalmente nisso, mas ao mesmo tempo podemos montar a nossa própria estrutura. É novo, mas é ancestral. Reconstruir essa ancestralidade sempre foi um processo coletivo, colaborativo e também um processo cíclico de busca por uma real liberdade.

O Movimento Black Money é uma movimentação de estrutura. É quase que uma reforma provocada pela sociedade civil para questões que não estão visíveis, não estão na mesa. O que está visível é o efeito, não a causa — a gente vê o número de desempregados negros, fome e miséria no país, encarceramento em massa e genocídio da população negra, mas o que provoca isso, a estrutura que foi alicerçada durante séculos sobre uma população a gente não vê.

O Movimento Black Money lida com essa estrutura desde o letramento racial, conhecimento de como a gente precisa se aprofundar até arrancar essas raízes de desigualdade, ao mesmo tempo em que lida com uma reestruturação: criar oportunidades a partir da educação, de visibilidade, digitalização de negócios pretos e investimento nestes negócios."

"A tecnologia não é um novo mundo. O novo mundo somos nós — e, como nós, nos empenhamos na possibilidade de transformar vidas, usando a tecnologia como instrumento", dispara Nina Silva, 39, em entrevista a Ecoa, três dias depois de ganhar o Prêmio de Mulher Mais Disruptiva do Mundo de 2021 pela Women in Tech. "Eu só criei expectativas depois que eu virei finalista, afinal é uma premiação com cem países", diz. Nina ganhou a etapa brasileira em outubro, o que a tornou elegível para o global, mas o baque só veio quando ela recebeu o comunicado de que era uma das nove finalistas.

A carioca é idealizadora e sócia do Movimento Black Money, uma plataforma de afroempreendedorismo, a qual conecta pessoas negras do marketplace e consumidores, mas também abre oportunidades de educação, crédito e desenvolve planos de inclusão racial para empresas parceiras. Nina abriu novembro fazendo as malas rumo a Portugal, a fim de conhecer esta rede de mulheres que provocam mudanças na vida de outras mulheres através da tecnologia, mas a busca pelo encontro entre tecnologia e coletividade negra é uma missão presente em toda sua carreira.

Para a mulher que cresceu no Jardim Catarina, em São Gonçalo, as mudanças de direitos e políticas só podem acontecer quando as estruturas são desafiadas — logo, as soluções precisam vir de maneira auto-organizada e com grande base.

Para Nina, não há transformação social radical sem coletividade.

Divulgação Divulgação

Nina começou a trabalhar com tecnologia quando estava na faculdade e, desde então, teve uma projeção enorme dentro de multinacionais. "Sempre questionei muito esse lugar de liderança isolada — de não ter mulheres, de ter dificuldade de inserir pessoas negras no meu time por barreiras das próprias instituições", relembra.

De 2004 a 2012, ela chegou a cofundar a ONG Estimativa, uma investida voltada à cultura afrobrasileira. "Eu tinha um envolvimento com a questão racial, à parte do meu trabalho das 8h às 18h. Essa era a grande inquietação: por que eu não posso unir todas as minhas competências e habilidades junto ao meu propósito de provocar uma mudança para mim e para meus iguais?" Essa interrogação foi crescendo até que se tornou um peso para Nina e, em 2013, ela enfrentou um burnout, a síndrome psíquica provocada pela tensão profissional.

"Eu não me sentia conectada com a cultura empresarial e foi nesse ano em que passei por um esgotamento psicológico a ponto de não levantar da cama, não querer comer, não querer tomar banho, chorar todos os dias antes de ir para o trabalho e depois de chegar em casa até que eu não consegui mais ir ao trabalho", diz.

Nina decidiu, então, abandonar a área de tecnologia. Fez as malas e foi estudar literatura nos Estados Unidos. A princípio, o plano era trabalhar com algo que desse prazer, como escrever, e construir uma carreira enquanto autora e pesquisadora.

Iwi Onodera/UOL Iwi Onodera/UOL

"O que me auxiliou a superar o burnout foi a escrita, porque escrever demanda que a gente olhe para dentro. Mas também instiga olhar o ambiente, escutar as pessoas e entender como esse autoconhecimento se conecta com o exterior." Assim, suas maiores aliadas se tornaram a psicoterapia e escrita. Aprendeu que seu objetivo é inegociável: Nina Silva busca levar pessoas negras para a possibilidade de desenvolverem suas potências — no plural.

Meses depois, Nina não queria mais estar em uma rotina que não envolvesse a gestão de projetos e de sistemas. De volta ao Brasil, estava mais criteriosa do que nunca. Queria desenvolver as questões socioeconômicas e sociopolíticas e, se dentro das empresas isto era velado, esta não era uma empresa para Nina.

Em 2017, entre palestras e mentorias para pessoas negras que desejavam entrar para tecnologia, uma dúvida persistia: "Como eu insiro pessoas negras no mercado de trabalho e garanto que elas não vão passar pelos espaços e tratamentos hostis por que passei?" Foi quando conheceu Alan Soares, sócio e cofundador do Movimento Black Money. "Foi um telefonema de horas e, uma semana depois, o Movimento Black Money tinha site e a gente estava dando entrada no CNPJ", conta.

A gente uniu nossos sonhos: ele tinha o objetivo de autonomia da população negra a partir do mercado financeiro e eu tinha o mesmo propósito através da tecnologia.

Nina Silva, sobre o encontro com Alan Soares, cofundador do Movimento Black Money

Divulgação

O MBM conta com o marketplace Mercado Black Money, a frente de educação Afreektech, o banco D'Black Bank e a Black Vagas, que, além de publicar vagas de trabalho, atua com desenho estratégico de empresas para propor soluções para desigualdade racial, desde treinamento das lideranças não negras sobre a questão racial até desenho de metas, planejamento e orçamento para realizar a inclusão. Além disso, o MBM promove vários encontros ao longo do ano, promovendo networking e aprendizados — nos dias 26 e 27 de novembro, por exemplo, será promovido o MBM Experience, um encontro online e gratuito sobre empregabilidade e empreendedorismo negro.

Ainda hoje, o maior canal é o Mercado Black Money, com 1.700 lojas online com cybersecurity e sem custo para anúncio, em que se encontra desde cursos e serviços até artigos de moda e cosméticos. Já o D'Black Bank oferece serviços de consultoria e contabilidade, além de propor o Credicard On MBM, um cartão em parceria com a Credicard e a Visa cuja receita é destinada aos projetos sociais do MBM, desde educação até renda básica para famílias negras.

"O Black Money só pode ser feito entre negros, mas a luta antirracista é de todos", provoca Nina Silva ao lembrar que o cartão pode ser obtido por todas as pessoas. De modo geral, os pontos comuns de todos os projetos do Movimento seguem o propósito inegociável de Nina Silva: visibilidade, o reconhecimento e apoio mútuo entre pessoas negras.

Fazer parte do Movimento Black Money e conviver com Nina transformou minha forma de ver o mundo. Eu via futuros possíveis, pois convivia e aprendia com uma mulher preta que saiu da maior favela plana da América Latina e foi parar nas páginas da Forbes!

Simara Conceição, desenvolvedora de software

Byte por byte

Simara Conceição, 32, conheceu o Movimento Black Money quando foi convidada para colaborar com a comunicação do MBM, em dezembro de 2018. Na época, o Afreektech, braço educacional do MBM, estava em seu início e um dos primeiros cursos promovidos foi sobre marketing. "Então, fizemos uma reunião de alinhamento, num restaurante de culinária africana, de todo o time que iria colaborar com o Afreektech com Nina e Alan. E ali começou uma parceria linda, que virou amizade, mentoria de carreira e de vida", conta. Como Simara já tinha uma carreira com marketing digital, topou ser também monitora na turma de marketing e pediu para ser ouvinte nas aulas de programação para pessoas não programadoras.

Simara é a primeira geração da sua família que não seguiu o trabalho doméstico. "Eu me orgulho muito do meu antepassado de mulheres pretas nordestinas e guerreiras, elas me fizeram assim", declara. "Me reinventei por elas e sonhei alto por elas também — e foi Nina e o MBM que me conduziram por essa jornada. Enfim, cá estou desenvolvedora de software numa empresa global e amiga pessoal de Nina Silva, a mulher mais disruptiva do mundo."

A baiana enxerga sua vida hoje como uma realização dos sonhos de suas ancestrais e talvez por isso tenha agarrado todas as oportunidades com tanta gana. Desde colaborar nas redes sociais de Nina, acompanhá-la nas palestras e eventos, conhecer a rede, ter acesso a cursos de tecnologia com as bolsas que o MBM fornecia até mudar de cidade. Em 2019, Simara começou uma migração de carreira para área de tecnologia e atualmente é desenvolvedora de software na Thoughtworks, além de capitanear o podcast quero ser dev!.

O que era a princípio uma ferramenta para contar sua jornada em tech como desenvolvedora e professora para iniciantes se tornou um espaço de trocas em que outras mulheres também compartilham suas histórias em tech. "Ouvindo cada história no podcast ou depoimentos das minhas alunas e seguidoras, percebi que quando uma mulher preta aprende a programar, ela aprende muito mais que construir soluções com algumas linhas de códigos. Aprende a ter autonomia real e colabora para a transformação do seu entorno. E, assim, byte por byte, a gente vai hackeando o sistema e desinstalando o racismo, o sexismo e outras opressões."

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