"A mãe é um menino"

Noah é mãe de Anita e pai de Helena, construiu seu próprio modelo de família e ainda pariu um projeto social

Paula Rodrigues De Ecoa, em São Paulo Tiago Coelho/UOL

"O que minhas filhas vão pensar? Como vou explicar isso para elas?", eu pensava. Contar sobre mim era minha maior preocupação. Tenho duas filhas: a mais velha se chama Anita, de 7 anos; a mais nova é a Helena, de 4. Fui negligenciando essa conversa, empurrando com a barriga, até que não aguentei mais e decidi falar.

Aconteceu enquanto eu e Anita fomos comprar ração para nossos bichinhos. No carro, perguntei para ela: "Você acha que a mãe parece mais um menino ou uma menina?".

"Ai, mãe, tu parece um menino", ela me disse.
"É isso mesmo: a mãe é um menino", respondi.

Na hora, achei que o mundo dela tinha caído. Como assim ela tem uma mãe que é menino? Ansioso, me preparei para mil questionamentos que imaginei que viriam. Até que ela virou para mim e falou:

"Tá, mas tu tem que trocar teu nome, né?"

Choque. Não sabia nem o que falar. Só consegui perguntar se ela gostaria de me ajudar na escolha do nome novo. Ela quis saber qual nome eu escolheria se ela tivesse nascido menino. Contei que, assim como Anita foi escolhido por ser uma derivação do meu nome de batismo, o mesmo aconteceria se ela tivesse outro gênero.

"Teu nome seria Noah", disse.
"Tá bom, então usa esse nome, mãe."

Simples, descomplicado, natural. Assim ela reagiu à notícia de que a mãe é um homem trans. Com a mais nova, a mesma coisa. Quando a mãe dela contou, a reação de Helena foi dizer: "Agora eu vou chamar de pai, então". Assim, uma filha me batizou com um nome novo e a outra me deu o título de pai.

Hoje sou Noah, mãe da Anita e pai da Helena. Já o terceiro filho chama-se EducaTRANSforma. Conto sobre os três aqui.

Tiago Coelho/UOL Tiago Coelho/UOL

No final de julho deste ano, Noah Scheffel deu a primeira entrevista de sua vida. Muito tímido, daqueles que fazem longas pausas entre um pensamento e outro, como quem quer conferir se não falou algo de errado. Ao longo de duas horas, respondeu perguntas sobre sua vida e o trabalho que desenvolve no campo da tecnologia. "Tu acha que isso pode ser interessante?", perguntava quando questionado sobre a infância que teve em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

Sempre é. Por exemplo, no caso dele, a relação com o irmão gêmeo e com a mãe dão grandes pistas sobre quem é o Noah hoje. Em outros momentos, sua história vira mais um causo curioso de ser contado. Como quando quase morreu após nascer prematuro — pesando apenas 1 kg enquanto o irmão tinha já os 3,5 kg de quem conseguiu se alimentar bem demais durante a gestação inteira — e sobreviveu depois de ser levado para a capela do hospital em que estava. "Minha mãe conta que eu não estava melhorando na UTI, daí um dia a enfermeira me pegou da incubadora e levou para eu não morrer sem ser batizado. Eu não sou religioso, mas me contam que comecei a me recuperar por causa disso", diz.

A mãe, que já tinha duas crianças para cuidar, sabia que não conseguiria manter uma casa com mais duas. Assim, os gêmeos ficaram aos cuidados da tia paterna e da avó, que moravam juntas. Mesmo com a ida da mãe biológica para a Itália, na tentativa de melhorar de vida, Noah sempre soube quem era a pessoa que o tinha colocado no mundo. Mas os dois só se conheceram de verdade em 2017, quando ele tinha 30 anos. "Ela me apoia em toda a minha jornada desde então", diz.

Ao mesmo tempo em que se reconecta com a mãe biológica, Noah não esquece tudo que a tia-mãe fez por ele. Com salário de professora, e depois de aposentada, foi a tia que virou mãe dos gêmeos. Responsável pela criação, pelo incentivo à prática de esportes; foi quem proporcionou condições para aulinhas de inglês e também os ensinou que o sucesso a gente conquista trabalhando e estudando. "A gente vive nessa ótica capitalista que diz: luta, luta, luta que você vai conseguir as coisas. Mas tu vai ficar feliz com isso ou tá seguindo só um script?", comenta Noah.

Assim, ele seguiu o script do que a sociedade costuma escrever para uma pessoa: cresceu, trabalhou, conquistou um cargo de liderança numa empresa de tecnologia com apenas 19 anos, arrumou um namorado, engravidou, teve uma filha. A todo momento tentando ignorar o que o próprio corpo desejava. As mensagens, os sinais que ele mesmo estava se dando, eram interpretados de uma forma totalmente diferente. Quando passou a se incomodar com os peitos que tinha, acreditou que era por serem muito pequenos, então decidiu colocar silicone. Nem passava pela cabeça que o problema estava em tê-los.

Por muito tempo, eu nem sabia o que significava ser transexual. Eu sabia que tinha algo de estranho com meu corpo, não me identificava nele, mas não tinha um nome para isso, porque naquela época a gente não falava tanto sobre.

Noah Scheffel, criador do EducaTRANSforma

Tiago Coelho/UOL

Em 2013, aos 26 anos, Noah já entendia melhor sobre transição de gênero. Estava pesquisando cada vez mais e se preparando para passar por uma. Porém, nessa mesma época, descobriu a gravidez da primeira filha. Foi um baque. Ele viveu o que chama de "depressão pré-parto" durante os nove meses. Engravidar não fazia sentido. A situação só mudou quando pegou Anita no colo pela primeira vez.

"Foi a melhor experiência da minha vida. Ali mudou tudo. Mudou a ponto de eu desistir da minha transição. Eu pensava: como vou poder ser mãe e homem ao mesmo tempo? Como vai ficar a cabeça da minha filha? Como ela vai receber tudo isso? Como as pessoas ao nosso redor vão perceber tudo isso?"

Quanto às outras pessoas, talvez a recepção da notícia da transição, que veio quando ele já tinha 30 anos, não tenha sido lá das melhores. Mas, para Anita, tudo foi natural demais. Quando perguntado sobre o argumento clássico utilizado tanto por alas mais conservadoras quanto preconceituosas da sociedade - "o que crianças vão pensar?" -, ou em como elas serão afetadas ao ter um pai ou mãe que faça parte do recorte LGBTQIA+, Noah ri.

"Olha, vou te contar uma coisa engraçada. Esses dias, já durante a pandemia, a escola da minha filha pediu um trabalho sobre as festas religiosas que aconteciam por aqui. Uma criança falou sobre o Carnaval, outra sobre a Semana Farroupilha. Quando perguntei para a Anita sobre qual festa queria falar, ela me respondeu: 'a parada LGBT'. Eu ri muito imaginando a reação da professora, mas é isso: a Anita é o futuro."

Para ele, o problema real mesmo está na parcela adulta da sociedade.

Tiago Coelho/UOL Tiago Coelho/UOL

Educar e transformar

"Quem me salvou de pular da ponte, assim, no literal, foi uma amiga trans que saiu de madrugada para me tirar de lá antes de eu fazer merda". Assim Noah narra um dos períodos mais complicados de sua vida. Aconteceu um ano atrás, em agosto de 2019.

No mês anterior, ele havia começado o tratamento hormonal. A transição de gênero aos poucos ficava explícita na voz, na barba que crescia no rosto. O que, para ele, era um alívio. Como o próprio Noah diz, certos símbolos, como a barba, são almejados por homens trans. "Mas por quê? Para deixar de sofrer violência da sociedade hétero cis normativa. As pessoas acabam querendo muito esse tipo de intervenção porque é uma proteção, uma forma de deixar a vida um pouco mais fácil porque você pode ser percebido como uma pessoa cis na rua", conta.

Em ambientes públicos, pode funcionar. Em ambientes privados, entre conhecidos e familiares, foi diferente. As situações de transfobia passaram a ser diárias na empresa onde trabalhava há 10 anos. Primeiro, não respeitavam o nome social. Depois, questionavam o acesso ao banheiro. Tudo isso, junto a outros casos mais graves que ele prefere não citar, mas o levaram a um estado mental no qual só via uma saída possível.

Assim, foi parar em cima de uma ponte. A amiga o salvou. Depois, veio a internação psiquiátrica. Foram apenas dois dias, mas o suficiente para entender como a banda tocava por lá. "Olha, te contar que esse assunto sozinho rende outra pauta, hein? É desumano demais o que se faz hoje durante essas internações", diz.

Eu pensava: 'gente, vim parar nesse negócio surreal por causa da transfobia que sofria no meu ambiente de trabalho'. Aí comecei a problematizar toda a situação, pensar nas pessoas que tinham menos condições, acessos e oportunidades. Eu estava em um emprego formal, com cargo bom, numa empresa onde trabalhei por 10 anos. Imagina pessoas trans que não têm esse nível de privilégio? Fiquei pensando o que toda essa transfobia, inclusive dentro do trabalho, pode fazer com uma pessoa, sabe?

Noah Scheffel, criador do EducaTRANSforma

No mesmo período, voltou a se dedicar ao trabalho de conclusão de curso de graduação em Serviço Social. Durante as pesquisas, tudo mudou. "Decidi focar meu TCC nas questões de acesso das pessoas trans, principalmente na empregabilidade e educação. Se a gente ficar esperando por políticas públicas, por cotas ou o que quer que seja, não vai acontecer uma mudança, porque olha quem está na política atualmente", diz.

Começou, então, a colher relatos de pessoas transgênero e travestis sobre sua vida profissional. Um dos depoimentos foi o gatilho para a mudança radical que viria a seguir: um homem trans contou sobre os anos em que estava desempregado, a falta de dinheiro, do que comer. Já desiludido de tudo, dissera que rasparia a barba, colocaria roupas consideradas femininas e se comportaria como uma pessoa cis para a entrevista de emprego que teria no dia seguinte.

"Quando li isso, eu falei: dane-se, não vou fazer mais o TCC. Pausei minha tese na hora e fui escrever o projeto do que hoje é o Educa", conta. E aqui entra em cena o terceiro filho de Noah. O EducaTRANSforma tem só um ano e é uma iniciativa que tem como objetivo capacitar pessoas transgênero para entrar no mercado de trabalho na área de tecnologia da informação.

Na primeira turma aberta, Noah e Shaiane Rodrigues, amiga que hoje é gerente de projetos no Educa, tinham capacidade de atender 16 pessoas de Porto Alegre. Pensaram em deixar o formulário de inscrição para o curso aberto por um tempo longo por acharem que seria difícil preencher todas as vagas. Quatro dias depois, tiveram que fechar o formulário porque mais de 1.500 pessoas estavam inscritas. "Na pandemia, a gente precisou recriar o programa. E deu certo, porque em uma plataforma online conseguimos colocar essas pessoas para estudar nos melhores horários para elas, conseguimos intensificar a carga horária e reduzir o tempo do curso: o que faríamos em um ano, agora vamos fazer em seis meses." E de conseguir capacitar 16 pessoas por turma em Porto Alegre, com a ajuda de grandes empresas, agora estão capacitando quase 160 vindas de todo o Brasil.

"Isso tudo foi na base da raiva, viu? Foi na base do 'essa galera não vai mais passar por isso, eu vou fazer alguma coisa para que pessoas trans não tenham que passar pelo que passei'. Agora, mesmo antes de finalizar a primeira formação, já temos pessoas empregadas, trabalhando com tecnologia."

Arquivo pessoal

"Mudou tudo na minha vida"

Um dia, vi no Facebook de uma menina trans uma postagem falando que as inscrições estavam abertas para o EducaTRANSforma. Logo de cara me interessei e me inscrevi.

As únicas experiências profissionais que tive foram antes da minha transição de gênero, quando, em 2013, trabalhei em uma gráfica; e, em 2018, quando uma amiga me indicou a uma vaga no Foro Central. Depois disso, nunca mais consegui emprego. A maioria das vagas de estágio pede muita experiência, e nós, pessoas trans, não temos oportunidades para alcançar isso.

Só que um dia, um rapaz ouviu o Noah falar sobre o Educa e ficou realmente muito tocado, sabe? Porque é um projeto de fato muito bonito e importante. Então esse rapaz acabou se oferecendo para conseguir uma vaga na empresa de tecnologia onde trabalha para alguém que tivesse fazendo o curso no Educa. Foi assim que conheci a empresa onde trabalho hoje.

Estou lá desde março, aprendendo a desenvolver software e criando um comitê de diversidade na empresa. Tenho bastante responsabilidade lá. Tento ao máximo fazer tudo que posso. Eles estão vendo e reconhecendo bastante o meu trabalho.

O Educa mudou tudo, tudo na minha vida. Nós só precisamos de uma primeira oportunidade para mostrar como somos bons e boas no que fazemos. Antes, eu não tinha oportunidade nenhuma na minha vida. Hoje, por causa do projeto, tenho um emprego em uma empresa de tecnologia.

O Noah está sempre preocupado em perguntar como a gente está, principalmente agora durante a pandemia. A maioria das pessoas não têm apoio familiar, não têm morada certa, e ele toda hora aparece para nos perguntar se está tudo certo, se precisamos de ajuda com algo? Então, assim, não é só uma questão de capacitação, de um curso, sabe? É uma questão pessoal. Ele criou uma rede de apoio para quem muitas vezes é abandonado e não tem ninguém com quem contar.

Victória Cristine Chuquel Corotto, estagiária em engenharia de software

Tiago Coelho/UOL Tiago Coelho/UOL

Criando ambientes seguros

Outro pilar do EducaTRANSforma é atender as empresas. Mais especificamente, torná-las cada vez mais seguras e responsáveis com os profissionais transgênero e travestis que contratam ou que eventualmente contratarão. Quando ele e Shai começaram a procurar as empresas para apresentar o projeto, perceberam que o mundo corporativo não estava capacitado nem para o básico do básico. "O que é ser trans?", foi a pergunta que Noah mais diz ter ouvido.

Ali, passou a se questionar: "Como é que a gente vai capacitar essas pessoas e mandá-las para esse ambiente?". O medo era de que a violência que já sofriam nas ruas, aparecesse também no espaço de trabalho. Assim, surgiu a consultoria em diversidade que o Educa dá. Criaram uma metodologia que hoje chamam de "Caminho da Diversidade", em que olham para todas as partes da organização e, durante seis meses, ajudam as empresas a se adaptarem da melhor forma para cultivar ambientes seguros, livres de qualquer violência para uma pessoa trans. Quando conseguem preencher todos os requisitos, a Educa concede um selo próprio que criou para identificar empresas aptas a receber a população LGBTQIA+

"Então, por exemplo, para que a área de recrutamento e seleção seja realmente aberta a diversas pessoas, precisa ter um processo que não leve em consideração apenas o que é técnico no currículo. Precisa partir de um olhar de equidade de oportunidade", conta. Já o processo administrativo, na hora da contratação, não deve pegar o nome de registro da pessoa, mas sim o social, ou seja, o nome pelo qual a pessoa prefere ser identificada. O treinamento das empresas também passa pela conscientização dos empregados e empregadores que possam vir a analisar o trabalho desempenhado por aquela pessoa dentro da organização.

"Se a gente sabe que o racismo é estrutural, como é que a gente cria processos que combatam o viés inconsciente de um chefe? Como é que a gente vai garantir que um gestor vai fazer uma avaliação de uma pessoa não-branca e não vai levar aquele racismo estrutural que ele tem lá dentro da sua mente na hora de escrever um parecer sobre aquela pessoa? Isso serve para todos os recortes."

São esses alguns dos processos que ele e a Shay desenvolveram no curto período de tempo em que estão em atividade com o projeto. A ideia é tentar de pouquinho em pouquinho fazer com que o estigma que cada chefe e colega de trabalho tenha de uma pessoa trans deixe de existir. É tentar fazer pelo menos balançar o muro que a sociedade coloca entre transexuais e o sucesso profissional.

Tiago Coelho/UOL Tiago Coelho/UOL

Novas representações de família

A vida de Noah, tanto profissional quanto pessoal, é interessante de ser contada justamente por ser pouco contada. Da mesma forma que pouco ou quase nada há de oportunidades para pessoas trans acessarem o mercado formal de trabalho, o mesmo acontece quando o assunto é constituir uma família e ter afeto. Para provar isso, aqui entram os números que toda pessoa trans sabe de cor, nem que seja apenas empiricamente.

Num país em que 90% da população trans só consegue ter a prostituição como forma de garantir a sobrevivência, como afirma a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), a carreira que Noah construiu dentro do campo da tecnologia é sim, por enquanto, a exceção.

"A posição boa em que estou na minha vida hoje foi porque toda minha história de vida até os 30 anos, eu tracei como uma pessoa cis. Tenho cargo de coordenação de tecnologia da informação em uma das maiores empresas da área, mas como cheguei aqui? Para além do meu trabalho sério e competente, foi porque me viam como uma pessoa cis. Quando me perguntam se tenho certeza disso, digo que "sim, claro", porque, quando olho para o meu lado, não vejo nenhuma outra pessoa trans fazendo o que faço", observa.

E nesse mesmo Brasil, país que mais mata pessoas transgênero no mundo, ainda de acordo com a Antra, ser pai, mãe, marido, esposa, construir família e ser percebido como um corpo que tem o direito de amar e ser amado como no caso do Noah, também ainda é ser a exceção.

"Procurei muito modelos familiares assim como o que tenho hoje, porque estava pensando em abdicar da minha transição para não ter esses conflitos. Mas, aí, comecei a pensar que deveria existir mais gente passando pelo que eu estava passando, e que tinha conseguido receber amor, ter uma família, alguém que fosse pai e mãe ao mesmo tempo. Fui atrás dessas pessoas e não encontrei nenhuma", diz.

"Entrei em milhões de grupos de pessoas LGBTQIA+, procurei em textos, vídeos... E não encontrei nenhuma assim, ainda mais com alguém que desempenhasse o papel de pai e mãe ao mesmo tempo. Me fazia pensar que isso não era possível. Mas é. Só que é isso: a gente carece de outras representações de família", explica Noah.

Tiago Coelho/UOL Tiago Coelho/UOL

De qual diversidade estamos falando?

Durante a pandemia, observamos o aumento das doações no Brasil. Foram muitas as iniciativas para ajudar quem mais precisa nesse momento incerto. Porém Noah não percebeu a mesma comoção ou vontade vinda da maioria dos brasileiros em ajudar pessoas trans, mesmo durante esse momento. A escassez do olhar mais empático para esse recorte da população continua, com ou sem pandemia.

O mesmo acontece quando pensamos no mercado de trabalho. Os esforços necessários para inserir mais pessoas diversas em empresas, impulsionados por uma demanda gritante das ruas e da internet, não atingiu a população transgênero.

"E aí acho que o motivo é que a gente trabalha especificamente com um público muito estigmatizado. Chegar nas organizações e falar sobre como elas precisam contratar pessoas trans não é tão bem aceito, porque não dá impacto visual positivo. A imagem que a gente tem de pessoas trans é daquela pessoa que está no ponto se prostituindo, é o traveco, é o 'se eu trouxer para dentro da minha empresa, os caras vão fazer piadinha', por exemplo."

Para ele, é fácil notar que existem certas diversidade mais aceitáveis do que outras no momento da contratação. Contrata-se uma pessoa negra aqui, outra pessoa LGBQIA+ ali e dá-se por resolvido o problema da falta de pluralidade nos times de grandes e pequenas corporações, que por sua vez, assim, passam a se considerar diversas.

Por isso e para isso nasce o EducaTRANSforma, o terceiro filho que Noah tem. A tecnologia que sempre o acompanhou desde quando passava os dias arrumando computadores na adolescência, virou terreno fértil para promover a mudança que ele quer ver no mundo. Ou melhor, na recriação desse mundo.

Se o maior número de pessoas que pensam em soluções tecnológicas para nosso presente e futuro são homens brancos cisgênero e héteros, como a tecnologia vai conseguir desenvolver soluções que contemplem as especificidades dos problemas de outros recortes da população? É essa a pergunta que Noah busca resolver diariamente com o EducaTRANSforma.

A resposta, para ele, é simples: capacitando cada vez mais pessoas trans, fazendo com que o ambiente de trabalho seja receptivo a elas e, por fim, dando mais e mais espaço para que, quem sabe um dia, a sociedade brasileira perceba o quanto perde quando deixa boa parte da população de fora.

"A tecnologia é o futuro. Ela é a ferramenta responsável pelo que construiremos nos próximos anos, pelas soluções para os problemas da sociedade. Portanto, ela não pode ser feita exclusivamente pelas mesmas pessoas. O que vai sair de diferente daquilo que já sai há 10 anos?", questiona ele.

Incluir pessoas diversas para pensar em problemas diversos. É daí que vem a inovação para nosso futuro ser mais saudável. As tecnologias feitas por outros recortes da população vão trazer outras óticas, porque essas pessoas trazem suas vivências. E aí, sim, poderemos falar que um produto ou serviço tecnológico que vai ser colocado no mercado, na sociedade, atende a todas as pessoas.

Noah Scheffel, criador do EducaTRANSforma

Tiago Coelho/UOL Tiago Coelho/UOL
Amanda Miranda/UOL

Re_construção

Ecoa propõe durante o mês de outubro um ciclo temático de reportagens e entrevistas sobre Re_construção. A proposta é falar sobre pessoas e ideias que oferecem diferentes maneiras de ver e lidar com nosso mundo e sociedade durante e após a pandemia.

Ao longo de três semanas nos aprofundaremos em debates que vão da necessidade de se falar (e agir) sobre as populações mais vulnerabilizadas, a luta antirracista, os saberes ancestrais e seus ensinamentos e, é claro, o mundo dos negócios e o futuro do trabalho.

Não perca nenhum conteúdo do ciclo temático!

Ler mais
Topo