"Um dos momentos em que mais aprendi e entendi sobre as coisas foi quando estava participando do evento Amazônia Centro do Mundo, e a caminho da rodovia Transamazônica, o ônibus quebrou. Estava chovendo e naquela confusão toda passou um caminhão horroroso do nosso lado, transportando madeira ilegal extraída do território dos Araras [etnia indígena].
Os Araras estavam dentro do ônibus comigo, ficaram muito tristes, mas calados, tinham tirado aquela madeira toda do território deles. Olhando aquela situação, fiquei revoltada e falei: 'eu vou descer e não vou deixar esse caminhão passar'. Achei que fosse fazer o super ativismo da vida. Foi muito decepcionante porque todo mundo olhou para mim e riu. Eu pensei: 'tão rindo de quê, isso é um absurdo, sabe?'.
Depois entendi que não ia adiantar nada descer ali e tentar parar aquele caminhão. Muito provavelmente eles estariam armados, poderia rolar conflito, não tínhamos nem sinal de celular lá, até conseguir entrar em contato com alguém, numa possível emergência, ia ser bem mais sofrido do que deixar aquelas árvores irem.
Seguimos viagem e fomos de barco até a comunidade para nos encontramos com o David Yanomami [líder indígena], que se reuniu com os jovens para contar um pouco sobre a luta dos povos indígenas e a resistência com tanto garimpo ilegal. Ele falou uma frase muito forte: 'se a gente parar de cantar, de se pintar é porque o povo da mercadoria venceu'. 'Se pintar' é o jeito deles de ir para a guerra. O 'povo da mercadoria' é como eles chamam os não indígenas que vão lá explorar o território.
Isso foi muito importante para mim porque quando a gente vai vendo todo esse retrocesso, essa coisa do 'vamos deixar a boiada passar', parte meu coração. Mas lembro sempre do David [Yanomami] falando no meu ouvido: 'sorria porque o povo da mercadoria não venceu'. Então é isso, nós resistimos, sorrimos, ocupamos e ecoamos."