Uma jovem na ONU

Paloma Costa discursou em NY ao lado de Greta Thunberg e é uma das ativistas em grupo de consultores da ONU

Vanessa Fajardo Colaboração para Ecoa, de São Paulo Pryscilla K./UOL

"Um dos momentos em que mais aprendi e entendi sobre as coisas foi quando estava participando do evento Amazônia Centro do Mundo, e a caminho da rodovia Transamazônica, o ônibus quebrou. Estava chovendo e naquela confusão toda passou um caminhão horroroso do nosso lado, transportando madeira ilegal extraída do território dos Araras [etnia indígena].

Os Araras estavam dentro do ônibus comigo, ficaram muito tristes, mas calados, tinham tirado aquela madeira toda do território deles. Olhando aquela situação, fiquei revoltada e falei: 'eu vou descer e não vou deixar esse caminhão passar'. Achei que fosse fazer o super ativismo da vida. Foi muito decepcionante porque todo mundo olhou para mim e riu. Eu pensei: 'tão rindo de quê, isso é um absurdo, sabe?'.

Depois entendi que não ia adiantar nada descer ali e tentar parar aquele caminhão. Muito provavelmente eles estariam armados, poderia rolar conflito, não tínhamos nem sinal de celular lá, até conseguir entrar em contato com alguém, numa possível emergência, ia ser bem mais sofrido do que deixar aquelas árvores irem.

Seguimos viagem e fomos de barco até a comunidade para nos encontramos com o David Yanomami [líder indígena], que se reuniu com os jovens para contar um pouco sobre a luta dos povos indígenas e a resistência com tanto garimpo ilegal. Ele falou uma frase muito forte: 'se a gente parar de cantar, de se pintar é porque o povo da mercadoria venceu'. 'Se pintar' é o jeito deles de ir para a guerra. O 'povo da mercadoria' é como eles chamam os não indígenas que vão lá explorar o território.

Isso foi muito importante para mim porque quando a gente vai vendo todo esse retrocesso, essa coisa do 'vamos deixar a boiada passar', parte meu coração. Mas lembro sempre do David [Yanomami] falando no meu ouvido: 'sorria porque o povo da mercadoria não venceu'. Então é isso, nós resistimos, sorrimos, ocupamos e ecoamos."

Uma das 7 consultoras da ONU para "adiar o fim do mundo"

A brasiliense Paloma Costa, 28, estudante de direito e ciências sociais na Universidade de Brasília (UnB), é uma das sete jovens ativistas que foram nomeadas, em julho, pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, a compor o Grupo Consultivo da Juventude sobre Mudança Climática. Além dela, há representantes do Sudão, Moldávia, Estados Unidos, Fiji e Índia. Eles têm a missão de aconselhar Guterres sobre ações na luta da crise climática. O trabalho é voluntário, e ocorre remotamente.

No ano passado, Paloma discursou na Cúpula do Clima das Nações Unidas, em Nova York, ao lado da ativista sueca Greta Thunberg, ícone da luta pelo clima. A brasileira falou sobre a emergência climática, cobrou soluções dos líderes mundiais ao afirmar que "não precisamos de orações, precisamos de ações."

A fala rendeu críticas e fez com que a brasiliense fosse vítima de haters nas redes sociais. "Como se fosse uma heresia, algo contra a igreja. Sou uma pessoa vinculada a muitas fés e crenças, sabe? Não era esse meu ponto ali."

Meu ponto era: 'cara, não adianta você botar #prayforamazonia no Instagram e continuar consumindo carne que vem do desmatamento'

Agora, como consultora da ONU, ela quer engajar os jovens de outros países que fazem parte da organização, além daqueles que estão representados no grupo. E mais do que isso: Paloma quer ser ouvida.

"A gente brincou que queremos fazer um grande repositório de ideias para adiar o fim do mundo. Queremos ter esse relatório do fim do mundo para realmente conversar com os líderes mundiais e falar: 'ó, está aqui, não pode dizer que nunca leu porque estou te entregando em mãos. É uma questão de escolha, você vai garantir uma humanidade, a nossa existência ou vai escolher fazer parte desse projeto de morte?'. Acho que é por aí a nossa prioridade."

Paloma lamenta que nesses espaços de discussões internacionais e importantes tomadas de decisões haja poucas mulheres. "Então é uma briga louca, você tem que chegar 'chutando a porta', tem que gritar, porque é o único jeito de ser escutada."

Pryscilla K./UOL Pryscilla K./UOL

Emergência climática é "guarda-chuva" para outras crises

A ativista explica que a emergência climática se tornou uma ameaça à vida porque é o "guarda-chuva" para outras crises como sanitária, de aparecimento de novas doenças, e perda da biodiversidade no mundo. Por isso, seu combate é tão urgente.

"A única forma de libertar nosso futuro é começar a entender todas as questões que fazem a gente estar nesse estado de emergência climática. As crises são fruto da nossa relação com o meio ambiente. O mais impressionante é que todas elas foram multiplicadas por cem nos últimos 11 anos. Desde 1970 a gente produz dados, faz análises sobre desmatamento nos limites florestais, uso sustentável de energia e parece que nada disso é escutado."

A política de produção e distribuição de alimentos também se relaciona à causa. "Do jeito que a gente come, se a gente não morrer pelo clima, vamos morrer um pouco antes pelos agrotóxicos. Por isso, é super importante termos esse entendimento mais geral de sobrevivência."

O desmatamento que ocorre em virtude da pecuária, poderia estar alimentando grande parte da população, mas não, destrói a terra, na visão da ativista. "É o que a gente tem de mais precioso, que está em risco de se perder por causa da elevação dos níveis do mar. É uma situação muito complicada se você parar para juntar todos os pontos."

Ao analisar a situação brasileira, a jovem vê um cenário ainda pior. "Há um desmonte dos órgãos socioambientais, financeiro, de pessoal. É uma política realmente de morte. O nosso movimento é pela luta, pelo respeito às resistências, pelas formas de existir e pelo resistir." Diferentemente de prioridades estabelecidas em outras regiões, na América Latina, a ativista reforça que a preocupação é manter "a floresta em pé."

Ela espera, entretanto, que atuação do Grupo Consultivo se transforme em políticas globais.

Na base, estamos fazendo o trabalho necessário. Temos muito claro entre nós sete consultores, que se for só para gente compor foto para convencer a juventude [de que estão participando das decisões da ONU na luta climática], preferimos fazer outras coisas

Paloma Costa

Pryscilla K./UOL Pryscilla K./UOL

Visibilidade na carreira e discurso ao lado de Greta

Não à toa o ativismo de Paloma foi notado pela ONU. Seu trabalho tem se despontado entre os jovens que lutam pela causa climática na América Latina. A brasiliense é assessora no Instituto Socioambiental (ISA), instituição referência nesta temática no Brasil. Foi coordenadora do grupo de trabalho de clima da ONG Engajamundo, organização de liderança jovem, e responsável pela delegação de jovens que participou da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP) 25, em Madrid, em 2019.

No ano passado, também integrou um grupo selecionado para participar do Encontro Climático em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, para avaliar o progresso feito na implementação das metas estabelecidas pelo Acordo de Paris de 2015.

"Para essa reunião eles selecionaram 30 jovens ao redor do mundo. Depois esse grupo que a gente gosta de se chamar de 'super 30', começou a dar muita assessoria principalmente para a enviada especial da juventude [Jayathma Wickramanayake, ligada à ONU]", diz Paloma.

Todavia, sua conexão com a natureza é muito mais antiga. Paloma foi escoteira na infância e conta que saía distribuindo broncas se visse alguém jogando lixo na rua. "Minha mãe me ensinou sobre cuidado, sobre o fato do meio ambiente ser a casa que nos acolhe, a gente depende dele para estar vivo."

Na universidade, no curso de ciências sociais, quis se aprofundar na história do xamanismo e da relação das medicinas tradicionais com a conservação do meio ambiente. Interessada nas questões de justiça ambiental, migrou para o curso de direito. Alinhou as pontas de seu propósito de vida com a defesa dos povos indígenas, quando foi estagiar no Instituto Socioambiental (ISA).

"Sempre dediquei minha carreira a estudar essa questão da participação, do acesso à justiça ambiental e foquei muito na preservação. No ISA aprendi também a conectar tudo com os povos indígenas, com os povos tradicionais, os povos quilombolas", conta.

Em 2017, ela entrou para o Engajamundo, movimento criado na COP de Paris, que tem entre suas missões fazer com que os jovens tenham mais participação nas discussões internacionais. Hoje a organização conta com mais de 2 mil jovens e promove ações e formações para o enfretamento dos problemas sociais e ambientais do Brasil e do mundo.

A ideia de criar o Engajamundo foi muito para movimentar a juventude do Brasil em engajá-la para que a gente começasse a ocupar também esses espaços. Se a responsabilidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado é de toda a coletividade, até onde sei, faço parte.

Paloma Costa

Pryscilla K./UOL Pryscilla K./UOL

Yoga, curso de palhaço, bike e pintura

Praticante de yoga, Paloma também gostar de pintar, plantar, andar de bike, fazer artesanato e tatuar suas paixões pelo corpo. Um ipê, que representa as árvores do cerrado, na mão esquerda - Paloma é canhota - foi desenhado na Polônia, durante a COP 24.

"Eu levo aqui na mão que eu escrevo, que é a mão da luta, para que todas as palavras saiam com esse conhecimento ancestral que a gente traz da natureza." No braço direito, ela carrega os desenhos de um "mochilão" e uma bicicleta. Paloma chegou a ter um projeto chamado Ciclimáticos, em que ela percorria de bicicleta as comunidades mais vulneráveis para documentar os impactos das mudanças climáticas. Os tours foram suspensos por conta da pandemia do coronavírus.

Na entrevista feita para Ecoa, à distância, ela mostrou as bijuterias e vestido que usava confeccionados por lideranças indígenas. "Eu sou muito protegida, uma coisa de cada guerreira. É por isso que esses haters que aparecem, batem e voltam", ri.

Para pintar seus quadros, ela conta que usa tinta natural à base de terra que aprendeu a produzir nas comunidades indígenas. "Aí você coloca um tipo de colorante para dar outras cores, vai brincando de misturar, fazendo umas cores. Mas acaba que eu tenho mais tons rosas."

Como sempre gostou muito da área artística, também fez um curso de palhaçaria em Brasília. "Parece que ser palhaço é algo simples, né? Só fazer uma graça lá, mas pelo contrário, é super complexo. Tem que estar atento, sentir o público. Eu acho que isso até me ajuda muito nesse novo papel de fazer discurso."

Pryscilla K./UOL Pryscilla K./UOL

Conferência dos jovens da América Latina e consulta pública

Neste mês, Paloma está trabalhando em uma consulta pública com as comunidades indígenas e jovens da América Latina. O intuito é identificar o nível do impacto climático em seus territórios e entender quais as soluções, individuais ou coletivas, têm aparecido na base.

Outra empreitada de Paloma é a organização de uma conferência climática da juventude da América Latina que será realizada no ano que vem, em Buenos Aires, na Argentina. A ideia é reunir cerca de 3 mil pessoas, que estarão divididas nas delegações representando seus países, e pelo menos 500 jovens com os custos subsidiados.

Ela lembra que a princípio a ONU deveria fazer uma rotação dos países que sediam a COP, mas há vários anos os eventos têm ocorrido na Europa. No ano passado, o evento seria no Chile, mas foi transferido de última hora para Madrid, por conta das manifestações locais.

"Queremos fazer a conferência aqui para chamar a atenção para a nossa região. No ano passado foi muito triste todo mundo acompanhando a revolução democrática do Chile, mas quando a COP mudou para a Madrid, esqueceram. Parece que foi tudo resolvido."

Arquivo pessoal

Hamangaí foi 1a indígena do "Engaja" na COP

Hamangaí Marcos Melo Pataxó, 23, pertence à aldeia Caramuru Catarina Paraguaçu, da cidade de Cruz das Almas, do Recôncavo da Bahia, e estuda medicina veterinária na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

A estudante integra o Engajamundo há três anos, o que lhe permitiu a participação em alguns eventos sobre a luta climática. O mais importante foi em 2018, quando esteve na COP 24, na Polônia. Hamangaí foi a primeira mulher indígena do Engajamundo a participar de uma COP.

"Foi graças a uma parceria com a Instituto Socioambiental (ISA), por meio da Paloma, que conseguimos um financiamento para que eu conseguisse viajar. Nós já nos conhecíamos antes, mas ficamos muito mais próximas nessa viagem porque foram 16 dias juntas. Ela é sempre muito cuidadosa com os jovens, principalmente se for indígena. Nos ajudou com a tradução [de inglês para português] e outras orientações, ela tem sensibilidade, empatia e está sempre pronta para te escutar."

Hamangaí conta que na COP ela e Paloma fizeram parte do grupo de "ativismo" e seu papel era pensar em como poderia atuar levando a realidade dos jovens para esses espaços.

"Foi a primeira viagem internacional e eu não sabia que a Polônia fazia frio. Também passei sufoco com o fuso horário e com o fato de não falar inglês, mas a Paloma estava do meu lado o tempo todo", conta a indígena.

"O trabalho que ela desempenha precisa ser uma referência para todos os profissionais da área do direito. Ela é uma ponte de diálogo, de fortalecimento da luta. Agora dentro do conselho de juventude, ela é a nossa porta-voz, sabemos a quem recorrer para levar a realidade local dentro dos territórios. Ela tenta se aproximar à realidade indígena pelo amor à causa, é uma grande aliada", complementa Hamangaí.

A indígena se envolveu na temática, após sentir como os efeitos da emergência climática dentro da própria aldeia. "A fata da água potável cada vez mais se agrava. Muitos rios já não têm água e peixe como antigamente. As secas estão cada vez mais intensas, isso prejudica o plantio."

Hamangaí conta que a seca que assolou o Nordeste em 2015, escasseou a água do rio do fundo da sua casa em Cruz das Almas. "Ficou terra pura, tivemos muita dificuldade para tomar banho, lavar roupa, tínhamos de esperar o caminhão pipa chegar para nos abastecer. Uma tristeza ver o rio naquele estado. Víamos os anciões ir para beira do rio rezar pedindo chuva e animais descendo da mata em busca de água."

Para ela, Paloma além de grande amiga, é referência para os jovens que se preocupam com as questões ambientais.

Ela nos dá esse gás e mantêm viva a chama da juventude, ela tem a potência da mulher jovem nesses espaços que são dominados por homens. Hoje ela leva nossa voz e nossa realidade. Leva nossa luta para as palestras e eventos, reconhece a causa indígena como se fosse a dela. Vai voar cada vez mais longe.

Hamangaí Pataxó, jovem indígena e ativista sobre Paloma Costa

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