Já são mais de dois meses desde o dia em que o Instagram sofreu um "apagão". Naquele dois de junho, personalidades inicialmente da música, mas também da moda, cultura, esportes e política publicaram uma foto completamente preta, numa hashtag que reuniu milhares de adeptos, a #BlackOutTuesday. O objetivo era chamar a atenção para o assassinato de George Floyd, homem negro morto por um policial branco em Minneapolis, nos Estados Unidos. Uma pauta racial, sem dúvida. Na esteira dos protestos pela morte de Floyd, essas mesmas indústrias se viram no meio de um furacão de cobranças: onde estavam as pessoas negras?
Na moda brasileira, um perfil específico abalou a pretensa calmaria. O perfil "Moda Racista" reuniu 40 mil seguidores desde março, e ganhou fôlego após o #BlackOutTuesday. A página anônima questionava, além da quantidade de pessoas negras na indústria da moda, o tratamento que era dado a trabalhadores, principalmente por parte de grandes nomes. O perfil foi excluído após o estilista Reinaldo Lourenço ser apontado em uma das postagens e entrar na Justiça.
As denúncias em redes sociais ganharam força nos últimos tempos, mas há aqueles que também se dedicam a tentar mudar realidades fora do celular. É o caso de Regina Ferreira, criadora, CEO e dona da Hutu Casting, uma agência especializada em modelos negros para publicidade, campanhas e eventos. "Achei muito importante o Moda Racista. Mas para ele voltar, pode ser complicado. Deve ser alguém do meio que cansou, que pensou que aquilo deveria mudar. Eu espero, de coração, que alguma coisa mude. De tudo que a gente vive, não dá para dizer que agora vai mudar tudo", avalia Regina.
Ela criou a Hutu depois de anos envolvida com o mundo da moda, principalmente com eventos, de salão de automóveis a ativação de novos produtos. Nos corres que fez, aprendeu não só a lidar com o trabalho que todo mundo vê ("não é só pagar de bonita"), mas observou como é a produção e também o desenvolvimento. Assim, começou a ser chamada para a função de produtora, momento em que se viu criando seu próprio "casting pessoal", chamando as jovens para estarem no lugar que ela costumava ocupar.
"Mas sempre rolava uma desculpa. Tinha uma parada, que eu acabei pegando ranço, que é 'diversidade'. Sempre havia devolutiva do casting porque diziam que buscavam algo diverso: uma loira, uma morena, uma ruiva, uma oriental e uma negra. Ou seja, maioria branca. Mas não iria adiantar eu falar", relembra.
Ela, que fez seu nome e carreira correndo sozinha, ganhando muitos elogios mas poucos trabalhos como modelo, se viu abrindo uma agência. Uniu o útil ao agradável: gostava de eventos, gostava de pessoas e de delegar funções. Nos trabalhos que fez como produtora, viu sua lista de contatos pessoais aumentar, com meninas "ponta-firme", que honravam os trabalhos e mantinham a confiança dos contratantes em Regina.
Com a consolidação da Hutu, Regina viu algumas pessoas torcerem o nariz para o seu trabalho: "Começaram a se incomodar com a Hutu ser prioridade. Mas não era uma questão de escolherem as modelos da Hutu, era uma questão de poder, de verem uma mina preta fazendo esse trabalho todo", avalia.