"Fui diagnosticada aos sete anos, sendo a sexta criança com a doença falciforme em casa. Devido a medicamentos errados, até então eu havia recebido tratamento para reumatismo, o que me gerou complicações ósseas. Minha mãe já tinha perdido cinco filhos e ficou desesperada quando soube, porque ela levava toda a culpa quando as crianças morriam: falavam que era negligência, que ela não nos alimentava direito. Só que a negligência não era dela.
Infelizmente, com 36 anos ela faleceu. Aos 14, tive de aprender a cuidar de mim e da minha irmã de dez, que também tinha a doença. A situação piorou muito pra gente: meu pai arrumou uma madrasta que não entendeu nossa condição e me colocou para trabalhar em casa de família, o que prejudicou ainda mais minha parte óssea, porque eu carregava criança, lavava roupa. Foi uma época em que parei o tratamento, parei de estudar, sofri um AVC, usei muleta... Tive uma adolescência tão difícil que cheguei a tentar suicídio. Até que minha irmã contraiu hepatite em uma transfusão errada. Aí eu falei: "ou a gente aprende a se cuidar ou não vai longe".
A doença falciforme é das mais antigas e comuns no país. Todos podem ter, mas devido a sua origem o número de pessoas negras com ela é maior. O primeiro caso no Brasil foi diagnosticado em 1910, mas só conseguimos políticas públicas em 2005. Sabemos de situações em que homens negros chegaram ao hospital gritando de dor e chamaram a polícia achando que eram 'drogados'; em que chegaram infartando e acharam que era bebedeira...
A falta de escuta e de um olhar humanizado vão causando sequelas irreversíveis. Por isso, quando a gente fala da necessidade de uma política nacional de saúde da população negra, os profissionais têm de entender que não é que queremos um tratamento diferenciado. O que a gente quer é um tratamento igualitário."