Semeando a biodiversidade

Fundadores do IPÊ, Suzana e Claudio Padua salvaram mico-leão-preto da extinção e hoje atuam em vários biomas

Lia Hama Colaboração para Ecoa, de São Paulo (SP) Claudio Rossi/Divulgação

"A história do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas começou quando eu e meu marido fomos morar no Pontal do Paranapanema, no interior de São Paulo, no final dos anos 80. Claudio é biólogo e foi chamado para participar de um projeto para salvar o mico-leão-preto da extinção. Na época, o mico estava na lista das 10 espécies mais ameaçadas do mundo. Até então eu era designer e levava uma vida 'quadradinha' no Rio de Janeiro.

No Pontal, comecei a trabalhar para sensibilizar a população local para a importância da Mata Atlântica e para tornar o mico uma espécie símbolo de conservação. Percebi a importância de envolver as pessoas locais na conservação das riquezas naturais e me apaixonei por essa área.

Conservação é um tema complexo. É preciso ter uma visão sistêmica para proteger uma espécie ou um recurso natural. É fundamental envolver a comunidade no trabalho de conservação ambiental. Também é preciso dar alternativas de renda para que as pessoas vivam dignamente.

O que era um trabalho inicialmente voltado para a conservação de uma espécie foi se expandindo para outras áreas: educação ambiental, geração de renda, desenvolvimento sustentável, reflorestamento, planejamento da paisagem e influência em políticas públicas. Trinta anos depois, são cerca de 100 profissionais atuando em 30 projetos espalhados por quatro biomas: Mata Atlântica, Amazônia, Pantanal e Cerrado."

Começo de tudo: mico-leão-preto

Aos 71 anos, a carioca Suzana Padua é cofundadora e presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, uma das maiores ONGs ambientais do país, com sede em Nazaré Paulista, no interior de São Paulo. O instituto foi criado há 30 anos por ela, o marido - o biólogo, pesquisador e educador Claudio Padua -, e um grupo de estudantes e jovens pesquisadores. O primeiro e mais emblemático projeto de pesquisa científica deles foi o de conservação do mico-leão-preto no Pontal do Paranapanema, no oeste paulista. Graças ao trabalho deles, a espécie que só existe naquela região passou de "criticamente ameaçada" para "ameaçada" na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza.

Para proteger o mico-leão-preto e as matas remanescentes na região, foi preciso fazer um trabalho de educação ambiental e oferecer alternativas de renda à população do entorno, formada em grande parte por assentados do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). "Oferecemos a possibilidade de essas pessoas viverem dignamente e, ao mesmo tempo, beneficiarem a natureza. O melhor exemplo são os viveiros comunitários, tocados muitas vezes por famílias. Elas produzem mudas de espécies da Mata Atlântica que o IPÊ compra para usar em projetos de reflorestamento", conta Suzana. "Com o dinheiro do viveiro, essas pessoas conseguem melhorar de vida. Uma senhora está mandando as duas filhas para a universidade."

A ONG ensina os assentados a criarem sistemas agroflorestais em pequenas propriedades, que combinam a produção agrícola com a regeneração de florestas.

Eles aprendem a plantar o café orgânico, de sombra, que é o produto de venda deles, e também outras espécies, como pés de mamão e de abacaxi, que melhoram a qualidade da alimentação das famílias. Com isso, ao mesmo tempo em que ganham uma fonte de renda, eles trazem de volta a biodiversidade à região

Suzana Padua, cofundadora do Instituto de Pesquisas Ecológicas

Pantanal, Cerrado e Amazônia

Ao longo dos anos, o instituto expandiu sua área de atuação para além da Mata Atlântica e passou a incluir também Pantanal, Cerrado e Amazônia. Hoje são 100 profissionais que atuam em 30 projetos por ano com a missão de desenvolver e disseminar modelos inovadores de conservação da biodiversidade. Todos os anos, cerca de 12 mil pessoas são beneficiadas diretamente com as ações nos quatro biomas.

Entre as realizações do IPÊ estão: 5,4 milhões de mudas de árvores plantadas na Mata Atlântica; a criação do maior banco de dados da anta brasileira; o monitoramento da biodiversidade de 18 unidades de conservação da Amazônia com a participação das comunidades locais; a adoção do programa de educação ambiental pelas escolas da região do Pontal do Paranapanema; o projeto Semeando Água, de proteção de nascentes e mananciais do Sistema Cantareira, que é realizado em parceria com a Petrobras e foi premiado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) no mês passado.

Diferentemente de outras organizações que focam em dar visibilidade aos problemas e gerar indignação e mobilização popular, o IPÊ se destaca pela busca por soluções. "É uma organização que desenvolve, pratica, publica, ensina e divulga soluções voltadas para a conservação da biodiversidade brasileira", afirma Roberto Waack, presidente do conselho do Instituto Arapyaú. "O IPÊ usa um capital intelectual e acadêmico impressionante, voltado para o desenvolvimento de ciência, com pesquisas e uma conexão fortíssima com a inovação. Ele não só desenvolve, como aplica esse conhecimento em campo", acrescenta o especialista.

O Instituto Arapyaú é parceiro do braço de pós-graduação do IPÊ, cujo curso de mestrado profissional foi reconhecido em 2008 pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), do Ministério da Educação. O curso foi criado a partir de um aporte financeiro de 6,8 milhões de reais realizado por Guilherme Leal e Antônio Luiz Seabra, fundadores da empresa de cosméticos Natura. A Escas (Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade) também oferece outros cursos curtos e de pós-graduação. Mais de 7 mil alunos já passaram pela instituição, que busca formar profissionais para dar escala às ações de proteção da biodiversidade brasileira.

Claudio Rossi/Divulgação Claudio Rossi/Divulgação

Parceria de 18 anos

A capacidade de estabelecer parcerias e trabalhar em rede é uma das características do instituto que mais chamam a atenção. Atualmente são 20 parcerias com a iniciativa privada. O caso mais conhecido é o das sandálias Havaianas IPÊ estampadas com imagens da fauna brasileira produzia pela tradicional marca da Alpargatas. No total, 57 espécies, incluindo tucano, onça-pintada e mico-leão-preto, foram representadas nos 18 anos de parceria que teve 7% das vendas revertidos para financiar projetos da ONG.

Suzana sonha em estabelecer uma parceria semelhante com a Hering. "Assim como a Havaianas, a Hering é uma marca brasileira que veste todas as camadas sociais, dos mais ricos aos mais pobres. Por conta disso, é um veículo extraordinário de comunicação. Seria ótimo se ela pudesse promover a biodiversidade brasileira em suas camisetas", defende.

A educadora costuma levar Havaianas às reuniões que agenda em busca de financiamento para projetos do IPÊ: "Ligo para a secretária do diretor da empresa e pergunto que número os dois calçam. Aí levo os chinelos de presente para mostrar que, se a Havaianas está com a gente há 18 anos, vale a pena me ouvir", explica a educadora, que enxerga um grande potencial de ampliar parcerias por conta da onda corporativa do ESG (sigla em inglês para boas práticas nas áreas ambiental, social e de governança).

Divulgação Divulgação

Espalhando sementes

Desde o início da trajetória do IPÊ há 30 anos, Suzana e Claudio contaram com o apoio de muitos estagiários, que desenvolveram seus próprios projetos de pesquisa sob a supervisão deles. Muitos continuam no instituto até hoje e se tornaram cientistas premiados.

É o caso do engenheiro florestal Laury Cullen Jr., que coordena na região do Pontal do Paranapanema o plantio do maior corredor já reflorestado no Brasil e foi premiado em 2002 com o Whitley Gold Award, considerado o Oscar da conservação da biodiversidade. Em 2020, outras duas pesquisadoras do IPÊ foram premiadas: Patricia Medici, por sua atuação para a conservação da anta brasileira, e Gabriela Rezende, ex-aluna de Claudio (também vencedor do "Oscar verde") que coordena hoje o programa para conservação do mico-leão-preto.

Para Suzana, a equipe de pesquisadores e alunos são o maior legado deixado pela ONG. "O IPÊ hoje é uma instituição forte porque nós incentivamos o crescimento profissional de cada indivíduo dentro da área em que ele ou ela vibravam e para a qual tinham talento. Hoje eles espalham essas sementes da proteção da biodiversidade pelo mundo afora, o que nos enche de orgulho."

João Marcos Rosa/Nitro João Marcos Rosa/Nitro

'Não imaginava que poderia ir tão longe'

"Fui a primeira pessoa da minha família a entrar na faculdade e hoje faço doutorado em meio ambiente e desenvolvimento regional", conta o técnico em agropecuária e biólogo Haroldo Borges Gomes, 43. Morador do assentamento Haroldina no Pontal do Paranapanema (SP), Haroldo ingressou no IPÊ há 21 anos e hoje atua na implementação dos corredores ecológicos e dos sistemas agroflorestais.

A mulher de Haroldo, Juliana, cuida de um dos nove viveiros comunitários da região que fornecem mudas para projetos de reflorestamento do IPÊ.

"Com a renda, conseguimos pagar a faculdade de enfermagem para nossa filha. Quando eu morava em uma barraca de lona em um acampamento de sem-terra nos anos 90, não imaginava que poderia ir tão longe."

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