Juventude pelo campo

Luiz Cesar incentiva o protagonismo jovem em busca de melhores condições no sertão alagoano

Maiara Marinho Colaboração para Ecoa Reprodução/ Ashoka

"Cresci ouvindo dos mais velhos a frase 'ou você come, ou você estuda'. Nesse sentido eu agradeço muito a meus pais por terem me dado a oportunidade de estudar. Mas durante o caminho, o percurso foi difícil. Meus pais são agricultores e minha família sempre foi pobre. Quando eu ia para a escola, eu via o menininho lá com as suas coisas, com material bom, que infelizmente meus pais não tiveram condições de oferecer por causa da nossa realidade. Eu sabia que minha única solução era transformar meu estudo em uma ferramenta para conseguir alcançar meus objetivos.

Moro na Pedra Miúda, zona rural de Mata Grande, onde há cerca de 50 casas e todos são da mesma família. Mas eu estudava na cidade e o meu sonho era ir para a faculdade. Desde cedo eu já estava vendo a chance de realizar meus sonhos sendo suprimida porque o acesso ao transporte era muito precário. Quando chovia, a estrada ficava esburacada, era inviável ir para a escola e a prefeitura não ligava. A gente ficava semanas sem ir para a escola. Muitas vezes eu, meus irmãos e meus primos tínhamos de ir a pé. Sofremos bullying porque quando a gente chegava a pé, como a estrada estava cheia de barro, a gente ficava cheio de terra e as pessoas faziam zoação.

Quando meus pais viram que a gente estava sofrendo, fretaram um transporte. Meus primos não conseguiam ir para a escola porque meus tios não tinham condições de arcar com os custos. Então, juntamos um grupo de jovens e fomos até a porta da Secretaria Municipal de Educação cobrar por transporte escolar decente. Foi aí que começou a surgir o Visibilidade da Juventude Rural."

Reprodução/ Ashoka

Quando eu estudava no ensino médio, eu tinha muitos amigos que disseram que iam entrar na faculdade. Hoje, da minha sala naquela época, de 30 e poucos alunos, só eu consegui entrar em uma Universidade Federal. Isso acontece porque muitos falam, quando entram no comércio, quando começam a trabalhar, que vão estudar, mas infelizmente a realidade não permite porque o salário é pouco e são dois turnos de trabalho.

Luiz César, criador do Visibilidade da Juventude Rural

Reprodução/ Ashoka Reprodução/ Ashoka

Um caminho de barro levava até a escola

Mata Grande é um município alagoano localizado em uma microrregião serrana do sertão. Com cerca de 25 mil habitantes, a cidade é a maior do estado em extensão. Luiz César, 20 anos, um dos idealizadores do projeto Visibilidade da Juventude Rural, é quilombola e reside no quilombo Pedra Miúda, na zona rural de Mata Grande, junto com sua família. Para ir à escola, percorria cerca de 8 km até a cidade. Boa parte desse percurso fazia pelo transporte escolar, mas nem sempre ele estava disponível.

Quando chovia, as estradas pelo caminho ficavam cheias de buracos e o ônibus não conseguia passar. Então, era bastante comum que as crianças daquela região ficassem semanas sem ir à escola. Para não perder o ano escolar, Luiz, seus irmãos e primos faziam o trajeto caminhando, mas era bastante cansativo. Pela distância e também porque se sujavam de barro por todo o caminho. Quando chegavam, eram motivo de piadas entre os colegas e ficavam com terra úmida nos pés até retornar para a casa.

Cansados física e emocionalmente da situação, os jovens entre 10 e 15 anos, entre eles Luiz, aos 12, começaram a se reunir para pensar no que poderiam fazer para ter a garantia do acesso ao transporte escolar. Decidiram ir até a Secretaria Municipal de Educação de Mata Grande, bateram na porta do prefeito e pediram que resolvesse o problema. "Eles fecharam a porta na nossa cara", conta Luiz. "Então voltamos e começamos a nos reunir constantemente."

Quando a gente conquistou o transporte não quis mais parar. Olhamos ao nosso redor, para a nossa comunidade, vimos tantos problemas pelo trabalho infantil, violência das mulheres, preconceito, bullying, e a gente falou 'não, isso é um problema e a gente não pode esperar pelo executivo, a gente não pode esperar pelos políticos'. Foi quando a gente começou a estruturar o nosso grupo. Diante disso, a gente começou a realizar muitas ações.

Luiz César, criador do Visibilidade da Juventude Rural

Reprodução/ Ashoka Reprodução/ Ashoka
Reprodução/ Ashoka

Da luta pelo transporte à criação de um projeto social

Os jovens não ficaram satisfeitos com a atitude do prefeito. Na época, em 2014, foram tratados com hostilidade. "Sabe quando uma pessoa fica até com vergonha, porque nos trataram tão mal, tão mal que a gente abaixou a cabeça." Apesar disso, não desanimaram. A ONG internacional Visão Mundial foi quem auxiliou a partir daí.

"Começamos a participar de capacitações, palestras sobre os direitos de crianças e adolescentes, formações, encontros, e começamos a saber dos nossos direitos e deveres. Chegou um momento em que a gente já sabia que o direito ao transporte escolar é um direito garantido, um direito nosso", comenta Luiz. Com isso entendido, foram mais uma vez até a prefeitura da cidade e aí "bateram na nossa cara novamente".

Desde então os jovens continuaram pedindo pela melhora no transporte escolar. Conseguiram um tempo depois. "Não melhorou 100%, mas apaziguou bastante". Todo esse contexto despertou um sentimento de esperança e serviu como aprendizado para realizar ações e atender outras demandas da população jovem rural de Mata Grande.

A Visibilidade da Juventude Rural nasceu de uma necessidade de crianças e adolescentes que viviam em quilombos, se transformou em uma ferramenta educativa, sustentável e presente em espaços de decisão e elaboração de políticas públicas.

Os jovens têm muita vergonha de dizer que são do campo, muitos têm vergonha de dizer que são agricultores, isso tudo não por eles, mas pelo contexto, pela realidade. Pela desvalorização da agricultura e pelo preconceito. Eu acho que está tendo um êxodo muito grande de jovens saindo do campo para ir para as grandes cidades.

Luiz César, criador do Visibilidade da Juventude Rural

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Transformando outras vidas

Hoje, oito anos depois, muita coisa mudou. Luiz César realizou o sonho de cursar o ensino superior. Estudante de Geografia na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), o jovem lamenta não ser assistido pelo auxílio para quilombolas, já que somente 15 bolsas para esta modalidade foram oferecidas em todo o estado de Alagoas devido aos cortes na educação superior pública nos últimos anos. Contudo, Luiz recebe um auxílio de outra modalidade na UFAL. Além disso, trabalha como estagiário em um banco e dá conta de pôr em ordem os desejos e as necessidades.

No Visibilidade da Juventude Rural ele e outros 14 integrantes desenvolvem diversas iniciativas de acordo com o que exige a realidade dos jovens em Mata Grande. Entre algumas delas estão palestras nas escolas da região sobre homofobia, violência contra a mulher, abuso infantil e prevenção ao suicídio.

Já a ação Criança Feliz busca trazer alegria e descontração. "Além de distribuir brinquedo anualmente com kit escolar, kit de lanche, também realizamos um encontro com brincadeiras, proporcionando a infância de fato que muitas delas não têm. Isso é impagável", comenta Luiz.

Na Semana do Meio Ambiente, o grupo costuma realizar o projeto Tá calor, planta uma árvore!, em que distribuem centenas de mudas e presenteiam as famílias locais. No dia 19 de junho realizaram mais uma atividade de São João e distribuíram bolo de milho para comemorar o dia e levar um pouco de alegria para as casas das pessoas.

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Arquivo pessoal

Reconhecimento e engajamento político

Ninguém poderia ficar de fora das ações solidárias do grupo —nem mesmo os cães. Os jovens criaram o projeto Visibilidade dos Cachorros de Rua. "Na minha cidade havia muitos animais de rua doentes, passando fome e eram invisíveis. As pessoas passavam, as autoridades passavam, e não faziam nada. A gente começou a levar ração para eles."

Luiz relata que depois de postar algumas imagens nas redes sociais, conseguiram formalizar um projeto na Câmara de Vereadores de Mata Grande e, graças a isso, o município tem hoje um canil.

Os passos dados pelos jovens do Visibilidade da Juventude Rural resultaram em uma série de parcerias, financiamentos e premiações. Atualmente Luiz é Conselheiro Estadual de Juventude -ele representa toda a Juventude do Alto sertão de Alagoas no CONJUVE-AL.

Para realizar a compra de kits para as ações nas escolas, comida e brinquedos, os jovens contam com o apoio de alguns financiamentos oferecidos por outras ONGs apoiadoras e sindicatos, além de uma poupança que fizeram ao longo de um período em que a prefeitura de Mata Grande oferecia um valor mensal de R$ 500 para ajudá-los. Apesar de não receber mais o apoio financeiro, Luiz fala que "a gente tem uma abertura muito boa do executivo".

No ano passado, Luiz foi um dos indicados na categoria Jovem Transformador da rede Ashoka. O grupo também foi convidado, recentemente, para ser mobilizador de juventude pelo município de Mata Grande pelo Núcleo de Cidadania de Adolescentes (Nuca), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).

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Influência positiva

Maria Tainá tem 15 anos e é estudante do primeiro ano do ensino médio. Moradora da zona rural de Mata Grande, ela conheceu o Visibilidade da Juventude Rural em uma palestra realizada durante o Setembro Amarelo sobre prevenção ao suicídio, em 2017. A jovem conta que nunca se sentiu ouvida a respeito de suas dores e que a atividade a ajudou a respeitar seus sentimentos e expandir as intenções de vida para além daquela realidade cheia de restrições.

"A palestra me deixou emocionada. Eles perceberam e depois vieram falar comigo, me ouviram e me abraçaram", conta Maria Tainá. Ela diz que, por ser uma mulher pobre do sertão, acreditava que as opções de profissão se restringiam a trabalhos marcados pela desvalorização e estigmas de classe, mas mudou o seu ponto de vista. "Por meio desse projeto, das ações que ele faz, que hoje sei que eu posso ser o que eu quiser."

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