"Nos anos 1990 eu já era pescador e trabalhava aqui, na ilha de Itaparica, litoral da Bahia, filiado à colônia de pesca, só que eu não tinha nenhuma consciência sobre ecologia - na verdade, essa palavra nem existia no nosso vocabulário.
Eu ia pro mar e, como todo pescador, trazia de lá tudo o que eu pudesse para comercializar e levar sustento à minha família. E o principal pescado era a lagosta, mesmo que de fêmeas ovadas. Alguns ainda me chamavam a atenção. 'Pô, Zé, você pesca lagosta ovada, assim vai acabar'. E minha resposta era sempre a mesma que de outros colegas: 'Se eu não pegar, outro pega!'
Quem me despertou para essa questão foi minha filha, Janaína. Ela tinha cerca de oito anos, apenas, quando me fez perceber que a forma com que eu trabalhava era errado.
Foi assim: um dia, ao voltar da pesca, enquanto eu separava os peixes, polvos e lagostas, Janaína se aproximou e viu uma das lagostas com bolinhas amarelas na barriga. Respondi que eram ovas. Ela insistiu na conversa, querendo saber o que eram 'ovas', afinal. Eu já sem paciência, cansado após um dia todo de trabalho, disse que cada bolinha daquela era um filhote.
Foi naquele instante que tudo começou a mudar. O olhar dela era de decepção ao perguntar porque eu não esperava os filhotinhos da lagosta nascerem primeiro. Isso foi muito forte para mim. Eu não queria deixar na memória dela a imagem de que seu pai era um destruidor da natureza e isso me abriu os olhos para a pesca predatória que eu, e também meus colegas, praticávamos. O sentimento de sustentabilidade veio antes de aprender essa palavra."