O sertão vai virar mar
A oceanógrafa Ana Luzia Lacerda, 29, encontrava baleias e pinguins nadando ao redor de icebergs gigantes quando abria a janela do quarto. Eles eram os seus vizinhos durante os 30 dias em que trabalhou a bordo do navio "Almirante Maximiano", na Antártida. Ela pesquisa o impacto dos microplásticos nos oceanos e faz pós-doutorado em biodiversidade na Universidade Federal do Rio Grande (Furg), no Rio Grande do Sul.
Viajou para o continente mais frio do planeta como integrante do Ecopelagos, projeto da Furg financiado pelo Programa Antártico Brasileiro (Proantar). Lá, a cientista coletou amostras de organismos como fungos e bactérias em pedaços minúsculos de polímero há mais de um ano, entre fevereiro e março de 2020.
Embora estude o mar, Ana Luzia nasceu em uma cidade distante do oceano, na região do Cariri, no interior do Ceará. Na cidadezinha de Mauriti (CE), onde cresceu, a água é um recurso escasso e muito apreciado pela população. "É uma região muito pobre e seca", define.
Tão longínqua que Ilda, a mãe de Ana Luzia, viajava de ônibus diariamente até a universidade em uma cidade vizinha para estudar. Sua mãe se formou em letras com habilitação em português e inglês e morreu de um aneurisma cerebral quando Ana Luzia tinha 11 anos. O tempo não diminuiu a admiração da filha pela mãe. "Ela estudou e foi atrás dos sonhos, aproveitou as oportunidades", conta.
Inspirada em Ilda, Ana Luzia tinha em mente sair do interior e alçar novos voos. Ela conseguiu. A oceanógrafa desenvolveu ao lado de outros pesquisadores brasileiros e estrangeiros um estudo pioneiro sobre microrganismos associados aos plásticos nos mares. E chegou até a explorar o oceano da inóspita Antártida.