Na Antártica é possível distinguir e pensar sobre a natureza do silêncio. Não há qualquer ruído a centenas de quilômetros. O silêncio, então, torna-se uma espécie de som cuja característica é sua ausência. "Qual é o ruído do silêncio?", costumam-se perguntar cientistas que vão até lá pela primeira vez. Com um pouco de concentração, é possível identificar que, na verdade, há nele um metrônomo tímido, incapaz de ser ouvido na cidade: os batimentos do próprio coração.
A sensação é descrita pelo cientista Francisco Eliseu Aquino, geógrafo, doutor em climatologia, diretor do Centro Polar e Climático, e estudioso do aquecimento global e da formação de ciclones no continente gelado - e de seus impactos no meio ambiente. Os estudos feitos por ele acontecem na Criosfera 1, uma base científica instalada a mais de 2.500 km da Estação Antártica Brasileira Comandante Ferraz e a 670 km do polo sul. Chegar lá tem uma distância equivalente a sair de São Paulo e ir até Buenos Aires pelo continente adentro.
O termo "base científica" faz a Criosfera parecer uma instalação com design high-tech. Na verdade, a base desenvolvida pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) foi inaugurada em 2012 e lembra mais um container vermelho e rodeado por pequenas barracas de acampamento - duas para dormitório, uma para cozinha e outra para o banheiro, sem chuveiro.
Na ausência de um hotel - ou qualquer outra infraestrutura -, é o lugar mais confortável para se hospedar. A base tem placas de energia solar e eólica para gerar energia elétrica e aquecimento. Há instrumentos meteorológicos para calcular a umidade relativa do ar, pressão atmosférica, irradiação solar, concentração de dióxido de carbono e a deposição de neve. Os dados são enviados por satélite.
A estrutura abriga cientistas e expedições que duram de 15 a 60 dias. É possível pelo menos pegar uma sombrinha lá dentro: durante o verão, os dias antárticos não têm noite. Faz sol durante 24 horas. Também é aconchegante contra o frio. Os pesquisadores já enfrentaram temperaturas que chegaram a - 47º C. A saída possível é derreter a neve para passar um café.
A base parece distante, como uma colônia espacial, mas os fenômenos que a flagelam estão chegando até nós de maneira cada vez mais drástica. O aquecimento da Terra tem provocado um degelo cada vez mais acelerado - este ano, a temperatura ultrapassou os 20ºC, um recorde histórico. E o que significa esse cenário? Que os ciclones devem aumentar em frequência e agressividade nos próximos anos, como o "ciclone bomba" que abalou a região sul do Brasil entre o final de junho e início de julho.