"A memória é a melhor arma humana contra a barbárie", diz Paulo Abrão. Em entrevista exclusiva a Ecoa, o ex-secretário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) remonta seu tempo de presidente da Comissão da Anistia do Brasil, entre 2007 e 2016, para conversar sobre uma ousada e importante política pública no processo de reparação às vítimas da ditadura militar no Brasil: as Clínicas do Testemunho.
"Tudo começa com a nossa constante obsessão de aplicar para o caso brasileiro as diretrizes internacionais, as quais estabelecem que a reparação deve ser integral: econômica, simbólica e psíquica", afirma. "A criação das Clínicas foi um dos passos importantes para transformar nossa cultura do esquecimento. Eu acredito que a gente pode se apropriar destes erros e acertos para enfrentar o autoritarismo do presente. E, quem sabe, a gente possa construir uma nova história em que a gente responda aos estados de impunidade com justiça e memória."
Iniciadas em 2013 e descontinuadas no governo Michel Temer (MDB), as Clínicas do Testemunho foram uma iniciativa que previa atendimento psicológico às pessoas que foram afetadas direta ou indiretamente pela violência de Estado. Idealizada primeiramente para as vítimas da ditadura militar, o projeto se desenvolveu para atender também pessoas que sofreram violência policial.
Os objetivos principais eram três. Primeiro, cumprir o dever do Estado de promover a reparação psíquica ou, pelo menos, dar à população a oportunidade de processar esses acontecimentos brutais. Segundo, capacitar profissionais públicos para lidarem com as particularidades do tratamento de saúde mental de pessoas que foram afetadas pela experiência ditatorial. Terceiro, a partir da reflexão sobre os traumas da violência do passado, explorar quais são as continuidades ou padrões que se repetem no presente, de forma a estimular que as pessoas se posicionem contra a violência institucional do país sem dar margem às ideologias autoritárias que geraram este estado crítico de violência.