Oásis embaixo d'água
No arquipélago mais distante do litoral brasileiro, uma área única, submersa nas profundezas do oceano, foi descoberta. Nenhuma região de todo o planeta se compara a ela.
No arquipélago mais distante do litoral brasileiro, uma área única, submersa nas profundezas do oceano, foi descoberta. Nenhuma região de todo o planeta se compara a ela.
Passando 17 metros da superfície do mar, a 1.140 quilômetros da costa de Vitória (ES), grandes montanhas aparecem. São recifes de corais com até 70 metros de altura embaixo do mar - considerado um verdadeiro oásis graças à quantidade de vida encontrada ali, mesmo em um local tão remoto.
Encontramos uma grande quantidade de peixes, que pode ser considerada a maior do Brasil e uma das maiores do Atlântico."
Hudson Pinheiro, um dos coordenadores do estudo, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza e do Centro de Biologia Marinha da USP
Mas o mergulho até lá é delicado. As complicações eram muitas: a partir dos 40 metros de profundidade, os gases que respiramos se tornam extremamente tóxicos. O oxigênio, por exemplo, pode causar convulsões e, consequentemente, afogamentos.
Os pesquisadores, então, contaram com equipamentos comparados aos de astronautas, ainda pouco utilizados no Brasil. Como o "Rebreather", trazido dos Estados Unidos, que "recicla" a respiração dos mergulhadores e consegue mudar a composição dos gases respirados conforme a profundidade explorada.
Com tudo pronto, era hora de mergulhar.
"É impressionante", assim Hudson descreve o que viu lá embaixo. Ele conta que é como se todo o ambiente fosse uma grande esponja, cheia de buracos, com cavernas que os pesquisadores até conseguiram adentrar.
Já os cumes destas montanhas submarinas são planos, cobertos de rodolitos, as chamadas "rochas vivas", que foram construídas ao longo dos anos por algas coralinas. Por causa dessa estrutura, os pesquisadores batizaram a descoberta de "Colinas Coralinas".
Estima-se que essas estruturas foram formadas 20 mil anos atrás, na última Era do Gelo, quando o nível do mar era 120 metros mais baixo que o atual. Toda a região estava exposta e foi encoberta com a subida da água.
Ficou tudo muito bem preservado lá. É muito interessante porque a gente tem visto que quanto mais distante os ambientes estão do centros urbanos, dos seres humanos, maior as chances de encontrar ambientes mais preservados."
Hudson Pinheiro, um dos coordenadores do estudo, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza e do Centro de Biologia Marinha da USP
A região se tornou a casa de uma grande quantidade de espécies marinhas. Hudson diz que quando começaram a comparar com outras regiões, perceberam que este local tem a maior concentração de peixes por metro quadrado no Oceano Atlântico.
A população de tubarão-lixa, que está ameaçada de extinção por ser uma espécie muito pescada, chega a ser 14 vezes mais numerosa ali, por exemplo.
Esta é a terceira vez que os pesquisadores mergulharam até a região. Durante todas as viagens, 104 espécies de peixes foram encontradas. 12 delas só existem ali.
Esse novo ecossistema é visto como uma esperança pelos pesquisadores quando o assunto é o impacto do aquecimento global. Isso porque eles perceberam que espécies que costumam viver em áreas rasas, se adaptaram bem às profundezas das Colinas Coralinas.
Dados do observatório do clima da União Europeia, divulgados no começo de março, mostraram que batemos o recorde de calor pelo 9º mês consecutivo em fevereiro. Outro recorde preocupante é o da temperatura média da superfície dos oceanos, que chegou a 21,06°C.
Mais quente do que nunca.
Ecossistemas profundos são aliados no combate às mudanças climáticas porque a temperatura lá embaixo é mais estável. Os recifes de corais rasos sofrem mais. Por isso é importante preservar os ambientes profundos, eles servem como uma fonte de espécies que podem repovoar áreas do oceano depois."
Janaína Bumbeer, gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário, que financiou o estudo
Mas a área também gera preocupação. Apesar de ainda bem preservados, foi possível encontrar vestígios de pesca nos recifes. Além disso, esta é uma região muito visada pela mineração de calcário marinho, que é utilizado como fertilizante em monoculturas.
O risco é que estas atividades humanas acabem com esse "laboratório submerso", que não só são importantes para o equilíbrio do planeta, como fundamentais para que estudos como este (realizado pela Universidade Federal do Espírito Santo em parceria com a Universidade de São Paulo e Acadêmia de Ciências da Califórnia) nos faça conhecer cada vez mais o oceano - já que 80% dele, segundo a UNESCO, ainda segue desconhecido pela ciência.
A ideia agora é que toda a cadeia Vitória-Trindade, onde está a Colinas Coralinas, um dia se torne a primeira reserva da biosfera marinha do Brasil, o que protegeria a região e ajudaria a recuperar áreas que já foram exploradas.
Ao mapear esse ambiente e trazer toda importância ecológica e econômica dele, nós conseguimos argumentos para ter políticas públicas de proteção, mostrando que vale mais a natureza protegida para garantir todos os serviços que ela presta de alimentação, sequestro de carbono, proteção costeira..."
Janaína Bumbeer, gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário, que financiou o estudo
Texto: Paula Rodrigues
Fotos: Luiz A. Rocha
Vídeos: João Gasparini, Mauritius Bell e Michael Netto
Edição: Eduardo Burckhardt