Em seu segundo mandato no Senado Federal, a senadora goiana Kátia Abreu (PDT), 58, gosta de dizer que não teve a mesma sorte que o filho Irajá Abreu (PSD), senador eleito em 2018 pelo mesmo Estado que a mãe, ao se lançar na vida política. A parlamentar é um dos principais nomes do agronegócio no Congresso Nacional, aonde chegou mais pela atuação no próprio setor do que por apadrinhamento ou herança de um sobrenome com apelo eleitoral, caso de Irajá, primogênito de três filhos da senadora.
Primeira ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do país, no governo da amiga Dilma Rousseff (PT), ela conta que teve de abrir mão da carreira que havia escolhido, como psicóloga, para assumir o papel de mãe e pecuarista após a morte do primeiro marido, em 1987, em um acidente aéreo. Tinha 25 anos e estava grávida da filha mais nova, Iana, hoje com 32 anos, quando se mudou para o Norte de Goiás, hoje Tocantins, para administrar a propriedade do marido.
"Quando fique viúva é que comecei a virar chefe de família, cuidando não mais só das pessoas, mas dos negócios. Aprendi tudo o que pude e, seis anos depois, me elegi presidente do sindicato de Gurupi (TO), a primeira mulher presidente de um sindicato rural no Brasil", diz. Os filhos pequenos, conta, "carregava para onde ia".
Presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) por três mandatos e ex-deputada federal, a agora senadora avalia que, não fosse pela tragédia na vida pessoal, dificilmente teria mudado o próprio rumo profissional tão drasticamente - não havia completado o curso de psicologia, quando o marido morreu, e era dona de casa. "Entrei para a vida política por uma tragédia na vida pessoal; se eu tivesse marido [ela ficou 30 anos sem se casar, após ficar viúva], dificilmente teria chegado aonde cheguei. Não é que homem atrapalhe, mas é que, para nós mulheres, é muito mais difícil conquistar espaços na política, ainda mais que a vida de casado imponha certas restrições", define.
Como a maternidade impactou a atuação política? A senadora reconhece "nunca" ter sido uma ativista, tampouco adepta da ação direta no agronegócio, até que ficasse viúva. Agora com cadeira no parlamento, e no cargo mais longevo dele - o mandato de senador é de até oito anos —, afirma militar para que haja "equilíbrio de gênero" e constata: ser mãe é a oferta "de uma sensibilidade que homens nunca tiveram".
"O sentimento feminino humanista é diferenciado, é um olhar social natural. Homens são mais pragmáticos, mais 'preto no branco', por natureza. Do ponto de vista ideológico, me considero uma liberal humanista: eu ainda sou a favor da livre iniciativa, da propriedade privada e segurança jurídica, mas reconheço meu lado humanista e percebo quando, ao contrário dos colegas homens, vejo mulheres tendo de se sobrepor no tom da voz, ou falando mais rapidamente, porque senadores não têm, muitas vezes, paciência para nos ouvir falar e nos interrompem", aponta.
A minoria feminina na Casa e a atribuição social que muitas vezes ainda se dá à mulher em relação ao cuidado com a família, destaca a senadora, acabam também desarticulando a bancada delas no Senado em torno de pautas com viés de gênero. "Somos muito poucas, e, cada uma, resolvendo também seus próprios problemas. Mas, sendo justa: em todos os benefícios que temos conquistado no Congresso, com foco no público feminino, tivemos de contar com os homens", pondera.
Uma exceção nesse sentimento de gratidão aos colegas senadores parece ter sido aberta ao ex-senador José Serra (PSDB-SP): em dezembro de 2015, durante confraternização no Senado, ao ouvir dele se de fato era "namoradeira", ela respondeu, irritada, com uma taça de vinho sobre o tucano. "As redes sociais enlouqueceram", diz, hoje aos risos. "Foi algo gratuito com alguém com quem o então senador não tinha a menor liberdade para tal."
Além dos três filhos, a senadora tem quatro netos que, ao contrário das palmadas e da "disciplina meio militar para corrigi-los", são mimados sempre que possível. "Sucumbi ao chavão do 'avó é mãe em dobro', reconheço."