Como ressuscitar a floresta?

Casal consegue R$ 7 milhões para recuperar trechos da Mata Atlântica devastados pela monocultura em SP

Giacomo Vicenzo de Ecoa, em São Paulo (SP) Simon Plestenjak/UOL

Em Timburi, cidade do interior de São Paulo, a cerca de 360 quilômetros da capital, Valter Ziantoni e Paula Costa aram o solo com cuidado em uma plantação de abóboras. Entre os ramos verdes e frutos alaranjados, uma terra nova se sobressai. É sinal do renascimento de uma floresta que tenta se recuperar após anos de devastação.

Há 10 anos, quando se mudaram para o local, o casal de engenheiros florestais já via indícios do que hoje é uma realidade: a densa e verde floresta que cerca a região sofre cada vez mais com o desmatamento, causado pelo avanço da monocultura, que, gradualmente, também faz secar as nascentes que abastecem as propriedades rurais. Só nos primeiros 10 meses de 2022, a Mata Atlântica perdeu mais de 48 mil hectares.

Preocupados, assistindo a esse avanço sobre a mata, Valter e Paula decidiram agir. Fundadores da Pretaterra, empresa que oferece práticas de agrofloresta e consultorias ambientais, eles se uniram à comunidade local para salvar a floresta.

Durante cinco anos, o casal buscou financiadores para o projeto e em 2021 encontraram um fundo de um banco suíço, o UBS Optimus Foundation, que investe em estratégias para reduzir o aquecimento global, e da multinacional Cargill. Os valores somados chegam a R$ 7 milhões.

Com o investimento milionário no projeto "Agrofloresta na Mata Atlântica", é assim que eles estão "ressuscitando" a mata:

Simon Plestenjak/UOL
Simon Plestenjak/UOL Do alto, é possível ver o terreno marcado pela monocultura (especialmente de soja e café) da região

Do alto, é possível ver o terreno marcado pela monocultura (especialmente de soja e café) da região

Simon Plestenjak/UOL
A bióloga e engenheira florestal, também fundadora da Pretaterra, no espaço de mudas do projeto

Plantando chuva

Um dos primeiros trabalhos do casal foi proteger a região das nascentes de rios. Com o desmatamento, as áreas ficaram desprotegidas, o que reduz a quantidade de água disponível não só para os moradores da região, como para todo o planeta.

"Temos uma que abastece nossa casa e passa por outras cinco propriedades. Nos últimos anos, essas nascentes diminuíram muito", conta Valmor Oliveira dos Santos Filho, um dos agricultores que trabalha com plantio de café há vinte anos e faz parte do projeto de reflorestamento dos engenheiros.

Por isso, mudas de árvores foram plantadas próximas às áreas de nascentes e rios.

 Cachoeira do Palmital, localizada no terreno de Valter e Paula - Simon Plestenjak/UOL - Simon Plestenjak/UOL
Cachoeira do Palmital, localizada no terreno de Valter e Paula
Imagem: Simon Plestenjak/UOL

"As árvores protegem o solo da insolação direta e transferem a água em estado gasoso para atmosfera. Há estudos que apontam que essas florestas ajudam a criar chuva no local, pois essa vegetação aglutina moléculas de água, que participam na formação de nuvens e 'puxam chuva'", explica Valter.

O casal ainda conseguiu adesão da Prefeitura de Timburi, que inclusive utiliza a técnica ensinada por eles em locais que não estão inclusos no projeto dos engenheiros florestais.

Simon Plestenjak/UOL Simon Plestenjak/UOL

Cuidando do solo

A adubação verde é outra técnica usada por eles que faz parte de sistemas agroflorestais. Paula explica que essa é uma ciclagem de nutrientes que estão em áreas profundas do solo, que são acessados por árvores de longa raízes, diferentemente do café, por exemplo, que atinge uma área apenas superficial da terra.

Mudas do Pretaterra - Simon Plestenjak/UOL - Simon Plestenjak/UOL
Mudas do Pretaterra
Imagem: Simon Plestenjak/UOL

"Isso traz mais nutrientes de áreas profundas e os movimenta. Quando as árvores são podadas, ou quando suas folhas caem na terra, essas substâncias ficam por mais tempo na área e alimentam toda a plantação, além de transformar o CO2 absorvido em matéria orgânica", explica Paula.

Para além da nutrição do solo, uma Mata Atlântica "ressuscitada" produz comida enquanto preserva vida animal que existe nesses locais.

"A ideia é transformar essas lavouras em ecossistemas produtivos de regeneração. A agrofloresta produz e abriga além das árvores, pássaros, morcegos e outros animais, que vão parando nessas árvores", ressalta a engenheira.

Simon Plestenjak/UOL Já é possível ver a agrofloresta crescendo nos terrenos de agricultores da região

Já é possível ver a agrofloresta crescendo nos terrenos de agricultores da região

Simon Plestenjak/UOL

Semeando a ideia

A ideia de replantar uma floresta gigante, no entanto, não poderia ser desenvolvida sem a ajuda de mais gente envolvida. Especialmente a dos próprios agricultores da região, responsáveis ou trabalhadores das plantações de café que disputam espaço com a mata em pé.

Ao todo, 35 agricultores foram selecionados para participar do projeto, que pretende fazer com que as plantações convencionais se tornem agroflorestas. O plantio, então, é feito com mudas de árvores de diferentes espécies. "Plantamos espécies nativas de madeira e frutíferas. Enquanto o produtor também continua com o café", explica Paula.

Nestor Rocha, 60, é um dos que aderiram ao projeto e já começou a incluir árvores no meio de sua plantação de café. Para além de ajudar a natureza a se reerguer, ele encontrou benefícios para o seu ramo de atividade principal.

"Também faço adubação verde. Com esse plantio de árvores é evitada a erosão do solo, e também investimos em alimentos que têm o ciclo mais curto, não dependendo só do café", conta.

Plantar alimentos na entressafra de café é o que garante uma economia extra aos trabalhadores. "Quando se acessa somente um mercado, você fica 100% dependente dele. Se houver variação de preço ou um ataque de praga, você fica em uma situação difícil. No entanto, com diversidade de plantios há saída", defende Nestor.

Ter uma plantação em meio a floresta também permite contar com a cadeia alimentar e ecossistema que existe naturalmente dentro dela, o que ajuda a evitar o uso de agrotóxicos no cultivo dos alimentos.

"Existem determinadas pragas que acontecem nas culturas, como a broca-do-café. Na monocultura, é preciso fazer um controle biológico com vespas predadoras ou com inseticidas. Em um ambiente diverso, os predadores já estarão lá e trarão resistência ao sistema produtivo sem intervenção", explica Paula.

Em troca, o casal só fez um pedido aos agricultores: que se comprometessem a cuidar do sistema pelos próximos 30 anos.

.

Simon Plestenjak/UOL Equipe do Pretaterra em Timburi (SP)

Equipe do Pretaterra em Timburi (SP)

Outros aliados que encontraram foram os indígenas do povo tupi-guarani que moram a 100 quilômetros de Timburi, no município de Barão de Antonina (SP), em região demarcada pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) em 2005. Quando chegaram ali, no entanto, encontraram uma área com pasto degradado, árida e com baixa produtividade agrícola.

Com a ajuda do órgão federal, a aldeia criou um sistema de cultivo em estufa, plantações, como morango, banana e mandioca.

Apesar de muito ligados à natureza, o povo tem visto suas tradições esmaecerem. Apenas o indígena com mais idade do grupo, chamado de seu Valdemar, é o que ainda sabe falar a língua originária do seu povo. Foi ele também um dos primeiros a se interessar pelo projeto de Valter e Paula há dois anos.

Vandir Marcolino é pajé tupi-guarani, sua aldeia também faz parte do projeto de relorestamento de Valter e Paula - Simon Plestenjak/UOL - Simon Plestenjak/UOL
Vandir Marcolino é pajé tupi-guarani, sua aldeia também faz parte do projeto de relorestamento de Valter e Paula
Imagem: Simon Plestenjak/UOL

"Valdemar, que foi um cacique anterior, se interessou muito ao conhecer o Pretaterra. Vejo a ajuda deles na forma de preservação da mata. Tudo isso é importante para gente, pois aqui há muita soja e vemos a floresta desaparecendo e ela é muito importante para nós", conta Vandir Marcolino, 39, pajé da aldeia.

untos, estão implantando o sistema agroflorestal na plantação de café da terra indígena, que tem 140 hectares.

Simon Plestenjak/UOL Plantação de abóbora

Plantação de abóbora

Corredor verde gigante

O trabalho da Pretaterra ainda abraçou um plano ainda mais ambicioso: construir o maior corredor agroflorestal da América Latina.

Com 3 milhões de km² (ou cerca de 50 mil hectares), o "corredor Paranapanema" ligará o Parque Estadual Morro do Diabo, em Teodoro Sampaio (SP), até a serra do mar.

"O corredor florestal serve para não ter uma disputa entre humanos e animais silvestres. O animal tem um espaço para atravessar as áreas de fazendas sem ter que cruzar com humanos", explica Victor Ziantonio, irmão de Valter, produtor local e também consultor da Pretaterra.

Até então já conseguiram implementar 200 hectares. Para concluir o objetivo, eles buscam um financiamento de R$ 20 milhões.

Simon Plestenjak/UOL O casal de engenheiros florestais Paula Costa e Valter Ziantoni

O casal de engenheiros florestais Paula Costa e Valter Ziantoni

+ Especiais

Filipe Redondo

Da terra à terra

Em crematório para pets, localizado em reserva de 120 mil m², funeral se integra a ações de reflorestamento

Ler mais
Fernando Moraes/UOL

Ambientalista ousado

Aos 7, ele teve uma 'visão divina'; 71 anos depois ainda segue o chamado: 'Minha bronca é destruir a natureza'

Ler mais

A amiga da onça

A bióloga Sofia Heinonen liderou um trabalho que levou os yaguaretés de volta para seu habitat na Argentina

Ler mais
Topo