Mudança de hábito

Consumidores contam o que fizeram para reduzir, ou quase zerar, o envio de lixo e carbono para o meio ambiente

Janaina Garcia Colaboração para Ecoa, de São Paulo Getty Images

Vai uma poncã, aí? Já vem descascada, pronta para o consumo, sem o ônus do sumo impregnando as mãos e o ambiente ao longo do dia.

Ou que tal uma salada já no jeito para servir de marmita, com itens meticulosamente dispostos na embalagem e um sachê de molho extra para dar um toque final - que não o seu, mas tudo bem - no sabor?

Só há um detalhe: a poncã não está na gôndola, mas em uma bandeja de isopor devidamente embalada por plástico filme. Já a salada vem em uma embalagem plástica também protegida pelo plástico, com talheres de plástico que buscam completar a ideia de facilidade que seduz o consumidor cada vez mais ávido por ganhar tempo. E, claro: onde esses itens serão guardados no transporte entre o mercado e a sua casa? Provavelmente, em mais plástico.

A aparente facilidade que a indústria de alimentos e a de serviços usam para a venda desses produtos nem sempre é tão explícita, na mesma medida, sobre o acúmulo de resíduo também trazido por essas aquisições.

O excesso de resíduo gerado por essas aquisições não costuma ser tão alardeado quanto a aparente facilidade que a indústria de alimentos e a de serviços usam para vender esses produtos.

A poncã descascada certamente economiza tempo e paciência do consumidor, assim como a salada higienizada e engenhosamente montada no pote. Mas o que fazer com as embalagens desses produtos? Destinados à reciclagem ou a aterros sanitários, esses serão resíduos com os quais a humanidade e o meio ambiente terão de lidar.

Preocupados com a emissão desse lixo no planeta, consumidores vêm adotando práticas de consumo mais sustentável e menos geradoras de lixo Brasil afora. A ideia é reduzir a emissão de carbono - gases responsáveis pelo aquecimento global —, e gerar maior aproveitamento dos alimentos e também mais economia.

São iniciativas que mostram como ações aparentemente pequenas podem gerar impacto notável no meio ambiente.

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Pequenas atitudes fazem diferença

Consumo consciente e a prática de lixo-zero no meio ambiente podem até estar longe de um caráter massivo, mas podem gerar impacto pelo simples exemplo.

Quem afirma é a gerente de educação do Instituto Akatu, Denise Conselheiro. A organização não governamental atua pela conscientização e mobilização da sociedade em prol do consumo consciente - com atividades de educação e comunicação focadas na mudança de comportamento do consumidor.

De formação multidisciplinar - como direito e jornalismo —, Denise afirma que as ações de indivíduos que parecem isoladas podem surtir efeito em círculos próximos, afetivos ou não.

"Trabalhamos na perspectiva de que mesmo essas pequenas ações têm impacto grande e que nem sempre conseguimos ver de imediato; essa pessoa nunca age de forma isolada: pela pró-atividade ou pelo exemplo, ela inspira outras a fazerem aquilo", afirma. "Pode ser propositadamente, postando em uma rede social como o Instagram, por exemplo, ou não", completa.
Para a gerente, entretanto, o maior gargalo para uma mudança de práticas de consumo menos poluidoras, em maior escala, são fatores culturais e estruturais na movimentação da economia.

"Vivemos em uma sociedade na qual a economia gira muito em torno do estímulo ao consumo; claro que falta consciência do indivíduo, levado por ondas de momento, mas são fatores estruturais culturais que reforçam isso", declarou.

O modelo econômico calcado no consumo, avalia a especialista, ficou mais explícito nos últimos meses, quando milhões de brasileiros tiveram de cumprir quarentena em suas casas por conta da pandemia de Covid-19.

A pandemia trouxe uma retração de consumo, já que as pessoas compravam só o necessário. Isso ajudou a economia a caminhar para uma recessão, pois esse é o modelo que depende ainda do consumo

Denise Conselheiro, gerente de educação do Instituto Akatu

Potes vidros e um novo negócio

A engenheira ambiental paulistana Alexandra Lemos, 31, começou a mudança no olhar em relação ao próprio consumo há pouco mais de quatro anos, quando deixou São Paulo e se mudou para Florianópolis.

Naquele ano, ela e a amiga e geógrafa Joana Wosgrau Câmara, 30, começariam finalmente a tirar do papel o projeto de parceria idealizado anos antes, quando ambas se conheceram na França durante experiências pelo agora extinto programa federal Ciências Sem Fronteiras.

A escola multidisciplinar sonhada pelas amigas na Europa acabou não virando realidade, mas Joana resolveu apostar em saladas no pote, então populares no mercado europeu, como projeto de um curso da Fundação Estudar. A essa altura, o namorado, o publicitário Arthur Ferreira dos Santos, 30, tornou-se o sócio para criação da marca: Origem.

Acompanhando as novidades de São Paulo, Alexandra resolveu se somar à dupla e iniciar uma mudança de estilo de vida na qual a troca de cidade seria mais um detalhe. Nascia o restaurante Casa Origem, na capital catarinense.

"Começamos a vender essas saladas em potes de vidro, retornáveis, com desconto para o cliente que retornasse os potes. A partir de agosto de 2017, transformamos o espaço em restaurante e também em um empório, onde vendíamos produtos lixo-zero, de menos impacto no ambiente - como copos reutilizáveis e produtos de limpeza", conta. "Já tínhamos o viés de sustentabilidade, então, não fazia mais sentido também trabalhar com produtos ou com o que gerassem tanto lixo", relata.

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Primeiro restaurante lixo-zero do país

O ano de 2018 seria o ponto de virada para o estabelecimento: primeiro, com o convite para uma feira em um shopping de luxo em Florianópolis; ao final, com uma auditoria do Instituto Lixo Zero Brasil que constatou que mais de 90% dos resíduos do restaurante eram desviados de aterros. Isso garantiu a Casa Origem a certificação de primeiro restaurante lixo-zero do país, conferido pelo Instituto Lixo Zero Brasil, uma organização da sociedade civil autônoma que se propõe a "articular, mobilizar e provocar novas atitudes nas comunidades nacionais e internacionais promovendo a prática do lixo zero nos diversos segmentos da sociedade".

Alexandra explica que o processo até essa certificação passou por uma série de mudanças de atitudes permeada, por exemplo, pela nova forma de se relacionar com os fornecedores locais e também com a escolha do que seria ou não vendido. Comercializar um brownie de chocolate que só poderia ser embalado no saquinho plástico, por exemplo, deixou de ser uma opção para o grupo — o produto foi eliminado das prateleiras.

"O tofu que compramos vinha por quilo em sacos plásticos; propusemos ao fornecedor que levaríamos um Tupperware e ele topou. Quando são vendedores locais, é mais fácil de mostrar que essa relação vale a pena", comentou.

Os cogumelos, que antes vinham em bandejas, começaram a ter essas embalagens retornadas para o fornecedor para que ele desse destinação a elas. "Imagina se todos que compram devolvem ao fornecedor esse resíduo? Começa a se criar uma dinâmica diferente. Porém somos pequenos; precisamos que mais gente se inspire para que seja uma mudança de fato significativa". Parte do cogumelo passou a ser entregue em quantidades maiores. "É o tipo de trabalho de formiguinha", compara a empreendedora.

A destinação dos resíduos de alimentos do restaurante também pesou na certificação de restaurante lixo-zero. Além dos alimentos comprados de produtores agroecológicos, ou seja, sem uso de herbicidas outros insumos, tudo que é possível reaproveitar entra no cardápio da cozinha. O restante vai para compostagem, a qual, por questões de espaço e outras adequações, é feita por uma empresa parceira.

Ainda em São Paulo, antes da mudança para Santa Catarina, Alexandra começou a mudança de hábitos. Deixou a dieta carnívora e iniciou a transição para se tornar vegetariana. O "novo nível de consciência do que se entende como sustentável", como ela define, extravasou a alimentação mais natural e se estendeu para o uso de coletores menstruais, roupas, móveis reutilizáveis, xampus e produtos de limpeza menos poluidores.

Na minha casa não tem nada de produto de limpeza de fora: tudo é a base de álcool, vinagre e bicarbonato. De resto, roupas e outros objetos, a ordem é aproveitar ao máximo. Isso foi mexer com o modo como a gente vive socialmente: gosto de ter essa conexão de viver melhor em harmonia com o meio ambiente; não quero ser um vírus no planeta. Para isso, procuro fazer o meu melhor

Alexandra Lemos, engenheira ambiental

Pandemia e a reconexão com a agroecologia

Com a pandemia, desde março a Casa Origem vem atendendo em sistema de delivery. Até uma irmã de Alexandra, Isabella Dias, que é engenheira mecânica e vivia em São Paulo, também passou ajudar o grupo na empreitada no período.

Se ela acha que uma mudança de hábitos é uma estimativa mais para o curto, médio ou longo prazo? "A grande indústria ainda é muito influenciadora de hábitos de consumo e busca conciliar tema da sustentabilidade ou do politicamente correto como uma opção para quem tem dinheiro. Então, coloca uma diversidade de produtos a venda mais baratos, mas quem paga a conta dos impactos ambientais que sujeira? Todos nós. Precisamos cada vez mais de educação e de governo e Indústria alinhados ao que de fato precisamos, que é a agroecologia", defende Alexandra.

A mudança, ela entende, não é algo fácil, requer força de vontade e consciência sobre seus hábitos. "E, claro, falta também as pessoas saírem de suas zonas de conforto. Qual o sentido de comprar uma mexerica orgânica que vem descascada para o cliente não sujar a mão, mas embalada em isopor e plástico? É inacreditável o quanto nos desconectamos da natureza. Quem é privilegiado de poder fazer esse tipo de escolha pelo alimento orgânico poderia entender que essa escolha impacta também aqueles que não têm o privilégio de poder escolher."

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Dos palcos para uma vida minimalista

Sair da zona de conforto e buscar a própria reconexão com a natureza moveu outra paulista a trocar a metrópole pela vida mais pacata no Sul - e, mais uma vez, em Santa Catarina.

É lá que a nômade Luísa Matsushita, 36, a vocalista Lovefoxxx da banda de indie-electro CSS (Cansei de Ser Sexy), tem buscado ressignificar o conceito de uma vida autônoma, longe da rotina de shows e turnês no Brasil e no exterior que viveu no começo dos anos 2000.

Foi a vida intensa com a banda, por sinal, um dos pontos de virada considerados por Luísa essenciais para a mudança de estilo de vida. Em Santa Catarina, ela tem não só plantado boa parte do que consome em dieta vegana, como produz os produtos de limpeza e providencia o esgoto da casa de 12 metros quadrados onde vive há quatro anos.

"Eu comecei a ficar noiada com a quantidade de lixo que se gerava nas turnês; era muita garrafa, muita toalha e muito sabão e amaciante para lavar aquilo tudo, a comida vinha em muita embalagem descartável... Eu me sentia como se arrastasse um monte de lixo atrás de mim", lembra.

O outro gatilho pela mudança veio de um curso de construção sustentável em 2014, no Novo México (EUA), e que para Luísa funcionou como porta de entrada para o contato com a permacultura - em síntese, o planejamento e a execução de ocupações humanas ecologicamente sustentáveis - e a agrofloresta, técnica que combina agricultura e preservação ou recomposição ecológica e que se vale da dinâmica de sucessão de espécies da flora nativa para trazer aquelas que agregam benefícios ao terreno, além de mais produtos a quem cultiva.

"Eu assisti ao documentário 'Garbage warrior', do Oliver Hodge, que foi o sujeito que inventou as earthships [casas autossuficientes edificadas com material reciclado] que eu havia estudado no meu curso nos Estados Unidos, e vi que era possível uma vida autônoma do sistema. Aquilo me tocou muito, porque notei que as pessoas que moram nessas casas são donas da própria vida."

Nesse processo, ela vendeu o apartamento de 98 metros quadrados em São Paulo e se mudou para Santa Catarina, onde comprou um terreno para praticar o que havia começado a aprender. Enquanto a casa nos moldes das que estudou e praticou não sai do papel, Luísa faz cursos sobre manejo do solo, sementes crioulas e construção natural com o barro e vive há dois anos no que ela denomina "barraco de construção", o lar temporário de 12 metros quadrados, mais um deck de 4m x 4m. Lá, tanto a água que bebe quanto a que usa para higiene pessoal e do espaço vem de captação da chuva. A maioria dos produtos de limpeza ela que produz, à base de vinagre, sabão de coco e bicarbonato de sódio, e os de higiene pessoal são 100% orgânicos, sem prejuízo ao solo.

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"Fiz um detox da vida"

O banheiro seco foi outra forma de assegurar a autonomia e o baixo impacto ambiental, já que o resíduo orgânico produzido é armazenado em local sem contato com o ambiente externo, e, após processos de separação e compostagem, vira adubo humano.

Nesse sistema, em geral, inodoro, as fezes são coletadas em um recipiente - Luísa escolheu o balde - logo abaixo do vaso sanitário e misturadas a serragem. O processo de compostagem delas gera o adubo. "Meu objetivo é usar isso na minha plantação", conta.

Para a casa sustentável em construção e também para as esculturas em que trabalha, Luísa usa ainda isopor que ela e os pais, em São Paulo, juntam há anos. Na casa, o material vai auxiliar no revestimento das paredes de madeira - a intenção é acústica, não necessariamente térmica, diz a artista.

"Antes de tudo isso, eu estava em uma vida muito diferente, de muito materialismo, bebia bastante, e isso tudo foi me desconectando da minha essência. Quando fui fazer o curso, eu dizia que queria ver se uma vida radicalmente diferente da minha era possível", relata. "No último dia de aula, chorei muito, de solidão, porque percebi que a minha vida nunca mais seria como era antes - e daí vieram as muitas mudanças: me desfiz de muitas coisas materiais, tirei as próteses de silicone, terminei um relacionamento, fiz um detox da vida..."

A banda com as amigas Ana Rezende, Carol Parra e Luiza Sá continua e tem planos a serem executados. A última apresentação, depois de um tempo menos ativo que coincidiu com as novas pesquisas da vocalista, foi no final do ano passado, em um festival na capital paulista.

Enquanto a casa não fica pronta, Luísa prepara a terra para ampliar seu estoque de autonomia no espaço em construção. Já fez horta consorciada com culturas como banana, mandioca, inhame, abacate, limão, além de flores (rosa, zynea, cosmos, trepadera cardinal) e ervas — poejo, manjericão e menta são algumas delas —, mais alguns pés de milho, couve, mostarda, tomate, abóbora e feijão.

Em 2018, ela se voluntariou em um coletivo chamado Multiplica Sabedoria, que trabalha o cultivo e a preservação de sementes crioulas, sem pesticidas e adaptadas ao clima local. Em contato com outro coletivo, o Namastê Agroflorestal, aprendeu técnicas de agrofloresta que usará na implantação de linhas agroflorestais em seu terreno - menos trabalhosas que um sistema agroflorestal propriamente dito.

E, de fato, minha vida nunca mais pôde ser a mesma, mas está sendo muito legal.

Luísa Matsushita, artista e vocalista do CSS

O micro que afeta o macro

Se a mudança de São Paulo foi fator decisivo para um estilo de vida mais sustentável à empreendedora Alexandra e à cantora Luísa, para a psicóloga Amanda Oliveira Carmona, 34, o processo foi justamente o contrário: transferir a vida e os planos de Santos, no litoral sul do estado, para a capital é que possibilitou ensaiar os primeiros passos rumo a hábitos de consumo mais ambientalmente engajados.

Ela conta que, em Santos, encontrava resistência de parte da família quando tentava implementar ações que visavam a redução de lixo descartado.

Outra dificuldade é que, no condomínio onde a vive a família, de acordo com ela, não havia exatamente um incentivo para a separação do lixo em coleta de orgânicos e de recicláveis: "Fazer o mínimo já era muito difícil, porque o prédio não ajudava: havia apenas duas lixeiras e coleta de recicláveis somente uma vez por semana", recorda-se. "Até tentei falar com o síndico, mas, definitivamente, isso não era prioridade ali."

A jovem se mudou para São Paulo há quatro anos e meio, após o casamento e o início de uma nova fase na carreira. Cerca de um ano depois, começou a procurar blogs dos quais pudesse extrair dicas palpáveis para mudar hábitos e a relação com o ambiente.

"Pesquisei e comecei a colocar em prática o que eu achava importante em termos de separação do resíduo, por exemplo. Esse caminho foi me levando a vários outros na busca por menos impacto ambiental e também no meu corpo", define.
A mudança de hábitos alimentares veio praticamente na sequência, como desdobramento do olhar mais apurado com o resíduo produzido.

"Mudei minha alimentação: fui trocando o alimento industrializado, o máximo que podia, pela agricultura familiar, em que a gente desembala menos e descasca mais. Por ela, fui entendendo e trazendo meu marido também por esse mundo, já que, no começo, ele me achava uma estranha", observa.

Em casa, a mudança de hábitos da psicóloga demandou uma espécie de negociação para que o casal implementasse essas medidas, e não só ela.

Aos poucos eu fui explicando a ele os impactos e também fazendo algumas concessões, mas não uso mais palha de aço se optar por bucha vegetal; faço a maioria dos produtos de limpeza que uso -- do detergente com bicarbonato, água, vinagre e álcool, ao sabão em pó, à base de sabão de coco, vinagre, que uso como amaciante e também para lavar meu cabelo

Amanda Oliveira Carmona, psicóloga

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Produtos caseiros, compostagem e coletor menstrual

Amanda se lembra que, no começo do processo, se irritava e adotava uma postura mais reativa quando percebia que a mudança não era seguida também pelo lado de fora de sua casa.

"Eu via as pessoas usando copos de plástico e aquilo me irritava muito. Aos poucos fui entendendo que o negócio é fazer a minha parte e não pensar no que os outros vão ou não achar. Hoje, eu levo o meu copinho para todo lugar e acredito que isso é capaz de gerar um incômodo e, por que não, também uma reflexão nos outros. Aí eu fui percebendo que embora algumas pessoas tirem sarro de mim, por isso, outras vão me entendendo, e é muito legal ver as reflexões de quanto uma ação minha poderia impactar no ambiente", analisa.

A psicóloga faz compostagem do lixo orgânico da própria casa, aboliu o absorvente em prol do coletor menstrual e usa a ecobag em vez das sacolas plásticas, quando faz compras. Com a pandemia, o casal optou pelas opções de delivery, mas Amanda se lembra com assombro da quantidade de materiais plásticos que vinham em cada refeição. Resultado: deixaram de pedir comida em casa. Quase seis meses de quarentena depois, ela avalia que o período também auxiliou as pessoas a refletirem sobre a cadeia envolvida na produção de bens de consumo.

"Vivemos a lógica de trabalhar para ter dinheiro, consumir, viver. Entendo que a mudança exige atitudes mais massivas, mas isso é algo que fui trabalhando comigo: consigo ser responsável pelas minhas ações, e olhe lá. São as políticas públicas e as grandes corporações que ajudam a mudar o mundo em um outro nível de ação, mas também tenho muito a crença de que o micro afeta o macro", acredita. "Até porque, a outra opção que eu teria seria não fazer nada pensando que isso não ajudaria o mundo. A gente precisa rever algumas prioridades", recomenda.

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Uma viagem sem volta pela sustentabilidade

Foi uma viagem na adolescência, pela região amazônica, a memória afetiva que ligou o ator, produtor e diretor Bruno Torres, 39, de Brasília, a uma vida que ele considera hoje absolutamente sem volta: focada em sustentabilidade, mas em um conceito amplo que abrange ações não somente no campo ambiental, como no social.

A viagem aconteceu em 1994 junto com o pai, o também diretor de cinema Geraldo Moraes (1939-2017), habituado a rodar os filmes (no caso, todos os quatro que produziu em vida) em um mercado menos badalado que o do eixo Rio-São Paulo. Bruno tem 45 produções no currículo.

"Toda essa preocupação com responsabilidade socioambiental eu comecei logo cedo, graças ao contato com meu pai. Nessa viagem de 1994, conheci uma espécie de protótipo da Amazônia, com árvores tão majestosas que mal dava para ver o sol a pino", recorda-se.

O percurso visitado havia sido os pouco mais de 300 km que separam os municípios de Sinop e Alta Floresta, no Mato Grosso. Alguns anos mais tarde, em 2007, pai e filho novamente viajaram para a mesma região pela pesquisa de locação para uma nova produção em curso. O cenário, relata Torres, foi chocante. "Tudo aquilo que eram árvores numerosas e gigantescas anos atrás agora era pura plantação de soja; é como se tudo estivesse virando uma grande usina de gás. Mal dava para ver o rio. Chorei quando me deparei com aquilo, porque a experiência de 1994 havia sido muito forte", relata.

A partir dali, prossegue o ator e diretor, ele sentiu que precisava fazer algo a respeito valendo-se da própria arte. Foi quando se mobilizou para a produção de um longa-metragem que aborda o desmatamento na Amazônia, com foco especialmente na atuação de madeireiros ilegais. Apoiada pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e pelo Ibama, a produção está na fase de captação de recursos. Outro projeto dele, no entanto, teve de ser suspenso em função da pandemia de covid-19: a série documental "A sustentável leveza do ser", filmada na região da Chapada dos Veadeiros para o Canal Futura e voltada aos projetos socioambientais desenvolvidos na Amazônia.

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Primeiro ator a receber selo "Carbon Free"

Os dois projetos conferiram a Torres o certificado de primeiro ator brasileiro a compensar o carbono de todas as atividades profissionais e pessoais, emitido pela organização do terceiro setor Iniciativa Verde — o selo Carbon Free atesta que o carbono equivalente de determinada atividade foi compensado por meio de medidas de recomposição florestal. Ele é certificado como tal por outras duas empresas.

"Viajando pela região amazônica para as pesquisas do longa, eu não tinha tanta noção desses aspectos de emissão de carbono; passei a ter acesso a isso visitando fazendas e entrando em lugares aonde eu não poderia ir, mas nos quais consegui entrar porque estava com motoristas do Incra. Vi empresas de couro ecológico que geram um enorme impacto ambiental, por exemplo, e fui aos poucos constatando que a região amazônica tem virado um território de grande exploração", lamenta.

Na viagem de volta para Brasília, feita de avião, Torres teve outro estalo: como falar do carbono emitido abundantemente na Amazônia, usando, ele, próprio, um sistema de transporte altamente emissor de carbono para se locomover no curso dessa produção?

Dessa inquietação, ele segue, vieram parcerias com empresas e entidades do terceiro setor para que todas as ações relativas às duas produções tivessem algum tipo de mitigação de danos ao ambiente.

O primeiro passo foi uma consultoria com os canadenses da "Filmakers for Conservation", produtora cultural com modelo de produção focado em responsabilidade social. Desse contato, o brasileiro definiu o processo de produção audiovisual sustentável com princípios a serem seguidos em todas as etapas das produções. A meta: reduzir o máximo que pudesse as emissões de carbono geradas pela atividade audiovisual.

"Do ambiental ao socialmente justo, são vários os pilares da sustentabilidade. Fui entendendo que não adianta estar ecologicamente correto usando etanol, em vez de diesel, se a contratação é a de uma equipe 80% masculina, com apenas homens como porta-vozes e poucos trabalhadores pretos e pretas", enumera.

A pandemia serviu para confirmar que um organismo em equilíbrio não permite a entrada de um vírus; isso tem tudo a ver com os pilares de sustentabilidade.

Bruno Torres, ator, produtor e diretor

Copos descartáveis abolidos, produção local valorizada

Nas produções, além de parcerias com marcas ambientalmente engajadas, Torres estabeleceu ações conjuntas também com o Instituto Mamiraúa por medidas de compensação de carbono, tais como o plantio de 500.000 árvores que será realizado no período após filmagem e pós-produção em áreas degradadas da Amazônia.

Até a interrupção dos trabalhos, em função da pandemia, copos descartáveis foram abolidos, e os pouco mais de 30 integrantes da pré-produção receberam um kit com produtos de empresas sustentáveis, parceiras, como boas-vindas quando chegaram na pousada, a fim de minimizar o impacto negativo no meio ambiente. Além disso, foram disponibilizados produtos biodegradáveis para limpar a pousada.

A alimentação do grupo ao longo de 10 semanas de trabalho, após a retomada da produção, no pós-pandemia, será toda produzida na região por um restaurante próprio da região da Chapada dos Veadeiros.

"É impossível nas produções audiovisuais filmar sem o gerador, que consome apenas diesel. Conseguimos minimizar o uso do equipamento usando o máximo de luz natural e revendo horários de trabalho. Além disso, utilizamos um gerador pequeno; ao fim da produção, no segundo semestre do ano que vem, todo o carbono emitido estará compensado com as exatas toneladas de CO2 oriundas do plantio de árvores que faremos", explicou Torres.

A série interrompida pela crise sanitária se trata ainda da primeira produção audiovisual na América do Sul a ter um departamento de gestão ambiental em sua equipe reconhecida por uma agência reguladora como a Ancine (Agência Nacional do cinema).

"Essa temática [gestão ambiental] precisa estar eticamente equilibrada com o modelo de produção, e a Ancine, de algum modo, reconheceu isso", avalia. "Como em geral o set de filmagem é muito envolvente, pois movimenta demais comunidades em geral pequenas, vamos deixar a uma comunidade Kalunga, de quilombolas, uma agrofloresta inteira produtiva — isso também trabalha uma vertente da sustentabilidade e, ao mesmo tempo, auxilia nas compensações de carbono, já que neutralizá-las, reconhecemos, é praticamente impossível", conclui.

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Dicas de consumo sustentável

Absorventes descartáveis x chocolates

Trocar o absorvente descartável por um reutilizável evita emissão de poluentes similares à quantidade necessária para produzir duas barras de chocolate por ciclo, durante a vida menstrual.

Isso porque, ao todo, se estima que uma mulher gere cerca de 200 kg de lixo devido ao uso de absorventes descartáveis — da puberdade à menopausa. Como esses produtos contêm até 90% de plástico em sua composição e, na maioria das vezes, vão parar em aterros e lixões, a quantidade é considerada relevante.

Portanto, se uma mulher substitui o uso de absorventes descartáveis comuns por alternativas duráveis, como o coletor menstrual ou os absorventes de pano, evitará, ao longo de toda a sua vida fértil, a emissão de 200 kg de CO2, similar às emissões causadas pela produção de uma quantidade de chocolates suficiente para que essa mesma mulher consuma duas barras por ciclo durante o mesmo período.

Sacolinhas plásticas suficientes para chegar à Lua

Se cada família no Brasil - considerado a média de 3,3 integrantes cada - utiliza uma sacola plástica por dia, seriam consumidas mais de 19 bilhões de sacolinhas no período de um ano. Enfileirada, essa quantidade cobriria uma distância similar a 16 viagens de ida e volta da Terra até a Lua.

A melhor opção, então, é dispensar a sacola plástica descartável e substituí-la pelas ecobags (sacolas duráveis), caixas de papelão ou pelo antigo carrinho de feira. Como são resistentes, as ecobags agridem muito menos o meio ambiente.

Troque o carro pelo metrô e consuma arroz sem preocupação

Utilizar o metrô no lugar do carro, duas vezes por semana, evitará, em um ano, uma emissão de gases de efeito estufa (GEE) equivalente à da produção de arroz suficiente para abastecer uma família de quatro pessoas, diariamente, por quase seis anos.

A queima de combustíveis é uma das maiores fontes emissoras de gases de efeito estufa: um automóvel novo com motor a gasolina que roda, em média, 20 quilômetros por dia, emite, ao longo de um ano, uma quantidade de GEE que, para ser absorvida da atmosfera, precisaria de mais de 7 árvores crescendo por 20 anos. Os GEE emitidos por um carro durante um ano, portanto, levam 20 anos para ser absorvidos por sete árvores crescendo.

Ou seja: se uma pessoa substituir o uso do carro duas vezes por semana, em um trajeto de 20 quilômetros por dia, pelo metrô, se evita uma quantidade de emissões equivalente à da produção de arroz para abastecer uma família de quatro pessoas, todos os dias, por quase seis anos.

Mude o destino do seu lixo

Caso uma família reduza a geração de resíduo orgânico pela metade e destine os que não puderem ser evitados para a compostagem, ao final de um ano, as emissões poupadas serão similares às emitidas na geração da energia elétrica usada para manter cinco lâmpadas de LED acesas diariamente (6h/dia) por mais de 30 anos.

Ao longo de dez anos, uma família de quatro pessoas é responsável pela geração de cerca de 8 toneladas de resíduos orgânicos — peso equivalente ao de oito carros populares.

Pense bem antes de comprar mais uma camiseta

Considere as emissões de gases causadores do efeito estufa na produção da camiseta, desde a plantação do algodão até o armazenamento nas lojas.

Isso porque, antes de chegar ao seu armário, a "vida" de uma camiseta - aqui considerando-se desde a plantação do algodão, a colheita, a transformação em tecido, a produção da peça e o transporte dela até o armazenamento nas lojas — gera 1,4 kg de gás de efeito estufa, quantidade equivalente às emissões provocadas pela locomoção de uma pessoa por uma semana indo de metrô para o trabalho, faculdade ou escola, em um percurso de 20,4 km.

Por essa lógica, as cinco camisetas usadas nos dias úteis de uma semana causam, antes mesmo de chegar à sua casa, a emissão da mesma quantidade de GEE que seria emitida para a sua locomoção neste trajeto durante um mês e meio.

Uma cachoeira de economia

Se todos os brasileiros reduzirem seu consumo de água de 154 para 110 litros por dia, economizam o volume de água que cai por 1h30 nas Cataratas do Iguaçu, no Paraná.

Em média, cada brasileiro consome 154 litros de água por dia para suprir suas necessidades básicas cotidianas, valor superior aos 110 litros diários, considerado pela ONU como quantidade suficiente para atender as demandas de uma pessoa ao longo de um dia.

Coma a borda da pizza

Caso todos os brasileiros rejeitem metade das bordas de pizzas em um único dia, a água desperdiçada com essa ação é suficiente para encher 18 piscinas olímpicas.

Todos os produtos de consumo passam por várias etapas antes de chegar ao consumidor - e isso ocorre também com os alimentos. Um dos principais impactos da produção de uma pizza é a quantidade de água utilizada nesse processo, que chega a consumir mais de 1.200 litros por pizza.

Se metade das bordas das 1,5 milhão de pizzas consumidas por dia no Brasil for jogada no lixo, a quantidade de água que terá sido desperdiçada na sua produção pode ultrapassar 46 milhões de litros por dia, volume suficiente para encher mais de 18 piscinas olímpicas.

Tem água onde você não vê - até na carne

Como tudo o que se consome exige água em seu processo de produção, conhecer o quanto do recurso é gasto para produzir peças de roupas e comidas é fundamental.

A produção de 1kg de carne vermelha, por exemplo, gasta 15 mil litros de água. Já a de 1kg de frango demanda bem menos: 4.300 litros.

Fonte: As dicas foram organizadas pelo Instituto Akatu

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