Pouca gente imaginaria que ao lado de esportes como o esgrima e o hipismo, o Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciaria o breakdance (ou breaking, como é oficialmente chamado) como modalidade olímpica nos Jogos de Paris 2024. O anúncio, realizado no último mês de dezembro, foi justificado pelo presidente do Comitê, Thomas Bach, como uma forma de "introduzir esportes que são particularmente populares entre as gerações mais jovens. E também levar em consideração a urbanização do esporte."
Apesar de comemorada por b-boys e b-girls (como são chamados os praticantes de breaking), a novidade gerou desconfiança na comunidade hip-hop onde a dança foi criada: "O breaking não precisa das Olimpíadas, as Olimpíadas é que precisam do breaking", diz Fabiano Carvalho Lopes, 33, o Neguin, único brasileiro campeão mundial de breaking.
"A gente vai ter que saber como fazer isso funcionar para não passar uns anos e a gente falar 'lá só tem elite', entende? Eu nunca imaginei que o break ia parar nas Olimpíadas. Quando eu assistia às Olimpíadas, para mim era coisa de gente rica.", diz Itsa, vulgo de Isabela Rocha, que venceu a etapa nacional do Red Bull BC One, maior campeonato de breaking do mundo. Itsa continua: "O mais próximo das Olimpíadas que eu já vi foi o o futebol. Vai procurar quantas escolas de ginástica, de basquete [tem na periferia], para ver se você vai achar..."
A elitização e o embraquecimento do breaking são a grande preocupação de Fabiana Balduína, 38, a A FaBgirl, que em 2003 fundou o Brasil Style Bgirls, grupo feminino mais longevo do país: "A partir do momento que você tem uma dança ou uma prática desportista institucionalizada, as pessoas vão ter que pagar para estar lá, para serem federadas", diz Fab. A Confederação Brasileira de Breaking (CBRB), no entanto, afirma (em contato após a publicação desta reportagem) que "tanto a CBRB, como a Federação Paulista de Breaking (FSPB) não cobram para a filiação de atletas dançarinos".
"Ir para as Olimpíadas pode significar um embranquecimento [do breaking]. Aqui em Brasília, temos um espaço de treinamento olímpico. Se você for lá e ver uma criança preta, é muito. Estão falando que 'vai salvar vidas'. O que estão dizendo que vai acontecer já acontece, a gente já salva vidas desde que o breaking é breaking. O que está acontecendo agora é que um grupo de pessoas vai institucionalizar e vai captar todo dinheiro que a gente geraria dentro da comunidade para eles; e, certamente, não é um grupo de pessoas pretas", diz FaBGirl.
Fab criou, em junho de 2020, a escola de breakdance Drop Education. Ela explica que a Drop Education tem um projeto de moedas solidárias para conseguir incluir mais pessoas na escola de dança. Uma delas, a moeda ecológica, permite que com três garrafas pets uma aula seja paga, "nós damos as garrafas pets para uma galera que faz reciclagem e fazemos com que essa criança dê valor na aula, tenha consciência ecológica e ajude o meio ambiente".
O cearense Mateus Melo, 22, conhecido como Bart, destaque na cena mundial de breaking, vê as Olimpíadas como mais uma oportunidade. Em 2019, Bart foi o campeão brasileiro do Red Bull BC One e foi pré-selecionado para a final mundial do BC One de 2019, na Índia. "Eu tenho pensado em realmente praticar para as Olimpíadas porque é isso o que eu tenho. Essa pandemia me desmotivou porque antes eu estava na correria, me sentindo útil. Na pandemia, fiquei totalmente em casa. Essa notícia me motivou bastante, melhorou 100% meu treino, minha vida fez mais sentido".
Para o b-boy pode ser um bom momento para o breaking atrair mais investimentos, "com isso a gente pode trabalhar, ir atrás de empresas grandes, como a Red Bull, e realmente trazer o suporte que a gente precisa".
Bart conta que não é costume ver brasileiros nas batalhas internacionais, "porque é muito caro mesmo, é muito pouco o apoio. Essa é a maior pedra no nosso caminho para evolução. Creio que por meio das influências que a gente tem, do Brasil ser o criador da capoeira, poderíamos ser muito maiores", explica o b-boy que também praticou capoeira antes do break.
Apesar do b-boy e capoerista Neguin acreditar nos Jogos Olímpicos, ele se preocupa com a cena brasileira. "Eu sou otimista com as Olimpíadas, mas eu sei que o país não está nem aí, entendeu?" A preocupação do campeão mundial mostra que ainda é difícil para os dançarinos profissionais viverem do break no Brasil. "Hoje a gente vê produtor de evento, chefe de confederação, gente do governo que quer que a gente dance ali de graça. Não é assim, eu não treinei minha vida toda pra dar uma palinha. É chato falar isso, mas aplauso e amor não pagam minha conta de água e luz", diz Itsa.
Segundo a CBRB, "a Confederação Brasileira de Breaking jamais pediu que nenhum atleta dançasse de graça em suas competições. Em 2019, fizemos 7 etapas do Campeonato Brasileiro de Breaking, onde em todas elas houve premiação paga em dinheiro, na hora, para os atletas que conquistaram o Ouro, a Prata e a Bronze em cada etapa da competição, nas modalidades B-Boy, B-Girl e Kids".