Enquanto voava dos Estados Unidos em direção ao Brasil, Henry Louis Gates Jr, um escritor e diretor do centro de pesquisas sobre África e afro-americanos em Harvard, não conseguia tirar da cabeça cenas do filme "Orfeu Negro, lançado em 1959. A obra traz uma adaptação da mitologia grega para a realidade negra brasileira das favelas do Rio de Janeiro. Foi essa a primeira vez que Henry diz ter pensado sobre raça fora do contexto norte-americano. Algumas coisas chamaram a atenção do pesquisador:
"Ao assistir ao filme, meus amigos e eu achamos que o Brasil era o mais extraordinário dos lugares: uma democracia mestiça. A julgar pelo filme, o Brasil era mulato. Para nós, parecia o equivalente cinematográfico da teoria de Gilberto Freyre sobre o Brasil como uma democracia racial. E tudo aquilo me fez desejar visitar o país", ele narra em um trecho do livro "Os Negros na América Latina", em que relata o que observou sobre a experiência do ser negro aqui, no México, Peru, República Dominicana, Haiti e Cuba.
Assim, para escrever o livro, Henry viajou algumas vezes para cá entre os anos de 2010 e 2011. Buscava aprender mais sobre funcionamento de um país, onde as diferentes raças podiam, supostamente, conviver harmonicamente, sem conflitos — situação completamente oposta da vivida por ele e outros negros nos Estados Unidos. Lá, as consequências deixadas pelas leis de segregação racial abolidas na década de 1960 são sentidas até hoje. Para começar essa procura, ele desembarcou em Salvador, a capital mais negra do país, com mais de 80% da população autodeclarada como negra.
Como baianas, não tínhamos dúvidas que os cheiros, as formas, as músicas e as cores da Bahia logo chamariam a atenção do escritor. Não deu outra. Em determinado momento ele diz ter sentido a sensação de estar de volta à África, enquanto caminha pelas ruas soteropolitanas. Mas, como negras, também sabíamos que a qualquer momento a alegria de se sentir em um paraíso racial chegaria ao fim, dando lugar à frustração.
E não demorou muito. Henry percebe que é o único negro sentado em mesas de restaurantes. É também o único negro hospedado em hotéis de classe alta. As capas de revista eram dominadas por pessoas brancas, assim como os bairros residenciais economicamente ricos. Que democracia racial seria essa, então?