Marcos Fernandes de Omena ainda lembra do dia em que comprou o segundo álbum dos Racionais MC's. O ano era 1992 e ele, então cabeleireiro especializado em cortes afro, já era conhecido como Dexter, nome artístico inspirado no filho de Martin Luther King pelo qual ficaria conhecido na cena do rap nacional. Após 28 anos, ele regrava "Voz Ativa", clássico do disco que convida negros a refletirem sobre a situação em que vivem.
Aos 47 anos, o rapper vê similaridade entre o ontem e o hoje. Em 2 de outubro daquele ano, a Polícia Militar assassinou 111 presos para conter uma rebelião na Penitenciária do Carandiru -mesmo lugar onde ele cumpriu 13 anos de pena por assalto à mão armada. Corta para 2020. A violência policial continua matando negros, mas, desde a morte de George Floyd, o repúdio ganhou o mundo. E, desta vez, Dexter tinha algo a dizer. "Regravar esta música é revisitar nossa história", define.
Dentro dos muros da cadeia, Dexter formou com Afro-X o grupo 509-E, que abriu as portas para uma carreira solo. Como a trajetória lembra a letra de um rap, ele mesmo já narrou suas "correrias" nas rimas da autobiográfica "Oitavo Anjo", do CD "Provérbios", de 2000 ("Acharam que eu estava derrotado / Quem achou estava errado).
Mesmo experiente, ele admite que precisou buscar coragem para pedir sinal verde aos Racionais para rever a faixa. Depois da autorização e da benção do grupo, chamou alguns de seus mentores (Mano Brown e Kl Jay) e nomes da nova geração (Djonga, Coruja BC1 e DJ Will) para criar a versão século 21. Lançada em agosto, "Voz Ativa" bateu meio milhão de visualizações no Youtube em poucas semanas - e voltou a gerar comentários, discussão no movimento negro e repercussão nas redes sociais.
Quando a ouviu pela primeira vez, ele ainda se dividia entre a tesoura e o microfone.
"Eu morava em Diadema. Fui de ônibus até a Galeria do Rap [centro de São Paulo]. Voltei para casa lendo as informações da capa. Depois passei a tarde e noite ouvindo as quatro músicas do EP 'Escolha Seu Caminho' ao lado dos meus irmãos. Ao ouvir 'Negro Limitado' e 'Voz Ativa', tive que sair em busca do conhecimento. O rap - em especial os Racionais MC´s - me falou: 'Vai estudar!'."
Em entrevista a Ecoa - ou um papo-reto, como preferem os rappers -, o músico explica os motivos que o levaram a recriar a música; comenta o racismo sofrido pelo jogador Neymar; relembra o início de sua trajetória como cabeleireiro especializado em cortes black e fala de novos líderes e de sua militância em causas ligadas à população negra. "Continuamos na mesma luta que a gente vem travando há mais de 500 anos, morou! Somente o amor faz a gente continuar. Somente o amor".