Por direitos e diálogo

De volta à TV com remake de Pantanal, atriz Dira Paes defende direitos humanos e a retomada do diálogo no país

Lílian Beraldo Colaboração para Ecoa, de Brasília (DF) Ricardo Borges/Folhapress

A atriz Dira Paes, 52, começou a se interessar por causas sociais desde cedo. Nascida em Abaetetuba, no interior do Pará, ela acompanhou o crescimento exponencial de crimes ligados à exploração indevida de recursos naturais no estado - que abriga parte da Floresta Amazônica - e começou a entender que, ali, havia uma lacuna de atuação e atenção.

"Antes, quando a gente tocava no assunto de meio ambiente, nós éramos considerados ecochatos. E isso mudou. As pessoas perceberam que era uma coisa visionária. Hoje, sinto que há mais receptividade à causa", afirma a atriz.

Com 32 anos de carreira, Dira é uma das atrizes mais premiadas e respeitadas de sua geração. Entre as honrarias estão dois Prêmios APCA, três Kikitos, do Festival de Gramado, e cinco Candangos, do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Em paralelo à atuação no palco e nas telas, ela empresta sua voz para benefício de causas ligadas aos direitos humanos em prol de uma sociedade mais justa. Para ela, os últimos anos foram difíceis e exigiram dose extra de resiliência.

Mas Dira não se intimida com o clima político polarizado nem com ataques em redes sociais por sua militância em favor dos direitos humanos. Como solução, defende a retomada do diálogo. "O Brasil está precisando conversar sobre quem somos e o que queremos. E esse diálogo tem que voltar a existir entre as partes."

A atriz está envolvida nas gravações do remake da novela Pantanal, no papel de Filó, braço direito e empregada da fazenda de José Leôncio (Renato Góes/Marcos Palmeira). Dira conta estar feliz em poder levar mais reflexão para a sociedade brasileira por meio de sua atuação na trama que abordará questões ambientais. "É um privilégio poder estar em uma obra que vai provocar esse olhar pro Brasil."

Renan Oliveira/Divulgação

Ecoa - Você tem atuação reconhecida na área de direitos humanos e causas ambientais. Como começou sua militância nessa área?

Dira Paes - Eu sou paraense e, desde cedo, percebia que o meu estado, quando era citado nacionalmente, era por crimes ambientais. Majoritariamente, as notícias eram ligadas à exploração indevida dos recursos naturais.

Isso foi no despertar da minha adolescência e também da minha consciência política, quando eu percebi que era um tema que me interessava, mesmo antes de eu pensar que eu ia ser atriz. Aos 15 anos, quando eu faço o teste pro Floresta das Esmeraldas [filme britânico sobre um engenheiro que viaja com a família para trabalhar na Floresta Amazônica e acaba devastando diversas áreas verdes] e ganho o principal papel feminino do filme, eu percebo uma janela: aquilo poderia ser um olhar pro meu lugar, que pudesse levar junto comigo sempre.

Nessa época, epercebo que quero ser atriz e venho morar no Rio de Janeiro. É o começo da campanha do Betinho, da Ação da Cidadania Contra a Fome, e essa palavra "cidadania" ganha um significado muito nobre dentro do meu vocabulário.

Que dicas você daria para quem desejar se envolver mais com causas sociais?

Por mais que isso pareça óbvio, é importante que a gente perceba que muita gente não sabe por onde começar. Gostaria de ver um mundo melhor, gostaria de colaborar, gostaria de ter um ar mais limpo pra respirar, uma água mais limpa para beber, uma floresta preservada para passear, usufruir e obter remédios ou ainda preservar os povos originários - porque graças a eles a gente ainda tem essa mata pra mostrar. São muitas as demandas. Você precisa escolher uma. O que não pode é se abster, o que não pode é você não ter uma possibilidade de estar presente pra proporcionar uma vida melhor pros seus.

Acho que o ego é um bom ponto de partida para a militância. Porque, ao ajudar aquela causa que você supõe que seja fundamental para você e para o seu entorno, você vai estar ajudando a si mesmo. É um ato de amor a si mesmo e ao que te rodeia. Nós precisamos desses egos que queiram um mundo melhor.

Uma coisa é você ser um indivíduo, outra coisa é você ser um cidadão. Ser cidadão não é você ter educação, é você ter princípios. Você não aprende a ser cidadão quando alguém te ensina. Você apreende a ser cidadão com exemplos, com conjunto de políticas públicas que atinjam o máximo de pessoas possíveis.

Dira Paes, atriz e ativista

Você também atua como diretora do Movimento Humanos Direitos. Qual é a importância da criação de entidades e movimentos de luta pelos direitos humanos?

O Movimento Humanos Direitos é um movimento que faz um papel de ponte e que lança a luz sobre algum problema. É uma ponte e um farol para causas de pessoas que, geralmente, não têm possibilidade de ter sua voz ouvida ou seus direitos reconhecidos. Hoje, as pessoas entendem um pouco melhor. Antes, quando a gente tocava no assunto de meio ambiente, nós éramos considerados "ecochatos". E isso mudou. As pessoas perceberam que era uma coisa visionária. Eram pessoas que já sabiam de todos esses problemas que a gente está vivendo atualmente. Hoje, sinto que há mais receptividade à causa.

As pessoas só conseguem ser reconhecidas publicamente quando elas existem como uma massa, como um povo, como um volume. Dentro do ecopensamento sustentável contemporâneo, é preciso organização, é preciso uma lista de prioridades. É preciso atuar quase como um administrador público. Porque é preciso organizar ideias pra poder usufruir de inteligências em torno dessas ideias. Por isso que a gente defende o fortalecimento das universidades públicas porque são desses lugares que nascem essas inteligências.

Do outro lado, há as pessoas que experienciam os problemas. Do encontro entre cientistas e as pessoas que são detentores dessa experiência, ou seja, daquele que está vivenciando um problema, resultam as soluções. A gente ouve essas pessoas e a gente pensa em soluções legislativas, executivas e judiciárias. Ao longo dessa trajetória, percebemos que é impossível uma desassociação dessas três organizações para transformação de algum estado de calamidade humana e pública.

É um trabalho, não é remunerado, não traz glamour para o artista. Mas, para mim, é uma parte da vida cotidiana. Porque o que afeta o Pará está me afetando, o que afeta o Brasil, está me afetando. Querendo ou não. É inexorável.

João Miguel Jr./TV Globo João Miguel Jr./TV Globo

A novela Pantanal pode despertar um maior interesse por questões ambientais, especialmente relacionadas ao bioma, que tem sofrido tanto com queimadas?

Acho que uma novela como Pantanal é um lenitivo e uma provocação. É um lenitivo porque nos proporciona penetrar dentro desse universo dos biomas brasileiros que são tão potentes, divinais e únicos no mundo. E, ao mesmo tempo, ela é uma provocação porque a gente está falando da degradação do Pantanal, 32 anos depois.

Estamos falando das demandas do Pantanal de hoje e contando a história das pessoas que habitam esse lugar, que são pessoas rudes, que estão, de alguma forma, isoladas do mundo, mesmo tendo celular. Como é viver num lugar onde as distâncias são imensas? Quais são as demandas desses lugares? Quais são as demandas dessas pessoas? Quais são os desejos? Nós estamos, de certa maneira, fazendo esse papel de lançar luz sobre esse tema.

É um privilégio poder estar numa obra que vai provocar esse olhar pro Brasil. Eu acho que o Brasil precisa olhar pro Brasil e o Brasil precisa amar o Brasil.

João Miguel Jr./TV Globo João Miguel Jr./TV Globo

Você já sofreu ataques nas redes sociais por defender os direitos humanos? O que te motiva a continuar usando a sua voz pra defender essas causas mesmo sendo atacada?

Sim [já sofri], mas a gente vive numa democracia e eu me sinto no direito, como cidadã, de expressar o meu olhar sobre a vida, sobre o cotidiano, sobre o mundo. Hoje em dia, como a gente vive a pluralidade dentro das redes, a diversidade dentro das mídias, é ótimo você ter o seu território. Porque você vai achar os seus pares e os seus ímpares. Os ímpares reclamam, e os pares te apoiam e te dão novas ideias e propagam.

O bom é conviver com isso sem agressividade. Nos últimos tempos, foi difícil não se abismar com tanto desmando, com tanta falta de habilidade de se comunicar com o povo e de legislar dentro de um mínimo de civilidade pública. Os ataques foram diretos e as classes artística, intelectual, científica e acadêmica sofrem porque são pessoas das ideias, do mundo das ideias.

O Brasil está precisando conversar sobre quem somos e o que queremos. E esse diálogo tem que voltar a existir entre as partes.

Dira Paes, atriz e ativista

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